sexta-feira, 10 de junho de 2022

Catorze dias? Ou antes trinta? E como é que os ‘desfias’? Ainda que mal pressinta… são 14 e não 30!

 “Ouvi numa destas conferências, há dias, que a partir de agora haveria um prazo de 30 dias para as pessoas desistirem dos contratos feitos por meios electrónicos.

Que a lei tinha mudado e que as pessoas beneficiavam, não de 14 dias, como antigamente, mas de 30 dias. Em todos os contratos digitais.

Pareceu-me muito, mas dito assim, com a autoridade de quem fala numa conferência, fiquei a saber que agora terei muito mais tempo para o efeito.

Será mesmo assim? Que me pode dizer a esse propósito?”

Apreciada a questão, cumpre oferecer a resposta fundada na lei:

1.       Só uma leitura precipitada da lei poderá consentir numa tal solução: para os contratos à distância [que abrangem não só os electrónicos, mas através de outros meios de comunicação] o prazo de 14 (catorze) dias mantém-se.

2.       A lei só altera lo prazo de reflexão ou ponderação em vista da retractação (a faculdade de “dar o dito por não dito”) em duas hipóteses:

 2.1. a dos contratos ao domicílio e

2.2. a dos contratos celebrados durante uma qualquer excursão organizada pelo promotor.

 3.       Com efeito, nem em todos os contratos electrónicos se confere o direito de retractação (o de dar o dito por não dito depois de celebrado). Há excepções. A lei prevê a hipótese de haver um acordo em contrário. Mas tal raramente acontece, tanto quanto se sabe.

 4.       E quais as  excepções ?

4.1. Prestação de serviços com obrigação de pagamento, quando:

o   Os serviços tenham sido integralmente prestados após o prévio consentimento expresso do consumidor; e

o   O consumidor reconheça que perde tal  direito se o contrato tiver sido plenamente executado, em tal caso, pelo prestador de serviço.

 4.2.  Fornecimento de bens

§  ou serviços cujo preço dependa de flutuações de taxas do mercado financeiro que o fornecedor não possa controlar susceptíveis de ocorrer durante o período de ponderação em vista do exercício do direito de retractação;

 §  confeccionados de acordo com especificações do consumidor ou manifestamente personalizados;

 §  que, por natureza, não possam ser reenviados ou sejam susceptíveis de se deteriorar ou de ficar rapidamente fora de prazo;

 §  selados não susceptíveis de devolução, por motivos de protecção da saúde ou de higiene quando abertos após a entrega;

 §  que, após a sua entrega e por natureza, fiquem inseparavelmente misturados com outros artigos (exemplo: compra de um “bidão” de combustível que se verte para um outro depósito);

 §  bebidas alcoólicas cujo preço tenha sido acordado aquando da celebração do contrato de compra e venda, cuja entrega apenas possa ser feita após um período de 30 dias, e cujo valor real dependa de flutuações do mercado que insusceptíveis de controlo pelo fornecedor;

 

§   gravações áudio ou vídeo seladas ou de programas informáticos selados, a que o consumidor tenha retirado o selo de garantia de inviolabilidade após a entrega;

 §  um jornal, periódico ou revista, com excepção dos contratos de assinatura para  remessa de tais publicações;

 §  Celebrados em hasta pública;

 §  de alojamento, para fins não residenciais, transporte de bens, serviços de aluguer de automóveis, restauração ou serviços relacionados com actividades de lazer se o contrato previr uma data ou período de execução específicos;

 §  de conteúdos digitais não fornecidos em suporte material com uma obrigação de pagamento quando:

 

o   O consumidor consentir prévia e expressamente que a execução tenha início durante o período de ponderação em vista da retractação e reconhecer que o seu consentimento implica a perda do direito de retractação; e

o   O fornecedor de conteúdos digitais tenha fornecido a confirmação, nos termos do n.º 2 do artigo 9.º ou do artigo 6.º

 

§  Prestação de serviços de reparação ou de manutenção a executar no domicílio do consumidor, a seu pedido ( é aplicável, porém,  o direito de retractação nos serviços prestados além dos especificamente solicitados pelo consumidor ou na dispensa de bens diferentes das peças de substituição imprescindíveis para o efeito).

 

EM CONCLUSÃO

a.       As alterações à Lei dos Contratos à Distância e Fora de Estabelecimento não afectaram o direito de retractação previsto para os contratos à distância (em que se incluem os electrónicos): continua a ser de 14 dias o período para “dar o dito por não dito” se se respeitarem todos os requisitos formais.

b.       Se não se respeitarem, a tal prazo acrescem 12 meses, a menos que, nesse ínterim, surja a comunicação e então, a partir daí, começa a contar-se o prazo para o efeito.

c.       Só os contratos fora de estabelecimento, em duas precisas situações, passaram a beneficiar dos 30 dias para o efeito (ao domicílio e os celebrados durante excursões por iniciativa do promotor): em nenhuns outros tal se observará.

d.       O direito de retractação não vale para todos os contratos do estilo: há uma mancheia de excepções que importa conferir em 4.

Tal é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.

 

Mário Frota

apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

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