A principal obrigação do consumidor de serviços públicos essenciais é a de pagar o preço.
Porém, nem sempre as facturas apresentadas pelos fornecedores correspondem fielmente (e com rigor) aos consumos.
O CONSUMIDOR TEM DE PAGAR SÓ O QUE CONSOME
NA EXACTA MEDIDA DO QUE E EM QUE CONSOME
Há, em geral, facturas que apresentam valores superiores aos consumidos. E um dos princípios básicos é esse: PAGAR SÓ O QUE SE CONSOME. E tão só. Há, pode dizer-se, nestes casos, sobrefacturação, ou seja, facturação em excesso. Como pode haver, é facto, subfacturação, isto é, facturação por defeito, a factura apresenta consumo inferior ao realmente efectuado. Com as consequências que advêm, neste particular, meses mais tarde, com os acertos. Os acertos podem queimar a bolsa dos consumidores. Desequilibram, não raro, os orçamentos domésticos. Se tal acontecer, isto é, se os valores não corresponderem aos consumos registados, o consumidor deve exercer o seu direito de reclamação no prazo estabelecido para o pagamento.
E não tem de ceder às exigências dos fornecedores que, tantas vezes, ainda recorrem a uma fórmula estafada, a saber: “PAGUE PRIMEIRO – RECLAME DEPOIS”.
Fórmula que curiosamente vem já dos romanos.
Terá de reclamar de forma apropriada, em especial no LIVRO DE RECLAMAÇÕES. Para que dele conste o desvio à normalidade nas relações com os consumidores.
Se tiver dificuldades em lavrar a reclamação, peça a ajuda de alguém que possa fazê-lo por si.
E pagar só após a decisão final sobre a reclamação.
Há, porém, situações em que o consumidor se deve escusar de pagar: sempre que a dívida se achar prescrita.
PRESCRIÇÃO DE DÍVIDAS
As dívidas prescrevem pela passagem do tempo. Há distintos prazos de prescrição, consoante a natureza das dívidas.
Assim,
. o prazo ordinário da prescrição é de vinte anos.
. prescrevem, porém, entre outros, no prazo de cinco anos:
. as rendas e alugueres devidos pelo locatário, ainda que pagos por uma só vez;
. os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades;
. as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros;
. as pensões alimentícias vencidas;
. quaisquer outras prestações periodicamente renováveis.
A lei apresenta ainda outras hipóteses, em particular no que se refere a prescrições que se fundam na presunção de cumprimento, mas que ora não vêm ao caso.
Para as dívidas dos serviços públicos essenciais (água, energia eléctrica, gás, comunicações electrónicas …, …) o prazo de prescrição é de 6 meses.
A Lei dos Serviços Públicos Essenciais estabelece-o no seu artigo 10.º:
“1 - O direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação.
2 - Se, por qualquer motivo, incluindo o erro do prestador do serviço, tiver sido paga importância inferior à que corresponde ao consumo efectuado, o direito do prestador ao recebimento da diferença caduca dentro de seis meses após aquele pagamento.
3 - A exigência de pagamento por serviços prestados é comunicada ao utente, por escrito, com uma antecedência mínima de 10 dias úteis relativamente à data-limite fixada para efectuar o pagamento.
4 - O prazo para a propositura da acção ou da injunção pelo prestador de serviços é de seis meses, contados após a prestação do serviço ou do pagamento inicial, consoante os casos.
5 - O disposto no presente artigo não se aplica ao fornecimento de energia eléctrica em alta tensão.”
Para que a prescrição seja eficaz, ou seja, para que o consumidor da sua inexigibilidade judicial se possa prevalecer, cabe invocá-la, uma vez interpelado pelo credor para pagar.
Em regra e em geral, se o consumidor não invocar em seu benefício a prescrição, a dívida subsistirá, cabendo-lhe efectuar o pagamento se para tanto nisso for condenado.
Mas há no domínio dos serviços públicos essenciais uma excepção de ponderar: é que o direito vem assistido da denominada caducidade do direito de acção que fulmina, por assim dizer, a própria prescrição não invocada no tempo, no lugar e na peça processual ou procedimental próprios.
Há, pois, uma nuance que se analisará noutro passo, a saber, quando se contemplar o instituto da CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO.
O fornecedor poderá exigir o pagamento quer por carta, quer por meio de qualquer acção judicial (ou injunção). Se o fizer por carta, o consumidor, na resposta, terá de dizer exactamente que a dívida reclamada já prescreveu.
Se se tratar de um qualquer meio judicial (acção ou injunção…) é na contestação ou na oposição, respectivamente, que o consumidor invocará, em seu favor, a prescrição.
O tribunal não pode conhecer oficiosamente, por sua iniciativa, pois, da prescrição.
É o que diz o Código Civil, no seu artigo 303:
“O tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público”.
É ao consumidor ou seu representante que cabe invocar a prescrição.
Não pode esperar que outrem o faça por si. Menos ainda o juiz conheça da prescrição se o caso for parar à barra dos tribunais.
O Código Civil diz, por outras palavras, que, vencido o tempo da prescrição, tem o consumidor o direito de não pagar.
Eis como o diz no seu
Artigo 304:
(Efeitos da prescrição)
“1. Completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.
2. Não pode, contudo, ser repetida a prestação realizada espontaneamente em cumprimento de uma obrigação prescrita, ainda quando feita com ignorância da prescrição; este regime é aplicável a quaisquer formas de satisfação do direito prescrito, bem como ao seu reconhecimento ou à prestação de garantias.
3. No caso de venda com reserva de propriedade até ao pagamento do preço, se prescrever o crédito do preço, pode o vendedor, não obstante a prescrição, exigir a restituição da coisa quando o preço não seja pago”.
No entanto, se pagar, por ignorância, distracção ou por qualquer outra circunstância, não pode o consumidor, por força de lei, exigir a devolução do montante que tiver pago (a lei chama-lhe “a repetição do indevido”: “não pode ser repetida a prestação”; “não pode voltar a ser pedido o que pagou “indevidamente”…).
Há como que uma ideia de justiça aqui, contraposta à de segurança jurídica: se pagou, embora não o devesse fazer por razões de segurança do direito, pagou bem. É justo que tenha pago. E, por isso, nada pode pedir de volta. Não poderá pedir que se lhe restitua o que indevidamente pagou.
A CADUCIDADE DO RECEBIMENTO DA DIFERENÇA DO PREÇO
O mesmo sucede quando o fornecedor factura a menos e, depois, pretende acertar contas.
Imaginemos a seguinte situação: o consumidor teve um consumo real de 100, mas só lhe foi debitado 10.
A diferença, que é de 90, tem de ser reclamada pelo credor (fornecedor) em seis meses.
Veja-se o que diz a Lei dos Serviços Públicos Essenciais no n.º 2 do artigo 10.º, já transcrito noutro passo:
“Se, por qualquer motivo, incluindo o erro do prestador do serviço, tiver sido paga importância inferior à que corresponde ao consumo efectuado, o direito do prestador ao recebimento da diferença caduca dentro de seis meses após aquele pagamento.” Ler mais