Usado e ‘engasgado’, logo rejeitado e sem detença empandeirado...
“Um rapaz comprou numa oficina um carro já usado e com alguns anos…e, poucos dias depois, começou a ter problemas, o que motivou o regresso à mesma oficina para reparar…Contudo, não aconteceu, a avaria continuou e, poucos meses depois, regressou definitivamente à mesma oficina, onde se encontra até hoje…”
E, se se tratar de uma reparação, fora do âmbito da garantia por ter acabado o prazo estabelecido na lei, haverá – em relação a tal – uma qualquer garantia?”
Ante os factos, eis o que cumpre opinar:
1. A compra e venda de usados é também assistida de garantia legal de conformidade: “o [fornecedor] é responsável por qualquer [não] conformidade que se manifeste no prazo de três anos a contar da entrega do bem” [DL 84/2021: n.º 1 do art.º 12].
1.1. Nos contratos de compra e venda de bens móveis usados e por acordo entre as partes, o prazo de três anos... pode ser reduzido até 18 meses [DL 84/2021: n.º 2 do art.º 12].
1.2. O prazo suspende-se desde o momento da comunicação da [não] conformidade até à [ sua] reposição..., devendo o consumidor, para o efeito, colocar os bens à disposição do fornecedor sem demora injustificada [DL 84/2021: n.º 4 do art.º 12].
2. A reposição da conformidade opera ou por reparação ou por substituição, à escolha do consumidor [DL 84/2021: al. a) do n.º 1 do art.º 15].
3. A reparação é gratuita e terá de se efectuar, em princípio, nos 30 dias subsequentes ao da comunicação da não conformidade [DL 84/2021: als. a) e b) do n.º 2 e n.º 3, respectivamente, do art.º 18].
4. Em caso de reparação, o bem reparado beneficia de um prazo de garantia adicional de seis meses até ao limite de quatro reparações: o fornecedor, aquando da entrega do bem reparado, transmitirá ao consumidor tal informação - em suporte papel - para valer [DL 84/2021: n.º 4 do art.º 18].
5. Por se haver denunciado a não conformidade nos 30 dias subsequentes aos da entrega, o consumidor goza do direito de rejeição, i. é, pode pôr - desde logo - termo ao contrato (mediante a figura da resolução), contanto que o comunique ao fornecedor por escrito, devolvendo o bem e fazendo jus à restituição do preço pago [DL 84/2021: art.º 16; n.ºs 1, 2 e 4 do art.º 18].
6. Se se tratasse de mera reparação, expirada que fora a garantia legal, beneficiaria - em relação ao órgão específico do veículo objecto de reparação - de garantia igual à da compra e venda, no caso de três anos por aproveitar à prestação de serviços o regime da compra e venda [DL 84/2021: al. b) do n.º 1 do art.º 3.º e n.º1 do art.º 12].
7. Nos dois primeiros anos não necessitaria de fazer prova de que a não conformidade da reparação existia no momento da entrega do bem porque há em seu favor uma presunção: só no terceiro ano é que o ónus da prova recairia sobre o consumidor, o que seria praticamente impossível cumprir (prova diabólica) [DL 84/2021: n.ºs 1 e 4 do art.º 13].
EM CONCLUSÃO
a. A garantia legal de bens móveis usados é também, em princípio, de três anos: confere-se, porém, a faculdade de negociação aos contraentes, sendo que a garantia não poderá ser inferior a 18 meses (DL 84/2021: n.º 3 do art.º 12).
b. A recomposição da conformidade far-se-á pela reparação ou substituição, por opção do consumidor: a reparação é gratuita e terá de ocorrer, em princípio, em 30 dias (DL 84/2021: al. a) do n.º 1 do art.º 15 e n.º 3 do art.º 18).
c. Por cada uma das reparações acrescerá à garantia legal o período de 6 meses até ao limite de quatro (DL 84/2021: ).
d. Se a não conformidade ocorrer nos primeiros 30 dias após a entrega do bem, o consumidor goza do direito de rejeição: pode desde logo pôr termo ao contrato (devolvendo o bem e sendo restituído do preço pago) (DL 84/2021: n.º 4 do art.º 18 ).
e. As prestações de serviços também estão cobertas pela garantia legal de três anos, já que o regime da compra e venda se lhes aplica por força de lei (DL al.b) do art.º 3.º e n.º 1 do art.º 12).
f. Nos dois primeiros anos, o consumidor goza da presunção de que a não conformidade da prestação de serviços existia já no momento da entrega do bem; no terceiro ano o ónus da prova recai sobre o consumidor, o que apresenta manifesta dificuldade ou efectiva impossibilidade (‘prova diabólica’) (DL 84/2021: n.º 1 do art.º 13).
Tal é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.
Mário Frota
presidente emérito da apDC -DIREITO DO CONSUMO -, Portugal

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