quarta-feira, 12 de junho de 2024

LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ DOS DISTINTOS PODERES CONTRA A LIBERDADE DE EXPRESSÃO

 


A DIRECTIVA ANTI-SLAPP

E SEUS PRESSUPOSTOS

 

(Directiva 2014/1069/EU, de 11 de Abril de 2014)

 

A União estabeleceu como objectivo manter e desenvolver um espaço de liberdade, de segurança e de justiça, em que seja assegurada a livre circulação de pessoas. Para criar esse espaço, a União deve adoptar, nomeadamente, medidas relativas à cooperação judiciária nas matérias civis com incidência transfronteiriça e que sejam necessárias para a eliminação dos obstáculos à boa tramitação das acções cíveis. Se necessário, este objectivo deverá ser alcançado promovendo a compatibilidade das normas de processo civil aplicáveis nos Estados-Membros.

(2) O artigo 2.º do Tratado da União Europeia (TUE) estabelece que a União se funda nos valores do respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de direito e do respeito pelos direitos humanos, incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias.

(3) O artigo 10.º, n.º 3, do TUE estabelece que todos os cidadãos têm o direito de participar na vida democrática da União. A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») prevê, nomeadamente, os direitos ao respeito pela vida privada e familiar, à protecção de dados pessoais, à liberdade de expressão e de informação, que inclui o respeito pela liberdade e pelo pluralismo dos meios de comunicação social, à liberdade de reunião e de associação, bem como o direito à acção e a um tribunal imparcial.

(4) O direito à liberdade de expressão e de informação consagrado no artigo 11.º da Carta compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber e de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer poderes públicos e sem consideração de fronteiras. É necessário atribuir ao artigo 11.º da Carta o significado e o âmbito do correspondente artigo 10.o da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) sobre o direito à liberdade de expressão, na interpretação dada pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH).

(5) Na sua Resolução de 11 de Novembro de 2021 sobre o reforço da democracia e da liberdade e do pluralismo dos meios de comunicação social na União, o Parlamento Europeu instou a Comissão a propor um pacote de instrumentos jurídicos tanto vinculativos como não vinculativos para fazer face ao número crescente de ações judiciais estratégicas contra a participação pública (SLAPP, do inglês strategic lawsuits against public participation) contra jornalistas, organizações não-governamentais (ONG), membros da comunidade académica e a sociedade civil na União. O Parlamento referiu a necessidade de medidas legislativas nos domínios do direito processual civil e penal, tais como um mecanismo de indeferimento liminar para ações civis abusivas, o direito ao ressarcimento da totalidade das despesas incorridas pelo demandado e o direito à indemnização por danos. A Resolução de 11 de Novembro de 2021 também inclui um apelo a uma formação adequada para juízes e profissionais da justiça sobre SLAPP, um fundo específico para prestar apoio financeiro às vítimas de SLAPP e um registo público de decisões judiciais sobre casos de SLAPP. Além disso, o Parlamento solicitou a revisão do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho e do Regulamento (CE) n.º 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho , com o objectivo de evitar o «turismo da difamação» ou o «forum shopping».

(6) A presente directiva visa eliminar os obstáculos à boa tramitação das ações cíveis, assegurando simultaneamente protecção às pessoas singulares e colectivas envolvidas na participação pública em questões de interesse público, em particular jornalistas, editores, organizações de comunicação social, denunciantes e defensores dos direitos humanos, bem como organizações da sociedade civil, ONG, sindicatos, artistas, investigadores e membros da comunidade académica, contra processos judiciais instaurados contra elas para as dissuadir da participação pública.

(7) O direito à liberdade de expressão é um direito fundamental que deve ser exercido com sentido de dever e responsabilidade, tomando em consideração o direito fundamental das pessoas a obterem informações imparciais e o respeito pelo direito fundamental à protecção da reputação, dos dados pessoais e da privacidade. Em caso de conflito entre estes direitos, todas as partes têm de ter acesso a tribunais, no devido respeito pelo princípio do processo equitativo. Para esse efeito, a presente directiva deverá dar ao órgão jurisdicional ao qual foi submetida a questão a discricionariedade necessária para ponderar se a aplicação das garantias pertinentes é adequada num caso específico. Ao fazer uso dessa discricionariedade, o tribunal não deverá aplicar essas garantias, por exemplo, quando a participação pública não é feita de boa fé, como nos casos em que, através do ato de participação pública, o demandado tenha divulgado desinformação ou forjado alegações com o objectivo de prejudicar a reputação do demandante.

(8) Os jornalistas desempenham um papel importante na facilitação do debate público e na transmissão e recepção de informações, opiniões e ideias. Deverão poder exercer eficazmente e sem medo as suas actividades, de modo a garantir que os cidadãos tenham acesso a uma pluralidade de pontos de vista nas democracias europeias. O jornalismo independente, profissional e responsável, bem como o acesso à informação pluralista, constituem dois dos principais pilares da democracia. É essencial que os jornalistas disponham do espaço necessário para contribuir para um debate aberto, livre e justo e para combater a desinformação, a manipulação da informação e a ingerência, em conformidade com a ética do jornalismo, e que lhes seja concedida proteção quando agem de boa-fé.

(9) A presente directiva não apresenta uma definição de «jornalista», uma vez que o objectivo é proteger toda a pessoa singular ou colectiva em razão do seu envolvimento na participação pública. No entanto, importa sublinhar que o jornalismo é praticado por um vasto leque de intervenientes, nomeadamente repórteres, analistas, colunistas e bloguistas, bem como outras pessoas que participam em formas de auto-publicação impressas, na Internet ou noutros meios.

(10) Os jornalistas de investigação e as organizações de comunicação social, em particular, desempenham um papel central na exposição da criminalidade organizada, do abuso de poder, da corrupção, das violações dos direitos fundamentais e do extremismo, bem como no combate aos mesmos. O seu trabalho comporta riscos particularmente elevados, sendo cada vez mais alvo de ataques, assassinatos e ameaças, bem como intimidação e assédio. É necessário um sistema sólido de garantias e protecção, que permita aos jornalistas de investigação desempenhar o seu papel crucial de guardiões em questões de interesse público, sem medo de punições por procurarem a verdade e informarem o público.

(11) Os defensores dos direitos humanos deverão poder participar activamente na vida pública e promover a responsabilização sem medo de intimidação. Os defensores dos direitos humanos incluem indivíduos, grupos e organizações da sociedade civil que promovem e protegem os direitos humanos e as liberdades fundamentais universalmente reconhecidos. Os defensores dos direitos humanos estão empenhados em promover e salvaguardar os direitos civis, políticos, económicos, sociais, culturais, ambientais, climáticos, bem como das mulheres e das pessoas LGBTIQ, e em lutar contra a discriminação directa ou indirecta, tal como se estabelece no artigo 21.º da Carta. Tendo em conta as políticas ambiental e climática da União, deverá também ser dada atenção aos defensores dos direitos ambientais, uma vez que desempenham um papel importante nas democracias europeias.

(12) Outros participantes de relevo no debate público, como os membros da comunidade académica, os investigadores ou artistas, merecem também uma protecção adequada, uma vez que podem igualmente ser visados pelas SLAPP. Numa sociedade democrática, deverão poder ensinar, aprender, investigar, actuar e comunicar sem medo de represálias. Os membros da comunidade académica e os investigadores dão um contributo fundamental para o discurso público e a divulgação de conhecimentos, asseguram que o debate democrático possa ter lugar com conhecimento de causa e combatem a desinformação.

(13) Uma democracia saudável e próspera implica que as pessoas possam participar activamente no debate público, sem ingerência indevida das autoridades públicas ou de outros intervenientes poderosos, sejam eles nacionais ou estrangeiros. A fim de garantir uma participação significativa, as pessoas deverão poder aceder a informações fiáveis, que lhes permitam formar as suas próprias opiniões e actuar com discernimento num espaço público em que seja possível expressar livremente diferentes opiniões.

(14) Para promover este ambiente, é importante proteger as pessoas singulares e colectivas dos processos judiciais abusivos contra a participação pública. Estes processos não são instaurados para efeitos de acesso à justiça, mas para silenciar o debate público e impedir a investigação e denúncia de violações do direito da União e nacional, recorrendo normalmente ao assédio e à intimidação.

(continua)

Sem comentários:

Enviar um comentário

DENÁRIA PORTUGAL

  DENÁRIA PORTUGAL   "Fraude nos Meios de Pagamento: digital vs numerário"     Participantes:   Mário Frota - Mandatári...