(edição do diário ‘As Beiras’, de Coimbra, de 19 de Janeiro de 2024)
‘Reparações’ de ‘Santa Engrácia’… nítido sinal de ineficácia
De um leitor de Salvaterra de Magos
“Comprei recentemente um aquecedor numa grande superfície. Após um mês de uso avariou. Na loja pediram-me para o deixar para reparação. O que é certo é que já está para reparar desde Novembro. E não me dão informações sobre o que se passa. Na loja dizem apenas que está em reparação. Sem se comprometerem com uma data para a entrega. Pergunto se não existe um prazo legal para uma resposta ou devolução.”
Protelar a reparação
Como sinal de ineficácia
É crassa violação
Que bem lembra SANTA ENGRÁCIA!
Ante a factualidade relatada, cumpre oferecer o enquadramento jurídico:
1. Com efeito, a Lei da Compra e Venda dos Bens de Consumo [DL 84/2021, de 18 de Outubro], reza, com todas as cautelas, no seu artigo 18 (n.º 2), sob a epígrafe “reparação ou substituição do bem”:
“1 — …
2 — A reparação ou a substituição do bem é efectuada:
a) A título gratuito;
b) Num prazo razoável a contar do momento em que o profissional tenha sido informado pelo consumidor da falta de conformidade;
c) Sem grave inconveniente para o consumidor, tendo em conta a natureza dos bens e a finalidade a que o consumidor os destina.
2. Ora, a “título gratuito” quer significar, como o refere a alínea a) do n.º 2 do diploma legal respectivo:
“livre dos custos necessários incorridos para repor os bens em conformidade, nomeadamente o custo de porte postal, transporte, mão-de-obra ou materiais”.
2. “Prazo razoável” é o que o n.º 3 do enunciado artigo concretiza:
“O prazo para a reparação ou substituição não deve exceder os 30 (trinta) dias, salvo nas situações em que a natureza e complexidade dos bens, a gravidade da não conformidade e o esforço necessário para a conclusão da reparação ou substituição justifiquem um prazo superior.”
3. Importa, porém, não olvidar que:
“4 — Em caso de reparação, o bem reparado beneficia de um prazo de garantia adicional de seis meses por cada reparação até ao limite de quatro reparações, devendo o profissional, aquando da entrega do bem reparado, transmitir ao consumidor essa informação.
5 — Quando a reparação exigir a remoção do bem que tenha sido instalado de uma forma compatível com a sua natureza e finalidade antes de a falta de conformidade se ter manifestado, a obrigação do fornecedor abrange a remoção do bem não conforme e a instalação de bem reparado ou substituto, a suas expensas.
6 — Havendo substituição do bem, o fornecedor é responsável por qualquer falta de conformidade que ocorra no bem sucedâneo, nos termos do disposto no artigo 12.º
7 — Em caso de substituição do bem, não pode ser cobrado ao consumidor qualquer custo inerente à normal utilização do bem substituído.”
4. Nos termos do artigo 48 da Lei da Compra e Venda dos Bens de Consumo, a violação do disposto nos n.ºs 2, 3, 4, 5 e 7 do artigo 18.º, que assinalámos precedentemente, constitui contra-ordenação grave.
5. A moldura contra-ordenacional é, por conseguinte, a que segue:
Tratando-se de
o Microempresa (até 9 trabalhadores), de 1 700,00 a 3 000,00 €;
o Pequena empresa (de 10 a 49), de 4 000,00 a 8 000,00 €;
o Média empresa (de 50 a 249), de 8 000,00 a 16 000,00 €;
o Grande empresa (de 250 ou mais) de 12 000,00 a 24 000,00 €.
6. Convém lavrar no Livro de Reclamações o facto que servirá de base à ASAE para a instrução dos autos, se for o caso, e para infligir a sanção que na circunstância couber.
EM CONCLUSÃO
a. O prazo para a reposição de conformidade, em caso de reparação, é de 30 (trinta) dias.
b. Porém, obtempera a lei, excepcionando que “as situações em que a natureza e complexidade dos bens, a gravidade da não conformidade e o esforço necessário para a conclusão da reparação… [justificam] um prazo superior.”
c. O fornecedor terá de fundamentar convenientemente as situações que caibam na excepção, reverberando-se que cerca de três meses volvidos após ter passado a dispor do bem (para reposição da conformidade) se não haja ainda manifestado de modo adequado e preciso.
d. O incumprimento do prazo constitui ilícito de mera ordenação social passível de coima de acordo com a grelha apresentada em 6.
e. A situação deve ser objecto de reclamação no Livro respectivo para efeitos legais.
Eis, salvo melhor juízo, o nosso parecer.
Mário Frota
presidente emérito da apDC- DIREITO DO CONSUMO – Portugal
Obs.
A expressão “como as obras de Santa Engrácia”, comum na língua corrente, é utilizada para referir-se a algo que não chegará a acontecer, ou que demorará muito a acontecer.

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