sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

E se o consumidor quiser poupar meias solas e à distância contratar, fica ‘preso’ pelas golas?


(edição de hoje, 20 de Janeiro de 2023, do diário ‘As Beiras’, de Coimbra)

CONSULTA

“No último consultório traçou-se o regime dos contratos à distância (por telefone) por iniciativa da empresa. E, do mesmo passo, nas situações em que, embora o contacto inicial houvesse cabido ao consumidor, a iniciativa se tem de considerar como partindo da empresa, pela inversão que se observa no decurso da chamada, em razão do aproveitamento, quiçá desleal, em seu favor, do telefonema do consumidor.

E qual é o regime no caso de a iniciativa do telefonema pertencer de modo expresso ao consumidor?”

PARECER

1.    Quando o contrato … for celebrado por telefone ou através de outro meio de comunicação à distância, o prestador do serviço… deve facultar ao consumidor, antes da celebração do contrato, sob pena de nulidade, todas as informações atrás referidas, ficando o consumidor vinculado apenas depois de assinar proposta contratual ou enviar o seu consentimento escrito ao fornecedor…, excepto nos casos em que o primeiro contacto telefónico seja efectuado pelo próprio consumidor, diz a lei.

 2.    O contrato tem de constar de um qualquer suporte duradouro: por suporte duradouro se entende  “qualquer instrumento, designadamente o papel, a chave Universal Serial Bus (USB), o Compact Disc Read-Only Memory (CD-ROM), o Digital Versatile Disc (DVD), os cartões de memória ou o disco rígido do computador, que permita ao consumidor ou ao fornecedor de bens ou prestador do serviço armazenar informações que lhe sejam pessoalmente dirigidas, e, mais tarde, aceder-lhes pelo tempo adequado à finalidade das informações, e que possibilite a respectiva reprodução inalterada.”

 3.    E o consumidor só fica obrigado, em princípio, após assinar a oferta ou remeter o seu consentimento por escrito, caso a iniciativa do telefonema compita à operadora (no sentido em que tal se considera, entre nós).

 4.    Disse-se “em princípio”: é que depois da celebração de um contrato não presencial (v. g., por telefone) o consumidor dispõe de 14 (catorze) dias consecutivos para se retractar, ou seja, para “dar o dito por não dito”. Goza do direito de desistência. A lei confere-lhe a possibilidade de, em 14 dias, ponderar, reflectir, ajuizar da conveniência ou não de celebrar o contrato por o não haver feito presencialmente, olhos nos olhos.

 5.    Mas para tanto é necessário que do clausulado do contrato conste tal direito: se dele não constar, o consumidor passa a dispor, não de 14 dias, mas de 12 meses mais para “dar o dito por não dito”. Sem quaisquer consequências. E como forma de se penalizar a operadora pela inobservância da lei.

 6.    Se, porém, a iniciativa do telefonema for, no entanto, do consumidor, o contrato considera-se, em princípio, celebrado: o fornecedor tem., no entanto, de o confirmar em 5 (cinco) dias mediante a remessa de todo o clausulado de onde constará o período de reflexão ou de ponderação de 14 (catorze) dias dentro do qual poderá ocorrer a desistência. E o formulário respectivo. Se não constar e o formulário não lhe for presente, observar-se-á o mesmo que na hipótese anterior: o período para o exercício do direito de desistência ou retractação será então de 12 meses contados dos 14 dias iniciais.

 7.    Reconduz-se, no entanto, à hipótese primeira [o telefonema por iniciativa do fornecedor] se, no decurso de uma chamada feita pelo consumidor com qualquer outro propósito, for abordado para a celebração de um contrato, qualquer que seja… A saber, o contrato só se considera celebrado, nestas situações, se o consumidor der o seu consentimento por escrito ou depois de assinar a oferta. O que parece curial.

 8.    Mas contratos à revelia da lei são “mato” por esses comercializadores fora… em que parece que os seus “agentes” ou não estão habilitados ou, se o estiverem, fazem por ignorar as regras mais elementares para obterem vantagem do desconhecimento mais do que patenteado pela generalidade dos consumidores.

 

EM CONCLUSÃO

1.      Se na celebração do contrato por telefone a iniciativa do facto couber ao consumidor, o contrato considera-se celebrado, ou seja, é válido.

 2.      Carece, porém, de confirmação por banda do fornecedor, em princípio, nos 5 dias subsequentes mediante expressa remessa do clausulado do contrato, em suporte duradouro, cm todas as menções obrigatórias da lei constantes.

 3.      Mas o contrato, apesar de válido, só será eficaz se o consumidor, nos 14 dias subsequentes, não der o dito por não dito, não exercer o direito de retractação que a lei prevê.

 4.      Para tanto, mister será que das menções conste o direito de retractação e seja presente ao consumidor o formulário de retractação, sob pena de o prazo para o efeito se alargar de 14 dias para 12 meses, que acrescerá aos dias iniciais.

 Eis o que se nos oferece dizer a tal propósito.

Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

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