“As Beiras”
13 de Janeiro de 2023
EDP COMERCIAL: uma só comunicação,
uma proposta sem aval e um traço de má criação
“Telefonema para a EDP Comercial. Razão: a não remessa das facturas mensais desde Abril de 2022.
Aproveitando o contacto, a telefonista ‘investe’ e, sem qualquer ligação com o assunto nem prévio consentimento, começa por apresentar uma proposta de contrato de assistência técnica.
Confundida, a consumidora passou-a ao marido e o “disco” recomeçou: contrato com fidelização por um ano, com uma redução do Kwa e da taxa de potência de 6% , a um preço de 7,90 /mês pelo serviço oferecido…
No termo da oferta, pediu naturalmente a remessa das exactas condições da proposta para simulação.
Que não. Que se quisesse, que fosse ao portal da empresa. Ao que o consumidor ripostou: de qualquer modo, sempre terá de enviar cabal informação antes da celebração do contrato. Ninguém fica obrigado perante um simples telefonema. Que não, que estava enganado, que com a gravação o contrato considerar-se-ia celebrado.
O consumidor ainda argumentou que não havia contrato sem expresso consentimento escrito. E enunciou os artigos e a lei. Sem a convencer, porém. Ao que malcriadamente avançou que não queria saber dos artigos para nada, prosseguindo numa toada pouco própria, tamanha a falta de educação, supina a desconsideração…
O que dizer, pois?”
Nota prévia: constitui, em nosso entender, prática desleal o aproveitamento de uma tal oportunidade para enredar o consumidor em qualquer negociação, quer pela sua normal impreparação como pela surpresa a reforçar fragilidades, para além de as empresas se “pendurarem” nas chamadas suportadas pelos consumidores…
1. Os contratos por telefone estão disciplinados por lei – e duas hipóteses se perfilam:
§ Ou a iniciativa do telefonema parte da empresa;
§ Ou é ao consumidor que se fica a dever o contacto telefónico.
Com distintas soluções, segundo a Lei dos Contratos à Distância de 14 de Fevereiro de 2014.
2. Se a iniciativa competir à empresa, diz a lei que “quando o contrato for celebrado por telefone, o consumidor só fica vinculado depois de assinar a oferta ou enviar o seu consentimento escrito ao fornecedor…”.
3. Ainda que o telefonema seja da iniciativa do consumidor, o seu aproveitamento pela empresa tem de ser tido como se o contacto dela houvesse partido, sujeito, por conseguinte, a uma tal regra.
4. Donde, o contrato só se considerar celebrado, nestes casos, se o consumidor der o seu consentimento expresso, por escrito, ou assinar a correspondente oferta.
5. Por conseguinte, o simples telefonema, ainda que dele haja um qualquer registo, um traço, não vincula, não obriga. É que nem sequer se chega a formar o contrato. Nessas circunstâncias, o que há é um “NADA JURÍDICO”. Ou seja, para o direito… “não há NADA”!
6. Mas mesmo após o consentimento expresso do consumidor, em que já há contrato válido, o negócio jurídico não será eficaz enquanto não decorrerem 14 dias consecutivos sem que o consumidor use do seu direito de ponderação ou reflexão para dar o dito por não dito, para exercer o direito de retractação.
7. E se do clausulado do contrato não constar, com efeito, o direito de retractação, e não for acompanhado do respectivo formulário, o consumidor disporá, não de 14 dias, mas de 12 meses para dar o dito por não dito: 12 meses que acrescem aos 14 dias. Sem quaisquer consequências negativas para si. E como forma de penalizar a empresa por não cumprir os termos da lei.
8. O que se estranha é que – para além da ausência de cortesia, de educação, como no caso, - empresas como a EDP Comercial não formem o seu pessoal, escamoteiem os direitos dos consumidores e atentem clamorosamente contra quem lhes dá o pão.
EM CONCLUSÃO
a. Se alguém se propuser telefonar para um seu fornecedor e a chamada for interceptada para se lhe submeter uma proposta contratual, tal deverá ser considerado como se a iniciativa do telefonema coubesse à empresa.
b. Na hipótese, o consumidor só fica vinculado depois de assinar a oferta ou se der o seu consentimento escrito: o simples telefonema não forma o contrato.
c. E, ainda que assine a oferta ou dê o seu expresso consentimento por escrito, o consumidor dispõe, se tal constar do contrato e se se anexar o formulário de retractação, de 14 dias para dar o dito por não dito: se assim não for, numa hipótese ou na outra, disporá de mais 12 meses para o efeito, tempo que acrescerá aos 14 dias iniciais.
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

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