Ø Inconformado, fundador da Associação Portuguesa de Direito do Consumo (apDC) publicou artigo e oficiou autoridades portuguesas
Ø Desanimado, autor da obra manifestou receio de enviar outros livros para doação às bibliotecas de universidades portuguesas
No dia 9 de setembro passado, o advogado e professor Marcos Dessaune, autor da Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor, despachou para Portugal, simultaneamente, cinco livros da nova edição 2022 da sua obra [1] para presentear cinco dos mais renomados juristas portugueses. Pagou aos Correios brasileiros, somente pela postagem internacional registrada, o total de R$ 503,75.
Cerca de 20 dias depois, no prazo esperado, Dessaune recebeu um e-mail de um dos destinatários, professor catedrático de responsabilidade civil da Universidade de Lisboa, agradecendo-lhe “a amabilíssima oferta do seu livro” e felicitando-o “vivamente pela nova edição da obra, cujo sucesso no Brasil é inegável”. O objeto postal seguiu registrado sob o nº RR010361560BR.
Transcorridos mais alguns dias sem notícias dos demais destinatários, Dessaune rastreou os outros objetos postais nº RR010361542BR, RR010361525BR, RR010361556BR e RR010361511BR no site dos CTT - Correios de Portugal, [2] quando descobriu que os outros quatro livros haviam sido “selecionados para apresentação à alfândega” de Lisboa.
Iniciava-se naquele momento, em Portugal, o desvio produtivo – verdadeira peregrinação com enorme desperdício de tempo – do autor da festejada teoria jurídica brasileira pelos meandros da burocracia lusa, que exigia que os destinatários ou alguém em seu nome “desalfandegassem” os quatro livros retidos.
Como os juristas portugueses receberiam as obras de surpresa como um presente do autor, não fazia sentido deixar para eles a tarefa de liberar os livros na alfândega de Portugal. Dessaune cadastrou-se, então, no site dos CTT e, na qualidade de remetente interessado na entrega dos objetos, entrou em contato com a empresa postal lusa solicitando-lhe orientação e auxílio. Explicou-lhe que se tratava de operações não comerciais de pequeno valor entre particulares, contendo livros de sua autoria com dedicatórias personalizadas, o que poderia ser facilmente verificado pelos CTT e pelas autoridades aduaneiras mediante a conferência dos autógrafos em cada exemplar.
Alguns dias depois do primeiro contato por e-mail, o setor “internacional” dos CTT respondeu facultando a Dessaune realizar o “desalfandegamento on-line” dos objetos, desde que cumpridas as exigências documentais e tributárias que o site lhe apresentasse, bem como que ele soubesse o número do NIF de cada destinatário. Forçado a revelar a surpresa e abordando os quatro destinatários com algum constrangimento para lhes pedir uma informação pessoal (o seu NIF), Dessaune obteve os dados imprescindíveis à operação de modo que o presente não se transformasse num transtorno para os destinatários.
Em sua primeira resposta, contudo, os CTT não informaram que cada operação não comercial entre particulares, de valor inferior a € 45,00 euros, permitia a solicitação de franquia e isenção dos impostos locais com base no artigo 25 do Regulamento (CE) nº 1186/2009 – fato que Dessaune só descobriu bem mais tarde.
Desejando agilizar as liberações alfandegárias, em 22/10 Dessaune pagou todos os encargos aduaneiros e as taxas de serviço dos CTT para liberação de três dos quatro livros restantes, no valor total de € 46,23 euros. Na mesma data Dessaune recebeu comunicação automática dos CTT com a confirmação dos pagamentos e o envio dos comprovantes, adicionalmente à informação de que ele poderia acompanhar seus objetos em processo de desalfandegamento no site dos CTT.
Dessaune imaginou que estivesse tudo resolvido, mas que nada.
Paralelamente, surgiu outro obstáculo: o quinto objeto postal, contendo o livro dirigido a uma conceituada professora da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, havia sido automaticamente associado pelo sistema dos CTT ao e-mail pessoal dela – que já tinha cadastro nos Correios de Portugal –, o que impedia que Dessaune o desalfandegasse em nome próprio mesmo já possuindo o NIF e a permissão da professora.
Era necessário, então, desvincular internamente o e-mail da destinatária de Coimbra do seu objeto postal, diante do que Dessaune enviou nova solicitação ao setor “internacional” dos CTT. Mas a cada resposta os Correios de Portugal pediam uma informação diferente e passavam orientações que não funcionavam, sendo preciso que Dessaune reiterasse seus e-mails mais de 10 vezes. Depois do quarto ou quinto pedido de solução, o setor “internacional” dos CTT simplesmente parou de lhe responder.
Cerca de um mês depois da primeira reclamação não resolvida, Dessaune foi surpreendido com a resposta incoerente porém peremptória do setor “internacional” que avisava que, diante do transcurso do prazo improrrogável concedido sem a conclusão do processo de desalfandegamento, a importação havia sido cancelada e o objeto postal – que permaneceu vinculado ao e-mail pessoal da professora de Coimbra – seria devolvido à sua origem no Brasil e a cara postagem internacional seria naturalmente perdida.
Quanto aos outros três livros cujo desalfandegamento Dessaune conseguira providenciar e quitar, no dia 23/11 os CTT enviaram um e-mail automático informando que “O processo de desalfandegamento do seu envio RR010361525BR [o segundo livro] foi concluído com sucesso, após validação da Autoridade Tributária e Aduaneira”. De acordo com o site dos Correios de Portugal, o objeto foi entregue ao afamado professor de Direito do Consumo da Universidade Nova de Lisboa no dia 25/11.
O terceiro livro, registrado sob o nº RR010361556BR, foi finalmente liberado pela alfândega portuguesa no último dia 30/11 e, segundo o site dos CTT, o objeto foi entregue ao renomado professor de Direito da Universidade clássica de Lisboa no dia 05/12.
Apesar de o quarto livro com registro nº RR010361542BR ter sigo desalfandegado com tributos quitados em 22/10 junto com os demais, passados mais de três meses ele continua retido pela aduana portuguesa com o status “aguardando procedimentos declarativos”. Seu destinatário calhou de ser o famoso professor Mário Frota, que é o fundador e presidente emérito da Associação Portuguesa de Direito do Consumo (apDC).
Inconformado com a situação, o atuante e combativo jurista de Coimbra publicou então um artigo veemente em vários jornais e sites portugueses com o título “Os crimes de lesa-cooperação cultural Brasil/Portugal em nome da Europa” [3] [4] [5]. O professor Frota afirmou nos artigos que “A apDC, perante tão estranho quadro, oficiou à Provedora de Justiça, aos Ministros da Cultura, das Finanças, da Economia (que detém teoricamente a pasta do Consumo), à Autoridade Tributária e Aduaneira e ao Regulador das Comunicações, a ver se se inteiram de procedimentos tais que conduzem decerto à morte da cooperação Brasil /Portugal no intercâmbio de obras, como no caso”.
Nesses mais de três meses de peregrinação administrativa com enorme desperdício de tempo – o que caracteriza o chamado “desvio produtivo do consumidor” –, o advogado e professor Marcos Dessaune precisou formular, perante os CTT, as reclamações nº ROR00000000044626980, ROR00000000044655700, SR0014457434, SR0014972996, SR0014977695, SR0014457437, SR0014470668, SR0014471078, SR0014471117 e SR0014457437.
Para Dessaune, “o lado positivo dessa via crucis administrativa foi constatar na prática, em circunstâncias tão curiosas, que o desvio produtivo do consumidor e do cidadão-usuário de serviços públicos também ocorre em Portugal, onde o fenômeno ainda precisa ser reconhecido juridicamente conforme já ocorre no Brasil. O lado negativo é que fiquei desanimado de enviar outros livros que eu pretendia doar às bibliotecas das faculdades de Direito das principais universidades portuguesas, com receio de que eles recebam o mesmo tratamento dos Correios e da alfândega de Portugal”.
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