terça-feira, 15 de novembro de 2022

Uma cervejeira, parceira do Ministério da Educação, na ‘Educação para a Cidadania’?

(Artigo para os Jornais Regionais; semana de 14 de Novembro de 2022)

 Em seminário promovido recentemente pela Prof.ª Helena Damião, da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação de Coimbra, a propósito da invasão das escolas pelas marcas, para que fôramos convidados, uma das questões suscitadas foi, afinal, o consabido facto de as empresas penetrarem nas escolas pelo recurso à figura da “responsabilidade social”.

E tal vinha a propósito da inserção (da infiltração) de uma marca de cervejas no panorama da “Educação para a Cidadania” com o beneplácito do Ministério da Educação. O que, para muitos, constitui uma verdadeira contradição nos termos. Uma aberração autêntica! E, para as demais marcas no mercado,  expressivo sinal de concorrência desleal se os meios desvirtuantes em uma tal presença se observarem.

A responsabilidade social constitui, de resto, em nossa perspectiva, uma abordagem séria, fundada numa gestão ético-deontológica da sociedade mercantil de que se trata e dos partícipes no processo, de montante a jusante, na cadeia de produção ao consumo.

 No seu ponto de mira, o desenvolvimento sustentável através do planeamento da sua carteira de negócios em  um horizonte multidimensional, que englobe e assegure os direitos civis, políticos, económicos, sociais, culturais e ambientais, em ordem à consecução de uma economia solidária, dizem os mais crentes.

De modo breve: será a adopção de uma filosofia que não assente nem na exploração dos seus fornecedores, esmagando-lhes os preços em benefício próprio, nem da sua massa de servidores, premiados com salários de miséria, nem com artifícios, sugestões e embustes em que se enredem os consumidores, afinal, quem dá dimensão à empresa e lhes garante os proveitos, ou seja, não lhes vendendo “gato por lebre”.

Nos antípodas, a adulteração do conceito, de que se socorrem empresas sem dimensão ética nem cultura que o que visam é usar de estratagemas para enredar os mais, potenciando lucros através de processos ignóbeis tendentes a arregimentar clientelas, apostando 10 na perspectiva fundada de arrecadar 1.000.

É um não dar ponto sem dó.

É fazer com que atrás da máscara da responsabilidade que afivelam se esconda o rosto de quem tudo quer e nada deixa e nada dá…

É o Frei Tomás que diz mas não faz como diz…

É, afinal, o rei dos embustes, que se está ‘marimbando’, passe a expressão, nos objectivos sociais, no bem-estar da comunidade, na economia solidária, no interesse geral, antes em potenciar os benefícios próprios para gratificar a massa de investidores, dos que nela arriscam o seu capital.

E o que se observa – e nem sempre o fenómeno se denuncia porque falece essa dimensão crítica a cada um e a todos, na anestesia social em que nos deixámos enredar – é que elegem esses ignominiosos métodos para se avantajarem em detrimento da massa de consumidores que as abastecem e da comunidade, afinal.

Quando, por exemplo, a Deco-Proteste, Limitada, sociedade comercial [que se faz passar por organização ou associação de consumidores, mas mais não e do que uma antena de uma empresa multinacional belga de testes e publicações sob forma de sociedade anónima – a EUROCONSUMERS, S.A., cujo escopo é obviamente o lucro a qualquer preço], entra também nas escolas com o DECO FORMA, em vista de assegurar o mercado de leitores das revistas que publica – são cinco os títulos que dá à estampa – e dos mais produtos e serviços que comercializa, os objectivos são análogos, a estratégia é a mesma, é “gato escondido com o rabo de fora”…

Não se quer formar, não se quer concorrer para a emancipação dos jovens consumidores, não se quer promover a crítica em meio escolar. O que se quer é fidelizar, é lançar a semente à terra para arregimentar novos públicos, novos aderentes… que lhes assegurem os réditos e garantam um confortável  o futuro na soma de interesses em que se enredam!

E ninguém parece ver isto em meio a este cacimbo, a este nevoeiro que lhes tolda os espíritos e no quadro da anestesia geral que parece prostrar a sociedade portuguesa!

O Ministério da Educação não enxerga para além da soma de interesses que aqui radica? Padece da mesma miopia institucional? Ou colherá benefícios de uma tal estratégia?

Quem se permite, afinal, pôr as coisas no são? Quem se apresta a servir decerto a Cidadania, através de uma Educação asséptica, longe dos promíscuos interesses que campeiam, quais gaviões em busca de presas, invariavelmente presas na sua candura, na sua inocência, na sua vulnerabilidade psicológica?

 

Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

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