“Estivemos recentemente, eu e minha Mulher, num restaurante em Lisboa. Pedimos a ementa do dia com bebidas à parte. Em alternativa, ou uma garrafa ou um copo de vinho. Pedimos um copo de vinho para cada um de nós. Porque a garrafa seria sempre demais.
O que acontece é que durante o tempo do almoço o empregado, sem que de tal nos apercebêssemos, foi enchendo os copos. No fim, apresentou à cobrança e paguei 5 copos, não sabendo eu, já que não fora informado nem da carta constava, que ao empregado cabia encher os copos, mal se fossem esvaziando ao longo da refeição e que os teria de pagar…
Como já ouvir falar da história do “couvert” … , aplica-se neste caso o mesmo preceito?”
Cumpre ponderar os termos da consulta e enquadrar os factos nas normas aplicáveis:
1. Comecemos, em geral, pela Lei-Quadro de Defesa do Consumidor: aí se estabelece de forma singular no n.º 4 do seu artigo 9.º que
“O consumidor não fica obrigado ao pagamento de bens ou serviços que não tenha prévia e expressamente encomendado ou solicitado, ou que não constitua cumprimento de contrato válido, não lhe cabendo, do mesmo modo, o encargo da sua devolução ou compensação, nem a responsabilidade pelo risco de perecimento ou deterioração da coisa.”
2. O Regime Jurídico do Exercício de Actividades de Comércio, Serviços e Restauração [DL 10/2015, de 16 de Janeiro] prescreve no seu artigo 135:
“1 - Nos estabelecimentos de restauração ou de bebidas devem existir listas de preços, junto à entrada do estabelecimento e no seu interior para disponibilização aos clientes, obrigatoriamente redigidas em português, com:
a) A indicação de todos os pratos, produtos alimentares e bebidas que o estabelecimento forneça e respectivos preços, incluindo os do couvert, quando existente;
b) A transcrição do requisito referido no n.º 3.
2 - Para efeitos do disposto no presente artigo, entende-se por couvert o conjunto de alimentos ou aperitivos identificados na lista de produtos como couvert, fornecidos a pedido do cliente, antes do início da refeição.
3 - Nenhum prato, produto alimentar ou bebida, incluindo o couvert, pode ser cobrado se não for solicitado pelo cliente ou por este for inutilizado.”
3. Já o Decreto-Lei n.º 24/2014, no seu artigo 28, sob a epígrafe “fornecimento de bens não solicitados, estabelece de modo consequente que
“1 - É proibida a cobrança de qualquer tipo de pagamento relativo a fornecimento não solicitado de bens ou a prestação de serviços não solicitada pelo consumidor…
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a ausência de resposta do consumidor na sequência do fornecimento ou da prestação não solicitados não vale como consentimento.”
4. Já o Decreto-Lei 57/2008 [Lei das Práticas Comerciais Desleais], na alínea f) do seu artigo 12, define que
“São consideradas agressivas, em qualquer circunstância, as seguintes práticas comerciais:
…
Exigir o pagamento imediato ou diferido de bens e serviços … que o consumidor não tenha solicitado...”
5. Para além do não pagamento de tais bens, que é, aliás, direito irrecusável do consumidor, a cada um dos preceitos enunciados nos n.ºs de 2 a 4 corresponde uma coima e uma sanção acessória, já que se trata de ilícitos de mera ordenação social (contra-ordenações económicas).
6. Consequentemente, ao consumidor, no momento da apresentação da conta, cumpriria declinar o pagamento, exigindo a correcção para os 2 dos 5 copos de vinho cobrados. Se fosse oposta resistência, o recurso ao Livro de Reclamações seria o caminho mais adequado para se lavrar convenientemente a reclamação pela insólita ocorrência.
EM CONCLUSÃO
a. Ao consumidor não pode ser exigido dinheiro por produtos ou serviços que não encomendou ou não constituem o cumprimento de um qualquer contrato validamente celebrado [Lei 24/96: n.º 4 do art.º 9.º; DL 24/2014: art.º 28; DL 57/2008: al. f) do art.º 12]
b. “Nenhuma… bebida, para além da encomendada, pode ser cobrada se não for solicitada pelo cliente” [DL 10/2015: n.º 3 do artigo 135]
c. Se, entretanto, tal acontecer, cumpre ao consumidor recusar-se a pagar, apondo, se tanto for necessário, a sua reclamação no livro respectivo [DL 156/2005: n.º 5 do art.º 2.º]
d. Se resistência houver por parte da gerência do estabelecimento, cumpre solicitar a presença de um agente da autoridade para desbloquear a situação, da reclamação como do mais [DL 156/2005: n.º 4 do art.º 3.º].
Tal e, salvo melhor juízo, a nossa opinião.
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal
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