terça-feira, 16 de agosto de 2022

RÁDIO VALOR OCAL ‘DIRETO AO CONSUMO’ ‘INFORMAR PARA PREVENIR’ ‘PREVENIR PARA NÃO REMEDIAR’


16 de Agosto de 2022

 

SERVIÇOS PÚBLICOS ESSENCIAIS

26 ANOS DEPOIS

AS COMUNICAÇÕES ELECTRÓNICAS

E OS PERSISTENTES ATROPELOS

À CARTA DE DIREITOS DO CONSUMIDOR

Miguel Rodrigues

Ainda do ouvinte Luís Quintas, de Cascais, na sequência do programa anterior, pertinente pergunta:

 

E o  assédio na cobrança de dívidas por parte da INTRUM? Com a insistência e os meios adoptados para o efeito que a todos deixam estupefactos?

 

 

Mário Frota

  Uma conduta como a que o ouvinte descreve mais não é do que uma prática agressiva, prevista, de resto, na Lei das Práticas Comerciais em vigor. E uma situação de patente abuso de direito. O que nem é o caso porque à INTRUM nenhum direito, quanto a nós, lhe assiste. Não se abusa do que se não tem, do que se não usa por não ter…

 

Prática agressiva é a que prejudica ou é susceptível de prejudicar significativamente, devido a assédio, coacção ou influência indevida, o comportamento do consumidor em relação a uma dada situação.

 

Ora, o assédio é “insistência impertinente, perseguição, sugestão ou pretensão constantes em relação a alguém.”

 

E assediar mais não é do que “perseguir com propostas, sugerir com insistência; ser inoportuno ao tentar obter algo; molestar; abordar súbita ou inesperadamente”.

 

O assédio entrou para a galeria do Direito do Consumo com a Directiva das Práticas Comerciais Desleais emanada do Parlamento Europeu em 11 de Maio de 2005 e transposta para o direito pátrio em 26 de Março de 2008.

 

Da Lei das Práticas Comerciais Desleais não consta a definição de assédio.

 

A Lei Contra a Discriminação em Função do Sexo de 12 de Março de 2008 define, porém, assédio como “todas as situações em que ocorra um comportamento indesejado, relacionado com o sexo de uma dada pessoa [ou não], com o objectivo ou o efeito de violar a sua dignidade e de criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou ofensivo.”

 

 A Lei das Práticas Comerciais Desleais considera, no seu artigo 12, como agressivas, entre outras, as condutas seguintes:

 

§  o contactar o consumidor através de visitas ao seu domicílio, ignorando o pedido daquele para que o profissional parta ou não volte, excepto em circunstâncias e na medida em que tal se justifique para o cumprimento de obrigação contratual;

 

§  o fazer solicitações persistentes e não solicitadas, por telefone, telecópia, correio electrónico ou qualquer outro meio de comunicação à distância, …

 

Claro que as excepções, que não colhem no caso, teriam de se enquadrar em condutas assumidas com conta, peso e medida.

 

Outros ordenamentos, como o brasileiro, dispõem de regras especiais no que toca aos actos de cobrança:

 

Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.”

 

E, no caso, vai mais longe, já que comina com pena de três meses a um ano de prisão e multa quem “utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coacção, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas, incorrectas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer.”

 

O que quer significar que não poderá o devedor

 

         ser exposto a ridículo e a um qualquer constrangimento (a saber, quando, p. e., o credor divulgue a divida a outra(s) pessoa(s) além do devedor, como a vizinhos, amigos…);

 

         ser submetido a ameaças;

 

         receber informações falsas; e

 

         haver interferências no trabalho, lazer ou descanso;

 

         ser submetido  a renegociações de dívida de má-fé.

 

 

Eis uma das práticas coercivas hoje mais comuns, em Portugal, como, de resto, a descreve com inteira propriedade o consumidor:

 

         O credor contrata empresa de cobrança que, na tentativa de coagir o devedor a pagar a dívida, liga para a residência, para o telefone móvel, para o trabalho, para os seus familiares…! Ligações feitas de madrugada, aos fins-de-semana, nos dias festivos…

 

Em Portugal, o assédio, por se tratar de ilícito de mera ordenação social, classificado como “grave”, é passível de coima com a seguinte amplitude:

 

Contra-ordenação grave, nos termos do Regulamento Geral das Contra-ordenações económicas, com a seguinte moldura:

 

Tratando-se de

 

§  pessoa singular -                                de     650,00 a 1 500,00 €;

 

§  microempresa [até 10 trabalhadores] - de  1 700,00  a 3 000,00 €;

 

§  pequena empresa [de 10 a 49] -           de  4 000,00 a 8 000,00 €;

 

§  média empresa [de 50 a 249]-              de  8 000,00 a 16 000,00 €;

 

§  grande empresa [de 250 ou mais] -      de 12 000,00 a 24 000,00 €.

 

Para além da responsabilidade, susceptível de ser assacada aos “pretensos credores”, pelos danos morais [não patrimoniais] infligidos na circunstância, nos termos da LDC – Lei de Defesa do Consumidor: artigo 12.

 

Deve, pois, o consumidor lesado accionar a empresa de cobrança, no caso, perante a entidade reguladora, recorrendo, em simultâneo, a um tribunal de conflitos de consumo ou a um julgado de paz, exigindo reparação pelos danos morais causados, o que se tem como elementar em homenagem à dignidade de todos e cada um, já que não podemos ficar expostos aos apetites irrefragáveis de empresas de pacotilha que – sem eira nem beira – surgem no mercado com os métodos mais rocambolescos, sem observância nem de princípios nem de valores nem da legalidade vigente.

 

Mas deve accionar de análogo modo a MEO, exigindo a reparação dos danos reputacionais e outros de que o consumidor seu pai vem padecendo.

 

Miguel Rodrigues

 

Por último, esta pergunta do ouvinte Luís Quintas:

 

 

4.ª Existem violações do RGPD, uma vez que não há reconhecimento da divida  como não tendo sido paga na altura?

  

Mário Frota

 

Como não é lícita, nos termos da alínea l) do artigo 18 da Lei das Condições dos Contratos [DL 446/85, de 25 de Outubro], a transmissão de dívidas tal como a MEO o fez ou faz, com repercussões sobre a condição dos seus consumidores, a transmissão dos dados é consequentemente ilícita, não podendo deles ocupar-se, como é óbvio, a INTRUM.

 

O Regulamento Geral de Protecção de Dados, que é de 27 de Abril de 2016, diz no seu artigo 6.º

 

Licitude do tratamento

 

1.    O tratamento só é lícito se e na medida em que se verifique pelo menos uma das seguintes situações:

 

a) O titular dos dados tiver dado o seu consentimento para o tratamento dos seus dados pessoais para uma ou mais finalidades específicas;

 

b) O tratamento for necessário para a execução de um contrato no qual o titular dos dados é parte, ou para diligências pré-contratuais a pedido do titular dos dados;

 

c) O tratamento for necessário para o cumprimento de uma obrigação jurídica a que o responsável pelo tratamento esteja sujeito;

 

d) O tratamento for necessário para a defesa de interesses vitais do titular dos dados ou de outra pessoa singular;

 

e) O tratamento for necessário ao exercício de funções de interesse público ou ao exercício da autoridade pública de que está investido o responsável pelo tratamento;

 

f) O tratamento for necessário para efeito dos interesses legítimos prosseguidos pelo responsável pelo tratamento ou por terceiros, excepto se prevalecerem os interesses ou direitos e liberdades fundamentais do titular que exijam a proteção dos dados pessoais, em especial se o titular for uma criança.

 

Logo, a transmissão de dados pessoais não é lícita nem é lícito que a INTRUM esteja de posse dos dados do cliente, usando-os a seu bel talante.

 

 Deve o consumidor dar do facto parte à Comissão Nacional de Protecção de Dados, o mais urgentemente possível, para a instauração dos competentes autos cabíveis na circunstância.

 

Miguel Rodrigues

Do ouvinte Júlio Sargento, da Maia, a questão seguinte:

“Em férias estive num restaurante com a família. Na hora de pagar, o homem do restaurante tirou-me o cartão da mão e foi ele a passar no multibanco através de contactless. Quando vi o extracto, foi-me cobrado mais 1 euro por um copo de água. Não acredito que seja legal. Voltei depois e pedi o livro de reclamações. O tipo alegou que só tinha direito ao livro na altura, e eu fui lá dois dias depois. Isto está correcto?”

 

Mário Frota

É lícito, na sequência de relação jurídica cujos efeitos são patentes, exigir a apresentação do LIVRO DE RECLAMAÇÕES para os efeitos devidos, ainda que haja passado um dia, dois ou mais dias.

E a recusa não é lícita.

Pode recorrer às autoridades policiais, em caso de recusa do fornecedor.

De qualquer modo, está em tempo de, com base em prova documental adequada [extracto de factura inicial e factura-recibo ulterior], após a descarga do pagamento por via electrónica, dirigir participação devidamente fundamentada à ASAE em que narre os factos e refira a ulterior conduta do agente económico.

O acto cometido pela proprietário do restaurante, apesar do valor simbólico, não deixa de constituir um crime de especulação, previsto e punido pela Lei Penal do Consumo – DL 28/84, de 20 de Janeiro – que no seu artigo 35 descreve a conduta e estabelece a moldura penal de prisão de seis meses a três anos e pena de multa não inferior a 100 dias, sendo certo que o montante / dia da pena não pode exceder os 500€.

A recusa na apresentação do Livro de Reclamações também representa um ilícito contra-ordenacional – alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do DL 156/2005, de 15 de Setembro.

 Constitui, em tais termos, uma contra-ordenação grave, cuja grelha é a que segue:

Contra-ordenação grave:

i) Tratando-se de pessoa singular, de (euro) 650,00 a (euro) 1 500,00;

ii) Tratando-se de microempresa, de (euro) 1 700,00 a (euro) 3 000,00;

iii) Tratando-se de pequena empresa, de (euro) 4 000,00 a (euro) 8 000,00;

iv) Tratando-se de média empresa, de (euro) 8 000,00 a (euro) 16 000,00;

v) Tratando-se de grande empresa, de (euro) 12 000,00 a (euro) 24 000,00.

Miguel Rodrigues

José Nobre - Alcabideche

Este ouvinte diz que viu nas redes sociais um anúncio da KIA a dar 6 anos de garantia a veículos novos e usados. O que lhe causa alguma estranheza, sobretudo por não haver qualquer destrinça entre novos e usados.

Na publicidade não há quaisquer restrições.

Mas é natural que no contrato ou na garantia comercial passe a haver limitações porque não é de crer que se ofereça assim uma garantia por tanto tempo sem restrições, nomeadamente a automóveis usados, ainda que sob vigilância da marca.

 

  Mário Frota

1.         Na realidade, isso começa a ser cada vez mais usual: publicita-se uma coisa e oferece-se outra e bem diferente.

2.         Embora, tenha havido várias tentativas, na Europa, para permitir que a publicidade pudesse oferecer algo e, depois, na prática o produto não ter as qualidades apresentadas, o certo e que isso não vingou.

3.         Em Portugal, rege a Lei-Quadro de Defesa do Consumidor [LDC], em cujo n.º 5 do artigo 7.º, sob a epígrafe “da informação em geral”, se estabelece inequivocamente o que segue:

As informações concretas e objectivas contidas nas mensagens publicitárias de determinado bem, serviço ou direito consideram-se integradas no conteúdo dos contratos que se venham a celebrar após a sua emissão, tendo-se por não escritas as cláusulas contratuais em contrário.”

4.         A Lei das Garantias dos Bens de Consumo [DL 84/2021, de 18 de Outubro] reforça, nos n.ºs 1, 2 e 3 do seu artigo 43, uma tal perspectiva, a saber:

1 — A garantia comercial vincula o garante nos termos das condições previstas na declaração de garantia comercial e da publicidade disponibilizada antes ou no momento da celebração do contrato.

2 — São ainda vinculativas para o garante as condições anunciadas em publicidade anterior ou concomitante ao momento da celebração do contrato.

3 — Sempre que os termos e condições da declaração de garantia e da publicidade promovida nos termos dos números anteriores não sejam coincidentes, o consumidor beneficia das condições mais favoráveis, excepto nos casos em que antes da celebração do contrato a publicidade tenha sido corrigida de uma forma idêntica ou comparável àquela pela qual foi anteriormente efectuada.”

5.         Por conseguinte, o que vale é o que consta da publicidade. Que não o que, depois, aparece no contrato ou em qualquer acessório como no cupão da garantia com cortes de toda a ordem.

6.         “Garantia é a garantia toda… de toda a coisa!”

7.         Donde, as restrições e exclusões, a existirem, violarem flagrante, patentemente a lei.

 

 

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