Relator: Cons.º Silva Salazar
Acórdão de 27 de Janeiro de 2010
Vícios aparentes / vícios ocultos
A teoria dos “vícios ocultos” está presente no direito português?
I - Os vícios aparentes são os que se revelam por sinais visíveis, a ponto de ter de se entender que o dono da obra deles se deveria ter apercebido se tivesse usado diligência normal. Inversamente, têm de ser considerados ocultos os defeitos não detectáveis por qualquer pessoa normal, não especializada na área, mesmo usando de normal diligência.
II - A importância da distinção resulta do disposto no art. 1219.º, n.º 2, do CC, que estabelece a presunção de os defeitos aparentes serem conhecidos pelo dono da obra, tenha havido ou não verificação desta. Tal presunção conduz a que, se o dono da obra não provar que justificadamente desconhecia tais defeitos (art. 350.º do CC), o empreiteiro não responde por eles se o dono a aceitou sem reserva, por força do disposto no n.º 1 do mesmo preceito.
III - O mau funcionamento da sanita e os maus cheiros não são, só por si, defeitos, mas consequência de defeitos, havendo que determinar quais. Não se pode exigir que a autora, pessoa que não se mostra dispor de conhecimentos especializados na área da construção civil, tivesse possibilidade de, mesmo utilizando toda a diligência normalmente utilizada por qualquer pessoa medianamente cuidadosa, conseguir determinar, logo aquando da entrega da obra e respectiva aceitação, que a origem do mau funcionamento da sanita e dos maus cheiros, que nem se mostra que já então fossem notoriamente persistentes e intensos, residisse em deficiências das canalizações, ou na falta da caixa de pavimento para a reunião de esgotos, que o normal das pessoas nem tem conhecimento de que seja necessária, as quais são dificilmente cognoscíveis por não se encontrarem à vista, não sendo exigível à autora que destrua o pavimento a fim de apurar a causa concreta daquelas manifestações de imperfeição.
IV - Tratando-se de defeitos ocultos, não se pode presumir o conhecimento deles pela autora aquando da aceitação da obra, tendo em consequência esse conhecimento de ser provado pelos réus por integrar matéria de excepção peremptória (art. 342.º, n.º 2, do CC).
V - Não tendo os réus demonstrado que o conhecimento da autora foi obtido na data da aceitação da obra, ou noutra data concreta também, anterior à da notificação judicial avulsa efectuada, têm de ver a dúvida daí resultante ser decidida contra eles (art. 516.º do CPC), ou seja, no sentido da inexistência de conhecimento anterior da autora, pelo que do disposto no art. 1219.º, n.º 1, do CC, não deriva a desresponsabilização do réu empreiteiro.
VI - Não demonstrada pelos réus a data do respectivo conhecimento pela autora, não lhes pode ser reconhecida razão também no respeitante à caducidade, por um lado, por não terem demonstrado o decurso de prazo superior a um ano desde a desconhecida data do conhecimento até à da denúncia e, por outro lado, por ter decorrido menos de um ano desde aquela notificação até à propositura da presente acção (art. 1225.º, n.º 2, do CC).”
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