quinta-feira, 21 de julho de 2022

TEXTOS QUE FIZERAM HISTÓRIA…


LÁ COMO CÁ… O MESMO EXPEDIENTE “DENEGATÓRIO”

 

 De uma portuguesa emigrada na Bélgica:

“Comprei numa casa afamada – a Villeroy & Boch –, em Bruxelas, um trem de cozinha com as tampas transparentes. Só que as tampas começaram a aparecer baças porque a humidade penetrou na superfície entre placas e destruiu o efeito que era o de ver o grau de cozedura dos alimentos. Levei as panelas ao estabelecimento, recusaram-se a recebê-las e mandaram que procurasse a fábrica. Porque só eles podem resolver a questão. Mas será assim? É isso que dizem as leis europeias?”

Com efeito, foi uma Directiva do Parlamento Europeu de 1999 (já lá vão quase 20 anos) que disciplinou essa matéria na, ao tempo, Comunidade Europeia.

Que diz, no artigo 3.º,

“1. O vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue.

2. Em caso de falta de conformidade, o consumidor tem direito a que a conformidade do bem seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, nos termos do n.º 3, a uma redução adequada do preço, ou à [extinção] do contrato no que respeita a esse bem, nos termos dos n.ºs 5 e 6.

…”

Na Bélgica, a Directiva foi transposta pela Lei de 1 de Setembro de 2004 que integrou a matéria no Código Civil:

O artigo 1649 quater. § 1er.do Código Civil belga preceitua:

“Le vendeur répond vis-à-vis du consommateur de tout défaut de conformité qui existe lors de la délivrance du bien et qui apparaît dans un délai de deux ans à compter de celle-ci.”

É o vendedor que responde, em primeira linha, pela conformidade do bem.

A lei portuguesa que transpôs a Directiva é de 8 de Abril de 2003.

O que diz o seu artigo 3.º?


 

“1 - O vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue.
2 - As faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois anos… contar da data de entrega de coisa móvel corpórea… presumem-se existentes já nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade.”

 A solução, que resulta, pois, da Directiva, como das leis belga e portuguesa, é essa:

 

é o vendedor que reponde em primeira linha pela conformidade da coisa com o contrato.

 Não é o fabricante, o produtor.

 Razão por que tem de tornar ao vendedor e exigir-lhe que satisfaça o seu direito.

 É certo que o consumidor tem, em Portugal, a faculdade de se voltar contra o produtor (n.º 1 do artigo 6.º da lei) só quanto à reparação e à substituição, que não em relação à redução adequada do preço e à extinção do contrato (com a devolução da coisa e a restituição do preço):

 “Sem prejuízo dos direitos que lhe assistem perante o vendedor, o consumidor que tenha adquirido coisa defeituosa pode optar por exigir do produtor a sua reparação ou substituição, salvo se tal se manifestar impossível ou desproporcionado tendo em conta o valor que o bem teria se não existisse falta de conformidade, a importância desta e a possibilidade de a solução alternativa ser concretizada sem grave inconveniente para o consumidor.”


  Mas é o vendedor que tem, repete-se, em primeira linha, o dever de solucionar as desconformidades (vícios, defeitos, avarias, …, etc.) reclamadas.

 A opção pelo fabricante, só quanto a estes dois remédios (reparação ou substituição), cabe ao consumidor, que não a qualquer imposição do vendedor.

 Entendamo-nos, pois:

 Tanto na Bélgica como em Portugal, o consumidor não é obrigado a ir ao fabricante em busca de soluções para os males do bem que adquiriu. É o vendedor (o fornecedor) que tem de assumir tais obrigações.

 Lamentável que empresas da estirpe da Villeroy & Boch, como de outras de grande porte, em Portugal, usem destes estratagemas para “fugir com o rabo à seringa”!

 

Mário Frota

 

apDC – DIREITO DO CONSUMO - Coimbra

 

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