“Numa das lojas-âncora de
um Centro Comercial, em Coimbra, uma cliente habitual parte desafortunadamente
uma peça de porcelana exposta numa das vitrinas. Logo ali lhe exigiram que a pagasse.
Inconformada, resolve impugnar a decisão. Remeteram-na para a sede. Da sede
reconduziram-na para a gerente de loja. Indagou-se se não havia seguro para
cobrir eventos de natureza idêntica. Que havia um seguro multirriscos que cobre
tão só o desabamento do tecto ou eventos semelhantes.
Estranhíssima a situação,
para além de outros episódios semi-rocambolescos.
Pergunta-se: cabe aos
consumidores suportar estes riscos?!”
Apreciada a factualidade,
cumpre dizer o que se nos oferece:
1. Regra
geral, danos do estilo, de sua natureza involuntários, estão cobertos ou pelos
encargos gerais das empresas ou por seguros que se repercutem naturalmente nos
preços, no quadro de uma gestão criteriosa que é a que lhes deve presidir, seja
qual for a sua dimensão.
2. Não
se trata obviamente de algo que haja de imputar-se aos clientes “causadores” de
tais “estragos”.
3. A
menos que se trate de algo deliberado em que, para além do crime de dano, há
necessariamente responsabilidade patrimonial que o causante assumirá
indubitavelmente.
4. Com
efeito, a tutela da propriedade privada, consignada no artigo 62 da
Constituição da República, importa que o dano se enquadre na moldura do artigo
212 do Código Penal.
5. Um
tipo criminal do jaez deste envolve as condutas de destruir, no todo ou em
parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa ou animal alheio:
cominado com pena de prisão até 3 anos ou multa.
6. Não
se entende que no quadro de uma política comercial adequada se impute ao
cliente a responsabilidade por prejuízos desta natureza e no jogo do “empurra”
se obrigue, afinal, o consumidor a “andar de Herodes para Pilatos” para
resolver o problema da restituição do valor que teve de despender para cobrir o
prejuízo causado.
7. Seja
qual for a configuração do seguro multirriscos, caiba ou não nos riscos
cobertos a perda de peças frágeis expostas nos estabelecimentos, não é de se
imputar ao consumidor a responsabilidade pelos danos causados
involuntariamente, muitas vezes até pela forma como os artigos se acham
expostos.
8. Perante
uma tal exigência, para além do recurso ao livro de reclamações, há que suscitar
a questão nos tribunais de consumo (de sua natureza forçados ou necessários sob
impulso dos consumidores), a fim de a cliente ser ressarcida dos montantes de
que se acha subtraída por haver assumido responsabilidades que de todo lhe não
cabem.
9. Para
além do mais, escasseia, entre nós, uma cultura empresarial que preserve os
consumidores de situações constrangentes como aquela por que passou a
consumidora conimbricense: e é esse fundamentalmente o ponto, a saber, a de uma
ausência manifesta de cultura empresarial que, a haver, pouparia os
consumidores a uma tal exposição com o gravame daí resultante.
EM
CONCLUSÃO
a. Se
se partir acidentalmente uma peça de porcelana num estabelecimento comercial, a
responsabilidade pelos prejuízos causados não pode ser assacada ao consumidor.
b. É
a empresa que tem de assumir pelas próprias forças (nos encargos gerais ou
mediante seguro apropriado) os prejuízos resultantes de actos do jaez destes.
c. Diferente
seria a situação se houvesse de banda do consumidor o propósito deliberado de
causar dano ao estabelecimento.
d. Neste
caso, de um crime se trataria com uma moldura penal até 3 anos ou com pena de
multa (Código Penal: art.º 212).
e. A
que acresceria a inerente responsabilidade patrimonial tendente a ressarcir o
lesado dos prejuízos sofridos (Código Civil: art.º 483 ss).
f. Se
a tiverem obrigado a ressarcir os danos causados, exare a sua reclamação no
Livro respectivo e recorra ao Tribunal de Consumo competente.
Tal é, salvo melhor
juízo, o nosso parecer.
Mário Frota
presidente
emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO
- Portugal