(que deveria ter sido
publicado a 13 de Setembro de 2024, mas que foi substituído por um anódino
consultório jurídico sobre teletrabalho que deixa os habituais leitores à
míngua do texto que se publica com regularidade às sextas e que se questionarão naturalmente sobre se a
falha não é do autor…)
Com
leitura ou sem leitura, um sim pelo
telefone, não
constitui uma jura nem nada que a condicione…
De um consulente da Maia:
“Uma empresa de electricidade
telefonou-me (de um ‘call center’) e eu mostrei-me interessado em mudar de
distribuidor porque pouparia € 30,00 / mês.
Disse-me que ia gravar a
conversa e me ia ler o contrato e, no final, apenas tinha que dizer sim.
Que me mandasse o
contrato via mail e que, depois de o ler, o assinaria e o devolveria.
Também lhe disse que não
sabia se ela o leria, pelo telefone, na totalidade, pois se o fizesse levaria
decerto muito tempo e não estava para isso.
Ripostou que ou fazia
como ela havia dito ou não fazia contrato nenhum, pois essa era a regra da
empresa.
É legal exigirem-me que ‘subscreva’
o contrato telefonicamente com leitura parcial ou total do seu articulado no
fim da qual terei de dizer "SIM" e só depois é que mo mandam via mail
(mas para todos os efeitos o contrato já se encontra ‘subscrito’?)?
Apreciada a factualidade,
cumpre emitir opinião:
1. Duas hipóteses se
perfilam:
1.ª Se a iniciativa for
da empresa, o consumidor só fica, em princípio, obrigado depois de assinar a
oferta ou remeter o seu consentimento por escrito [DL 24/2014: n.º 8 do art.º 5.º].
1.1. “Em princípio”: após
a celebração por telefone, sendo válido o contrato, o consumidor dispõe de 14 dias
consecutivos para se retractar, ou seja, para dar o dito por não dito (direito
de desistência ou retractação) que a lei
lhe concede para ponderar, para reflectir, para saber se o contrato lhe convém
ou não.
1.2. Mas para tanto é
necessário que do clausulado do contrato (presente ao consumidor em qualquer
suporte duradouro*) conste o tal direito de desistência ou retractação.
(*Suporte
duradouro: “qualquer instrumento, designadamente o papel, a chave Universal
Serial Bus (USB), o Compact Disc Read-Only Memory (CD-ROM), o Digital Versatile
Disc (DVD), os cartões de memória ou o disco rígido do computador, que permita ao
consumidor ou ao fornecedor de bens… armazenar informações que lhe sejam
pessoalmente dirigidas, e, mais tarde, aceder-lhes pelo tempo adequado à
finalidade das informações, e que possibilite a respectiva reprodução
inalterada.”)
1.3. Se, porém, do
clausulado não constar tal direito, o consumidor dispõe, não de 14 dias, mas de
mais 12 meses para o efeito. Sem quaisquer consequências para si. E como forma
de penalizar o co-contratante por não haver observado a lei.
2. 2.ª Se a iniciativa do
telefonema for, no entanto, do consumidor, o contrato considera-se, em
princípio, celebrado. Mas o fornecedor tem de o confirmar em 5 (cinco) dias
mediante a remessa do clausulado de onde constará o período de reflexão ou de
ponderação de 14 dias dentro do qual a desistência ocorrerá, se for o caso. Se
não constar, observar-se-á o mesmo que na hipótese anterior: o período para o
exercício do direito de desistência ou retractação será então de 12 meses
contados dos 14 dias iniciais.
3. Reconduz-se, no entanto,
à hipótese primeira (telefonema por iniciativa do fornecedor) se, no decurso de
contacto estabelecido pelo consumidor com qualquer outro propósito, vier a ser abordado
para a celebração de um contrato, qualquer que seja: o contrato só se considera
celebrado, nesta circunstância, se acaso o consumidor der o seu consentimento
por escrito ou assinar a oferta.
4. Comete ilícito de mera
ordenação social grave passível de coima quem não facultar ao consumidor as
informações pré-contratuais constantes da Lei dos Contratos à Distância [DL
24/2014: n.º 1 do art.º 4.º; n.º 2 do
art.º 31; DL 9/2021: art.º 134; sub. V, al. b) do art.º 18].
5. A grelha das sanções
das contra-ordenações económicas graves varia segundo o talhe das empresas: as
grandes empresas (250 ou mais trabalhadores) sujeitam-se a coimas de
12 000 a 24 000 € [DL 9/2021: art.º 134; sub. V, al. b) do art.º 18].
CONCLUSÃO:
a. Contrato
celebrado por telefone, por iniciativa da empresa, sem oferta assinada nem
consentimento escrito do consumidor é nulo e de nenhum efeito [Código Civil:
art.º 294]
b. A
não remessa das informações pré-contratuais ao consumidor constitui
contra-ordenação económica grave [DL 24/2014: n.º 1 do art.º 4.º; n.º 2 do
art.º 31]
c. Tratando-se
de grande empresa (250 ou mais trabalhadores) o valor da coima oscilará entre
os 12 000 e os 24 000 € [DL 24/2014: n.º 2 do artigo 31; DL 9/2021: art.º
134, sub. V, alínea b) do art.º 18].
Este é, salvo melhor
juízo, o nosso parecer.
Mário Frota
Presidente emérito da
apDC – DIREITO DOCONSMUO - Portugal