“Comprei quatro postas de bacalhau pré-congelado num dos supermercados da rede COVIRAN (Portimão).
Habituado a comprar noutras superfícies comerciais a preços mais em conta (2, 3 euros a barriga ou a posta), estranhei que, sem qualquer outra indicação, nem a do peso, me apareçam na factura 23,10 €. Na altura nem me apercebi. Nem verifiquei de imediato porque havia um amontoado de gente na caixa.
Voltei a uma das outras superfícies e pude confirmar: 0,296 kg a 3,84 €, sendo que o quilo é a 12,98 €. E com a devida marcação para que ninguém vá ao engano.
Feitas as contas ao que paguei, o Kg. orça os 17,90 €. O que me parece um exagero. Cerca de 5 € / Kg. a mais, no bacalhau corrente, é pura especulação.
Terei razão?”
MF
1. Os preços são livres, cabendo a cada estabelecimento ou rede de estabelecimentos definir a sua política nesse particular (DL 329-A/74: n.º 7 do art.º 1.º).
2. Os preços dos produtos alimentares e não alimentares têm, porém, de constar de letreiros, rótulos, etiquetas ou listas: exige-se a sua afixação para que se saiba de antemão quanto pagar em razão do princípio da transparência (Lei 24/96: n.º 1 do artigo 8; n.º 1 do art.º 9.º; DL 138/90: n.º 1 do art.º 5.º)
3. Os preços podem divergir, pois, de estabelecimento para estabelecimento, cabendo aos consumidores ou às associações que os representam (ou à Administração, como sucede lá fora) revelar qualitativa ou quantitativamente os preços em termos comparativos para que se saiba a que pontos de venda recorrer de forma mais vantajosa.
4. Eis o que rege a lei quanto à Indicação de preços:
“1 - Todos os bens destinados à venda a retalho devem exibir o respectivo preço de venda ao consumidor.
2 - Os géneros alimentícios e os produtos não alimentares postos à disposição do consumidor devem conter também o preço por unidade de medida.
3 - Nos produtos vendidos a granel apenas deverá ser indicado o preço por unidade de medida.
4 - Sempre que as disposições comunitárias ou nacionais exijam a indicação do peso líquido e do peso líquido escorrido para determinados produtos pré-embalados, será suficiente indicar o preço por unidade de medida do peso líquido escorrido. …”
… (DL 138/90: art.º 1.º)
5. A não marcação dos preços constitui contra-ordenação económica grave passível de coima, consoante o talhe, a dimensão da empresa: se micro, pequena, média ou grande (DL 138/90: al. b) do n.º 1 art.º 11; DL 09/2021: al. u) do n.º 2 do art.º 1.º e art.º 22).
6. Eis a grelha das coimas, consoante o talhe, a dimensão das empresas:
6.1. Microempresa - 1 700 a 3 000 €;
6.2. Pequena empresa - 4 000 a 8 000 €;
6.3. Média empresa - 8 000 a 16 000 €;
6.4. Grande empresa - 12 000 a 24 000 €.
7. De assinalar que quer as bases de dados da PGR de Lisboa do Ministério Público quer as da ASAE não estão, no que toca aos montantes das coimas, actualizadas; ainda trazem os valores em escudos e nem sequer repararam ainda que o assinalado artigo [o 11] foi alterado pelo DL 9/2021, de 29 de Janeiro, que entrou em vigor em 28 de Julho seguinte.
8. Não há, na circunstância, qualquer crime de especulação, de harmonia com a tipologia da Lei dos Crimes contra a Economia Nacional de 20 de Janeiro de 1984 (DL 28/84: art.º 35).
EM CONCLUSÃO
a. O regime em vigor é, em princípio, de preços livres, resultante da regra de ouro do mercado: o do livre jogo da oferta e da procura (DL 329-A/74: al. f) do n.º 1 e do n.º 7 do art.º 1.º),
b. Todos os bens destinados à venda a retalho devem exibir o respectivo preço de venda ao consumidor através de letreiros, etiquetas ou listas (DL 138/90: n.º 1 do art.º 1.º e n.º 1 do art.º 5.º).
c. A não exibição dos preços dos bens destinados à venda a retalho constitui um ilícito de mera ordenação social (DL 138/90, republicado pelo DL 162/99, modificado pelo DL 9/2021: n.º 1 do art.º 11 )
d. De evitar a consulta às bases de dados da PGR Lisboa / MP e ASAE porque de todo desactualizadas (cfr. DL 9/2021: al. u) do n.º 2 do art.º 1.º e art.º 22).
e. O facto de haver uma significativa diferença de preços entre concorrentes não configura por si só um qualquer crime de especulação, dado que o regime vigente é o dos preços livres (DL 329-A/74: al. f) do n.º 1 do art.º 1.º; DL 28/84: art.º 35).
Tal é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal