REDUFLAÇÃO: é só um mero “palavrão” ou
algo que fede a fraude, a ‘especulação’?
“O Nestum da Nestlé
apresentava-se em embalagem de 900 gr. (quiçá, de um 1 Kg. anteriormente): manteve a embalagem e reduziu
a quantidade para 600 gr. O preço manteve-se. A Nestlé diz aos sete ventos que nada há de ilegal no facto. Que
cumpre todas as regras da legislação em vigor. Na base da embalagem,
na parte não visível, escondida, o peso
actual.
O facto em si configura ou não um ilícito? Cumprirá a Nestlé a legislação vigente? Estará
a coberto de qualquer acção, como o repetiu incessantemente Bernardo Ferrão, no
“Polígrafo” da SIC, que passou segunda-feira?”
Cumpre apreciar:
1.
Se não houver inteira conformidade
entre o produto e a rotulagem ou entre o produto e a embalagem, a moldura
típica em que se enquadra a factualidade subjacente é a da “fraude sobre mercadorias” que o n.º 1
do artigo 23 da Lei Penal do Consumo de 20 de Janeiro de 1984 prevê e pune:
“Quem,
com intenção de enganar outrem nas
relações negociais, fabricar,
transformar, introduzir em livre prática, importar, exportar, reexportar,
colocar sob um regime suspensivo, tiver em depósito ou em exposição para venda,
vender ou puser em circulação por
qualquer outro modo mercadorias:
…
b)
De natureza diferente ou de qualidade e quantidade
inferiores às que afirmar possuírem ou aparentarem,
será
punido com prisão até 1 ano e multa até
100 dias, salvo se o facto estiver previsto em tipo legal de crime que
comine pena mais grave.”
2.
Ainda que haja, pois, conformidade
entre a quantidade declarada e a
da embalagem, após a redução do peso ou do volume do produto, o preceito
aplicar-se-á de análogo modo porque, sem alteração da embalagem e dos mais
elementos, a aparência é a do produto
original, com 900 gr., que não adequada aos 600 gr. em que se
converteu.
3.
Se a factualidade, porém, não assentar no quadro do crime
de fraude sobre mercadorias (e assenta de todo, salvo melhor juízo) há
que excogitar se não cabe no enquadramento dos ilícitos de mera ordenação social (nas contra-ordenações económicas), tal como
o configura a Lei das Práticas
Comerciais Desleais de 26 de Março de 2008, no seu artigo 7.º, sob a
epígrafe “acções enganosas”:
“é
enganosa [uma qualquer] prática comercial que contenha informações falsas ou
que, mesmo
sendo factualmente correctas, por qualquer razão, nomeadamente a sua apresentação
geral, induza ou seja susceptível de induzir em erro o consumidor em
relação a um ou mais dos elementos… e que, em ambos os casos, conduz ou é
susceptível de conduzir o consumidor a tomar uma decisão de transacção que de
outro modo não tomaria:
§ As
características principais do bem ou serviço, tais como a sua disponibilidade,
as suas vantagens, os riscos que apresenta, a sua execução, a sua
composição…”
4.
A apresentação das embalagens [da imagem física da embalagem] ilude os
consumidores porque é em tudo igual à anterior: há que precaver os
consumidores contra eventuais “ilusões
de óptica”, independentemente da conformidade do produto [composição,
qualidade e quantidade…] com a rotulagem.
4.1.A aparência é
também elemento decisivo na modelação da fraude… e na decisão negocial que o
consumidor vier a tomar.
4.2.A
transparência é, por tal modo, preterida, afastada, comprometida…
4.3.Para além do
desperdício, numa partida de centenas de milhares de embalagens, poupar-se-ia
um montante nada desprezível de dinheiro; ademais, o excesso de embalagem
também se repercute no preço e é naturalmente o consumidor a suportá-lo.
5.
Países outros, como o Brasil, a
França, …, já legislaram em reforço, nestes casos, da transparência: em
Portugal, ‘no passa nada’!
EM
CONCLUSÃO
a.
A reduflação [o ‘emagrecimento’ do produto e a manutenção ou a subida
do preço] é susceptível de configurar um crime
contra a economia se as características da embalagem, por exemplo, forem
iguais às da precedentemente usada e a que o consumidor se habituara, e é passível
de prisão e multa. [DL 28/84: alínea i) do
n.º 1 do artigo 23]
b.
Ou é susceptível de configurar, no
limite, prática enganosa passível de
coima e sanção acessória.[DL 57/2008: alínea b) do n.º 1 do art.º 7.º ].
Tal é, salvo melhor juízo, a nossa opinião.
Mário Frota
Presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal