Pedro Gouveia
Alves, Economista
“Mais do que a um país
Que a uma família ou geração
Mais do que a um passado
Que a uma história ou tradição
Tu pertences a ti
Não és de ninguém…”
Começo com a
letra de uma conhecida música dos Resistência, porque há organizações que ainda
não perceberam que os consumidores não são desprovidos de inteligência, e que
possuem a liberdade para escolher conferida na Constituição. Imagine-se que
agora surgia uma organização que se propunha comparar partidos políticos. Fazia
uma análise técnica dos conteúdos programáticos, e chegava à “escolha
acertada”. Ou imagine-se, por absurdo, que era fundada a associação de defesa
dos direitos dos crentes, que se propunha fazer uma análise técnica dos
conteúdos teológicos e espirituais, selecionando a “escolha acertada”. Ou a
associação de defesa dos direitos dos adeptos de futebol que se propunha
escolher o clube de futebol que melhor se adequa ao cidadão.
Absurdo, certo?
Também concordo.
Nascida em
1974, a associação de defesa do consumidor (DECO), lançou-se com a missão de “defender
os direitos e legítimos interesses dos consumidores, contribuindo para resolver
os seus problemas e ajudá-los a exercer os seus direitos fundamentais: acesso à
informação para uma melhor escolha, à qualidade dos bens, à educação e à
justiça, direito à saúde, à segurança. Contribui para consumidores mais
informados, mais esclarecidos, mais conscientes, mais confiantes e empoderados,
capazes de ser um motor de uma economia inovadora e competitiva”. Mas, que
papel pode desempenhar hoje uma organização desta natureza, na sociedade da
informação e da livre escolha?
Mais de
quarenta anos depois, a DECO já não é apenas uma associação. É um grupo de
empresas. Mais. É uma complexa organização comercial. Em conjunto com a empresa
multinacional Euroconsumers, S.A., detém a empresa DECO Proteste, Lda., uma
sociedade por quotas, que pertence em 25% à DECO e em 75% à Euroconsumers,
S.A.. No ano de 2015, a DECO Proteste, Lda. Fechou o exercício com 47 milhões
de euros de volume de vendas, segundo relatórios publicados. Sim, 47 milhões!
Portanto, uma sociedade comercial por quotas que é uma grande empresa.
Mas não ficamos
por aqui. Porque razão a DECO Proteste, Lda. detém a 100% uma mediadora de
seguros, a Proteste Seguros – Mediação de Seguros Sociedade Unipessoal, Lda., e
detém a 100% a Proteste Investe – Consultoria para Investimento, Lda.?
Então, afinal
as escolhas acertadas da DECO não são as mais certas para mim, enquanto
consumidor? Para mim, não. Porque enquanto consumidor, o que me dá mais gozo é
a minha liberdade de escolher. A liberdade de navegar na net e comparar por
mim. A liberdade de falar com os meus amigos e pedir a sua opinião. De confiar nas
marcas, em quem as representa, nos gestores e nas pessoas. E, livrem-se estes
de me enganarem. Troco de marca, de fornecedor, de prestador de serviços. E, se
quiser reclamar, escrevo no livro de reclamações da entidade reguladora
respetiva, seja da ASAE, da ASF nos seguros, do Banco de Portugal nos serviços
financeiros, da ANACOM, nas telecomunicações, etc, etc. E se precisar de apoio
jurídico? Hoje, os organismos públicos de defesa do consumidor estão muito
desenvolvidos, pelo que pode sempre consultar o site do Portal do Consumidor em
www.consumidor.pt, que esclarece sobre os direitos no Centro Nacional de Informação e
Arbitragem de Conflitos de Consumo (CNIACC). Mas, por certo, falarei com os
meus amigos, seja em presença, seja nas redes sociais da minha má experiência.
E isso, é do que as marcas mais temem…
Tropecei aqui
há tempos numa notícia publicada pelo jornal Público que dava conta do famoso
leilão de tarifas de electricidade promovido pela DECO no ano de 2013. Não se
conhecendo os contornos das consultas que foram feitas por aquela organização
ao mercado, nem as negociações inerentes, foi a ENDESA que acabou por ganhar o
concurso. As marcas nacionais como a EDP ou a GALP, escusaram-se a concorrer.
Mas, diz a notícia, que a DECO acabara por não resistir a ganhar uma comissão
por contrato angariado nesse concurso, numa lógica puramente mercantil.
DECO, defesa?
Olhe que não. Antes um excelente médio. O “mágico”, esse grande jogador que
desequilibrava a defesa adversária. Um dos maiores maestros de sempre da
seleção nacional.
Pedro Gouveia Alves, Economista