Esta vida de marinheiro
Está a dar cabo de mim,
Subtraem-me o dinheiro,
Fico teso, sem pilim,
Inda que não telefone…
Não é que ‘esta’ tratante
Me vai sempre ao “trombone”?
… Só me resta o Almirante!
Em entrevista concedida à NOVA Consumer Podcast, da Faculdade de Direito da Universidade Nova
de Lisboa, que a lume veio a 31 de Janeiro p.º p.º, o Prof. Jorge Morais
Carvalho, que para o efeito nos convidara, disparou uma questão, de todo
pertinente:
“Afirmou recentemente que “Os
consumidores são vítimas de embustes a toda a hora”. Quais são os embustes que
considera mais frequentes e mais graves? Porque lhe parece que acontecem e
julga que haveria alguma maneira prática e eficaz de esses embustes serem
evitados?”
A resposta, sempre
incompleta, poderia ter sido formulada do modo que segue:
Há exemplos correntes no quotidiano com tradução
nas práticas negociais desleais a que se assiste recorrentemente.
Como os que se insinuam, por exemplo, nas
facturas das comunicações electrónicas:
. contratos inválidos celebrados à distância sem
os necessários requisitos e contra disposições legais de carácter imperativo;
. contratos ligados (não consentidos) celebrados
por vias de comunicação à distância (‘contratos casados’ lhes chamam os
brasileiros…)
. montantes suplementares para a emissão de
facturas em suporte papel (?);
. montantes mensais para a manutenção dos n.ºs de
telefone (?);
. montantes cobrados por chamadas jamais
efectuadas e nem sequer tentadas (a valores da ordem dos 0,34 €, a que acresce
o Iva a 23%, que propicia enriquecimento
ilícito e vantagens inapropriadas para o Estado);
. montantes cobrados por chamadas não efectuadas,
eventualmente fora do pacote (a valores constantes de 19 cêntimos por chamada não efectuada, mas
tentada e sem espera);
. montantes sem discriminação nem justificação
acima do pactuado no pacote constantes das facturas regularmente emitidas;
. montantes significativos e desproporcionados
por eventual mora do co-contraente no cumprimento da sua prestação, ainda que a
mora seja imputável aos serviços postais;
. montantes indevidos por reparações no decurso
do contrato e bem assim pelas
deslocações dos seus técnicos ao domicílio dos assinantes;
. cobrança integral aquando da interrupção e da
contínua quebra de qualidade dos serviços (em termos de velocidade e do mais)
. contratos forçados (no termo das fidelizações)
e cobrança especulativa de valores “contra legem” (contra o que dispõe desde
logo a lei no que tange a contratos forçados, a pretensos contratos de serviços
não solicitados nem encomendados…);
. modificação do preço, sem justificação de base,
no decurso da vida do contrato, para além do pactuado;
. suspensões à revelia do que prescrito se acha
para o efeito (sem observância da antecedência legal e , por conseguinte, como
‘cortes-surpresa’);
. suspensões durante os períodos em que se acham
proibidas, observados determinados requisitos, a saber, situações de
desemprego, quebra de rendimentos pessoais ou do agregado familiar, ao menos em
20%, e afecção pela Sars-Cov2;
. comunicações não solicitadas (spam) para venda
de produtos ou serviços outros não imbricados directamente no objecto negocial
principal e no quadro do contrato de referência celebrado com o consumidor (
uma empresa de comunicações electrónicas a distribuir gás através de uma
qualquer afiliada ou dentro das suas próprias forças);
. Um nunca mais acabar de violações ao
sacrossanto estatuto do consumidor…
. Enfim, um ror de situações em que os consumidores
são esportulados, quantas vezes sem qualquer resistência, por manifesta
ignorância dos seus direitos ou ausência de energia para se digladiarem com os
poderosos oligopólios que dominam o mercado.
Como nos permitimos dizer, sem ofensa, aliás, negócio
mais bem sucedido, mais rendível - e sem os riscos a que os carteiristas do célebre
28, em Lisboa, se expõem - , ante a não reacção tempestiva do consumidor, em
Portugal não há!
Reparem no que ao autor destas linhas sucedeu há
meses: excepcionalmente em repouso, telemóvel distante, ao alcance do braço,
porém; chamada que retine, observação imediata: era da MEO – “a chamada que
efectuou está fora do pacote; será debitado de 0,34€ + IVA”.
E pusémo-nos a fazer contas: se brindarem os seus
assinantes com meros trinta e quatro cêntimos por mês, em
distracções de um tal jaez, no final do
ano contabilizam mada mais, nada menos que… oitenta milhões e quatrocentos mil euros (cerca de 5
euromilhões em singelo). De proveitos ilícitos, de locupletamento*
injusto, indevido. Isto cabe na cabeça de alguém?
Soluções?
Um almirante
(replicado) em cada uma das entidades
reguladoras!
·
locupletamento:
“Aumento do próprio património como consequência directa da acção de
prejudicar outrem; enriquecimento ilícito ou sem justificação legal:
locupletamento indevido.”
Mário Frota
Presidente
emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Coimbra