terça-feira, 17 de agosto de 2021

PORTUGAL CONTEÚDOS E SERVIÇOS DIGITAIS NOVA LEI EM PERSPECTIVA

 


Artigo PROCON RS

 PORTUGAL

CONTEÚDOS E SERVIÇOS  DIGITAIS

NOVA LEI EM PERSPECTIVA

I

GENERALIDADES

O regime do fornecimento de conteúdos e serviços digitais está em vias de ser transposto para o ordenamento jurídico pátrio, de harmonia com o que consta do projecto de Decreto-Lei n.º 1049/XXII/21, do 1.º de Julho transacto.

E corresponde a um normativo emanado do Parlamento Europeu - a Directiva (UE) n.º 2019/770, de 20 de Maio.

Os contratos de fornecimento de conteúdos e serviços digitais passarão, por conseguinte, a estar disciplinados de modo estrito, entre nós, como nos demais Estado-membros da União Europeia. Com o início de vigência protraído para o 1.º de Janeiro de 2022.

O regime jurídico a que a enunciada directiva confere relevância visa oferecer adequada resposta à célere evolução tecnológica observada neste domínio de molde garantir o enquadramento devido às questões suscitadas no desenvolvimento do conceito e suas repercussões no ordenamento.

Ora, por conteúdos e serviços digitais se entende, designadamente, os programas infor­máticos, as aplicações, os ficheiros de vídeo, de áudio e de música, os jogos digitais,  os livros electrónicos e outras publica­ções electrónicas, bem como serviços digitais que permitam a criação, o tratamento ou o armazenamento de dados em formato digital ou o respectivo acesso, nomeadamente o software enquanto serviço, de que são exem­plo a partilha de ficheiros de vídeo e áudio e outro tipo de alojamento de ficheiros, o processamento de texto ou jogos disponibilizados no ambiente de computação em nuvem, bem como as redes sociais.

Como o previne o preâmbulo da Directiva UE 2019/770, de 20 de Maio de 2019, do Parlamento Europeu e do Conselho,  “uma vez que há várias maneiras de fornecer um conteúdo ou serviço digital, como por exemplo através de um suporte material, de descarregamentos feitos pelos consumidores para os seus dispositivos, de difusões em linha, de concessão de acesso a unidades de armazenamento de conteúdos digitais ou de acesso ao uso de redes sociais”, o presente instrumento deverá aplicar-se independentemente do meio utilizado para a sua transmissão ou para permitir o acesso aos conteúdos ou serviços digitais.

Exclui-se, porém, a sua aplicação aos serviços de acesso à Internet.

 “A fim de corres­ponder às expectativas dos consumidores e de proporcionar aos fornecedores de conteúdos digitais um regime jurídico simples e bem definido, a dos Conteúdos e Serviços Digitais deverá ser igualmente aplicada aos conteúdos digitais forneci­dos num suporte material, tais como os DVD, os CD, as chaves USB e os cartões de memória, bem como ao próprio suporte material, desde que… funcione exclusivamente como meio de disponibilização de conteúdos digitais.”

No entanto, em lugar da aplicação das suas disposições à obriga­ção que pende sobre o fornecedor e aos meios de ressarcimento ao consumidor em caso de não fornecimento,  entende-se de aplicar o disposto na Directiva Direitos do Consumidor no que tange às obriga­ções que se prendem com a entrega de bens e os meios de ressarcimento em caso de incumprimento.

Além disso, as disposições da designada directiva acerca, entre outros, do direito de retractação e da natureza do  contrato ao abrigo do qual são fornecidos os bens, deverão igualmente continuar a aplicar-se a tais suportes  materiais e aos conteúdos digitais neles fornecidos.

O projecto, no capítulo de que se trata, desdobra-se em 2 secções, a saber:

§  I - Do fornecimento e da conformidade dos conteúdos e serviços digitais

§  II - Responsabilidade do fornecedor, ónus da prova e direitos do consumidor

A primeira das secções versa sucessivamente sobre:

§  Obrigação de fornecimento de conteúdos e serviços digitais

§  Conformidade dos conteúdos e serviços digitais

§  Requisitos subjectivos de conformidade

§  Requisitos objectivos de conformidade

§  Integração incorrecta dos conteúdos ou serviços digitais

§  Direitos de terceiros restritivos da utilização de conteúdos ou serviços digitais

A segunda secção consagra a disciplina atinente a:

§  Responsabilidade do fornecedor pelo não fornecimento e pela não conformidade

§  Ónus da prova nos conteúdos e serviços digitais

§  Direitos do consumidor em caso de não fornecimento

§  Direitos do consumidor em caso de não conformidade

§  Obrigações do fornecedor em caso de resolução do contrato

§  Obrigações do consumidor em caso de resolução do contrato

§  Prazos e modalidades de reembolso pelo fornecedor

§  Alterações aos conteúdos ou serviços digitais

II

BREVE REFERÊNCIA AOS REQUISITOS DE CONFORMIDADE

Os requisitos de conformidade desdobram-se em subjectivos:

Eis os subjectivos:

São conformes com o contrato, os conteúdos ou serviços digitais que:

§  Correspondam à descrição, à quantidade e à qualidade e detenham a funcionalidade, a compatibilidade, a interoperabilidade e as demais características previstas no contrato;

§  Sejam adequados à  finalidade específica, previamente acordada, a que o consumidor os destine;

§  Sejam fornecidos com todos os acessórios e instruções, inclusivamente de instalação, e suporte ao consumidor, tal como exigidos pelo contrato; e

§  Sejam actualizados, de acordo com o estipulado no contrato.

Os requisitos objectivos perfilam-se como segue:

§  Sejam adequados ao uso a que os bens de análoga natureza se destinam;

§  Correspondam à descrição e possuam as qualidades da amostra ou modelo que o fornecedor haja apresentado em momento prévio ao da celebração do contrato, sempre que aplicável;

§  Sejam entregues com os acessórios, incluindo a embalagem, instruções de instalação ou outras instruções, expectáveis na perspectiva do consumidor. sempre que aplicável, e;

§  Correspondam à quantidade e possuam as qualidades e outras características, inclusive no que tange à durabilidade, funcionalidade, compatibilidade e segurança, habituais e expectáveis nos bens do mesmo tipo. considerando, designadamente, a sua natureza e qualquer declaração pública feita pelo fornecedor, ou em seu nome, ou por outras pessoas em fases anteriores da cadeia negocial, em que se inclui o produtor, nomeadamente na publicidade ou na etiquetagem.

De significar que o fornecedor não fica vinculado às declarações públicas a que se refere o último ponto em realce no passo precedente, se mostrar que:

§  Não tinha, nem deveria razoavelmente ter, conhecimento da declaração pública em causa;

§  No momento da celebração do contrato, a declaração pública em causa tinha sido corrigida de forma igual ou comparável à forma por que tinha sido feita; ou

§  A decisão de contratar não poderia ter sido influenciada por uma tal declaração.

Sempre que o contrato estipule um único ato de fornecimento ou uma série de actos individuais de fornecimento, o fornecedor deve assegurar que as actualizações, incluindo as de segurança, necessárias para manter os conteúdos ou serviços digitais em conformidade, são comunicadas e facultadas ao consumidor, durante o período razoavelmente  expectável, tendo em conta o tipo e finalidade dos conteúdos ou serviços digitais, as circunstâncias e natureza do contrato.

No caso de o contrato prever o fornecimento contínuo de conteúdos ou serviços digitais, o dever de comunicação e de fornecimento das actualizações vigora pelo período durante o qual os conteúdos ou serviços digitais devam ser fornecidos, nos termos do contrato.

Se o consumidor não proceder à instalação, em prazo razoável, das actualizações que lhe forem facultadas, o fornecedor  não responderá pela não conformidade que resulte exclusivamente da omissão de um tal dever, desde que:

§  O fornecedor  comunique ao consumidor a disponibilidade da actualização e as consequências da sua não instalação; e

§  A não instalação ou a instalação incorrecta da actualização pelo consumidor não resulte de deficiências nas instruções de instalação transmitidas pelo fornecedor.

Se o contrato estipular um fornecimento contínuo de conteúdos ou serviços digitais, estes devem ser conformes  durante o período correspondente à duração do contrato.

Não se considera existir, porém, não conformidade quando, no momento da celebração do contrato, o consumidor tiver sido inequivocamente informado de que uma característica particular do bem se desviava dos requisitos enunciados e houver aceite de forma expressa e em documento separado, autónomo, tal desvio.

Salvo acordo em contrário, os conteúdos ou serviços digitais devem ser fornecidos na versão mais recente disponível no momento da celebração do contrato.

III

DIREITOS DO CONSUMIDOR EM CASO DE NÃO FORNECIMENTO

Em caso de não fornecimento dos conteúdos ou serviços digitais, o consumidor deve interpelar o fornecedor  a que proveja ao fornecimento.

Se o fornecedor, interpelado, não fornecer os conteúdos ou serviços digitais sem demora injustificada ou de acordo com um prazo adicional, expressamente acordado, o consumidor tem direito à extinção do contrato através da resolução.

 Tal não obsta à imediata resolução do contrato sempre que:

§  O fornecedor declarar, ou resultar claramente das circunstâncias, que não irá fornecer os conteúdos ou serviços digitais;

§  O consumidor perca o interesse na realização da prestação, considerando a existência de prévio acordo das partes acerca da essencialidade do prazo certo para o seu cumprimento.

O consumidor exerce o direito de resolução do contrato através de uma declaração ao fornecedor em que comunique a sua decisão de pôr termo ao contrato.

Em caso de resolução do contrato, o fornecedor deve reembolsar o consumidor de todos os montantes pagos.

O reembolso dos pagamentos deve ser efectuado sem demora indevida e, em qualquer caso, no prazo de 14 dias a contar da data em que o fornecedor  tiver sido informado da decisão do consumidor de proceder à  resolução do contrato.

O reembolso dos pagamentos deve ser efectuado por meio análogo ao  do adoptado pelo consumidor na transacção inicial, salvo acordo expresso em contrário e desde que o reembolsado não incorra em quaisquer custos como consequência do reembolso.

O fornecedor  não pode impor ao consumidor qualquer encargo referente ao reembolso.

 

IV

DIREITOS DO CONSUMIDOR EM CASO DE NÃO CONFORMIDADE

Em caso de não conformidade dos conteúdos ou serviços digitais, e de acordo com as condições neste passo estabelecidas, o consumidor tem direito à:

§  Reposição da conformidade;

§  Redução proporcional do preço; ou

§  Resolução do contrato.

O consumidor tem direito à reposição da conformidade, salvo se tal for impossível, ou, impuser ao fornecedor custos desproporcionados, tendo em conta as circunstâncias concretas, incluindo:

§  O valor que os conteúdos ou serviços digitais teriam se não se verificasse a não conformidade; e

§  A relevância da não conformidade.

O fornecedor deve repor a conformidade dos conteúdos ou serviços digitais, de harmonia com o que se enunciou, tendo em conta a natureza dos conteúdos ou serviços digitais e a finalidade a que o consumidor os destina e de acordo com os seguintes requisitos:

§  Num prazo razoável, desde o momento em que tiver sido informado da não conformidade pelo consumidor;

§  A título gratuito; e

§  Sem grave inconveniente para o consumidor.

O consumidor tem um direito de escolha entre

·         a redução proporcional do preço

sempre que os conteúdos ou serviços digitais forem fornecidos contra o pagamento de um preço, e

·         a resolução do contrato, em qualquer dos seguintes casos, quando:

 

§  O profissional:

o   Não tiver reposto a conformidade dos conteúdos ou serviços digitais, como se dispôs;

o   Tiver declarado ou resulte evidente das circunstâncias que não irá repor os conteúdos ou serviços digitais em conformidade num prazo razoável ou sem graves inconvenientes para o consumidor.

§  A solução de reposição da conformidade for  impossível ou desproporcionada;

 

§  A não conformidade tiver reaparecido apesar da tentativa de reposição dos conteúdos ou serviços digitais em conformidade;

 

§  Ocorrer uma nova não conformidade;

 

§  A gravidade da não conformidade justificar a imediata redução do preço ou a resolução do contrato.

 

A redução do preço deve ser proporcional à diminuição do valor dos conteúdos ou serviços digitais em comparação com o que teriam se estivessem em conformidade.

Nas situações em que o contrato estipular o fornecimento contínuo ou uma série de actos individuais de fornecimento de conteúdos ou serviços digitais contra o pagamento de um preço, a redução do preço é correspondente ao período durante o qual os conteúdos ou serviços digitais se mantiveram desconformes.

Nos casos em que o fornecimento dos conteúdos ou serviços digitais tiver sido efectuado contra o pagamento de um preço, o consumidor tem direito à resolução do contrato apenas se a falta de conformidade não for menor: há neste passo uma ideia de proporcionalidade ou, noutra formulação, de contenção ao abuso do direito.

Cabe ao fornecedor a prova de que a não conformidade é menor.

O consumidor exerce o direito de resolução do contrato, como noutro passo se evidenciou, através de uma declaração ao fornecedor em que comunique a sua decisão de pôr termo ao contrato.

Tal declaração pode ser efectuada, designadamente, por carta, correio electrónico, ou por outro meio susceptível de prova, nos termos gerais.

O consumidor tem direito de recusar o pagamento de qualquer parte remanescente do preço ou de parte do preço até que o fornecedor cumpra as obrigações até então enunciadas.

Os direitos que se vêm de evidenciar são transmissíveis a terceiro adquirente do conteúdo ou serviço digital, seja a título gratuito, seja oneroso.

*

                                                           *                      *

 

Eis, pois, em breve síntese, o regime a que o diploma em gestação sujeitará o fornecimento dos conteúdos e serviços digitais num avanço significativo, em termos de tutela da posição jurídica do consumido, de obtemperar.

 

Mário Frota

apDC – DIREITO DO CONSUMO – Coimbra (Portugal)

segunda-feira, 16 de agosto de 2021

Seminário que o Programa de Pós-Graduação da Universidade de Marília


A arbitragem institucional como meio adequado à resolução de litígios de consumo

Seminário que o Programa de Pós-Graduação da Universidade de Marília oferece aos seus corpos docente e discente 08 de Setembro de 21

Convidados:

 Mário Frota, CEDC - Centro de Estudos de Direito de Consumo, de Coimbra

 Guillermo Orozco, Facultad de Derecho de la Universidad de Granada

 Coordenação: Prof.ª Mariana Santiago

Diário de 16-8-2021

                   Diário da República n.º 158/2021, Série I de 2021-08-16

Certificado de reconhecimento


 

domingo, 15 de agosto de 2021

Bebidas alcoólicas e comunicação comercial

BEBIDAS alcoólicas & COMUNICAÇÃO comercial

bebidas ALCOÓLICAS & comunicação COMERCIAL

(artigo que escrevíamos em 2004 e mantém plena actualidade...)

Sabia que morrem anualmente, em Portugal, 300 000 jovens entre os 15 e os 29 anos por causas directamente imputáveis a bebidas alcoólicas?

A explosão do álcool no seio das camadas mais jovens parece constituir premente preocupação das autoridades.

A prevenção no país das “sopas de cavalo cansado” representaria significativo passo de molde a subtrair os jovens da atracção que o álcool deveras representa e das suas nefastas consequências.

E, no entanto, os meios de maior impacte e difusão nem sempre cumprem o que naturalmente lhes compete.

Se observarmos o que ocorre sobretudo na pantalha ao longo de programas do mais diverso jaez, exibidos tanto pelas manhãs como durante as tardes, verificaremos que não só se exalta o álcool (apresentadores menos bem preparados fazem-no com um inqualificável desplante… e uma recusável “lascívia”) como se apresenta – de aguardentes aos vinhos de mesa e a bebidas licorosas – de tudo um pouco, e se brinda com inaudita desfaçatez… sabe-se lá em intenção de quem ou de quê! Talvez o seja proverbialmente em honra do deus Baco, seja qual for o significado que a tal se pretenda atribuir.

A ausência de uma criteriosa consciência e da percepção dos efeitos nefastos dos modelos que se apresentam a distintas camadas da população como impressivos – e dignos de ser seguidos – surgem na contra-mão dos esforços que determinadas entidades empreendem para frear os ímpetos dos mais novos que sentem naturalmente uma atracção pelas bebidas alcoólicas como modo de afirmação de uma personalidade, truncada, afinal, pelo que na sua essência o álcool representa e pelos malefícios que irreparavelmente acarreta.

Como se se adoptasse uma “pedagogia” às avessas: não se educa para a abstenção ou para um consumo moderado e enquadrado em uma dieta equilibrada, antes se ensaiam autênticas libações, fortes de conteúdo e de consequências, como se essa fosse a via para a superação das distintas fases da vida…

Para além do que noutros textos se plasma, convém atentar no que prescreve o Código da Publicidade no seu artigo 17, a saber,

“1 – A publicidade a bebidas alcoólicas, independentemente do suporte utilizado para a sua difusão, só é consentida quando:

a) Não se dirija especificamente a menores e, em particular, não os apresente a consumir tais bebidas;

b) Não encoraje consumos excessivos;

c) Não menospreze os não consumidores;

d) Não sugira sucesso, êxito social ou especiais aptidões por efeito do consumo;

e) Não sugira a existência, nas bebidas alcoólicas, de propriedades terapêuticas ou de efeitos estimulantes ou sedativos;

f) Não associe o consumo dessas bebidas ao exercício físico ou à condução de veículos;

g) Não sublinhe o teor de álcool das bebidas como qualidade positiva.

2 – É proibida a publicidade a bebidas alcoólicas, na televisão e na rádio, entre as 7 horas e as 22 horas e 30 minutos.

3 – Para efeitos do disposto no número anterior é considerada a hora oficial do local de origem da emissão.

4 – Sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 7.º, é proibido associar a publicidade de bebidas alcoólicas aos símbolos nacionais, consagrados no artigo 11.º da Constituição da República Portuguesa.

5 – As comunicações comerciais e a publicidade de quaisquer eventos em que participem menores, designadamente actividades desportivas, culturais, recreativas ou outras, não devem exibir ou fazer qualquer menção, implícita ou explícita, a marca ou marcas de bebidas alcoólicas.

6 – Nos locais onde decorram os eventos referidos no número anterior não podem ser exibidas ou de alguma forma publicitadas marcas de bebidas alcoólicas.”

E, no entanto, o que quotidianamente se nos depara situa-se nos antípodas do que imperativamente se restringe num dispositivo do teor do que precede.

O consumo excessivo, pela negativa e por estranho que pareça, é naturalmente encorajado.

O sucesso ou o êxito social que o consumo sugere está indissoluvelmente ligado a determinados estratos e pressupõe um trem de vida naturalmente elevado. O que conduz, aliás, à reprodução de modelos sociais vazados no consumo de determinadas “estirpes”…

As bebidas de distintas naturezas estão intimamente associadas ao desporto, mormente ao futebol, constituem objecto de publicidade directa ou indirecta, tanto faz… Mas, como é o caso da cerveja, indissoluvelmente ligada às festividades escolares, já que patrocinadas pelas grandes marcas, seja no ensino secundário, como no universitário (e as “queimas das fitas” são disso flagrante exemplo…). Como aos festivais de música apresentados com uma estranha regularidade e em que os consumos atingem níveis impressionantes. Não se olvide que o Campeonato do Mundo de Futebol 2014 que em Junho pretérito se desenrolou no Brasil tem duas poderosas marcas de cerveja a patrociná-lo, tendo obrigado o ordenamento jurídico brasileiro a abrir brechas no seu ordenamento a fim de se satisfazerem as sórdidas e promíscuas intenções da Federação Internacional do Futebol “Association”, inclusivamente com a possibilidade do consumo de cervejas in loco, o que constitui a mais abjecta subversão a que uma ordem jurídica se expõe na subordinação a interesses mercantilistas e ao arrepio das suas taxativas regras de conduta…

Para além do mais, as mensagens passam a desoras (por tal se entendendo o período em que se proíbe a emissão de quaisquer veículos de comunicação comercial seja em que suporte for). E não há quem reaja!

As denúncias que a apDC, sociedade científica de intervenção, vem fazendo caem sistematicamente em saco roto.

A ACOP, associação de consumidores sensu proprio, ante a nula resposta das autoridades e com uma cortante ironia, já propôs aos órgãos de poder revogassem formalmente a norma que por não-uso já ninguém respeita…

Uma tal situação deveria merecer a reflexão de uma comunidade alheia a tais valores.

Não se ignore que na mais aviltante situação “em fraude à lei” as marcas “bandarilham” os órgãos de poder, passe o plebeísmo, ao criarem uma sugestiva “cerveja zero”, sem qualquer expressão comercial, que serve exclusivamente para potenciar a saída da cerveja com teor alcoólico elevado e regularmente distribuída…

E nem sequer as iniciativas legislativas assumidas para contrariar o fenómeno foram bem sucedidas.

Quando para tanto bastaria uma interpretação adequada dos preceitos vigentes.

Aliás, já o ICAP – Instituto de Auto-Regulação da Comunicação Comercial – decidiu fundadamente e com o nosso inteiro aplauso, em caso análogo, que:

RESUMO DA DELIBERAÇÃO:

“Defendeu o Júri de Ética na sua deliberação 12/2005:

« (…) é precisamente no domínio das marcas comuns (ou parcialmente comuns), que a encontra um especial campo de actuação para a denominada publicidade indirecta, sendo os objectos com restrições legais à publicidade (v.g. tabaco, medicamentos e bebidas alcoólicas) aqueles que exercem a maior força atractiva neste tipo de publicidade.

Pelo que, a integração a 100% na marca da cerveja sem álcool a lançar da marca da cerveja com álcool comercializada pelo mesmo anunciante, alerta o Júri, precisamente, para a possibilidade de estarmos perante publicidade indirecta.

Para aferir da existência de publicidade indirecta (ou publicidade álibi/pretexto, como alguns mencionarão) deve atender-se à mensagem veiculada, apreciada no seu todo podendo, especialmente, considerar-se outros critérios, como sejam: a eventual existência duma simultaneidade de campanhas publicitárias de dois produtos com relação entre si, sendo um deles objecto de restrições, quando a publicidade a um deles remete e recorda inequivocamente o outro; o nível de presença que, na publicidade, tem o novo produto comparativamente com o produto a que apela ou recorda, e cuja venda indirectamente promove.»

O JE reitera o inalienável direito das empresas a “estenderam” as suas marcas e produzir novos bens e serviços com as marcas que já comercializam – criar marcas “Umbrella” mas, então como agora, a questão essencial permanece, não nesse direito mas, outrossim, nos seus limites.

Os anunciantes ao optarem, legitimamente, por difundir como marcas, também de cerveja, mas não alcoólicas, marcas que integram no nome, e recordam ou fazem associar, nas cores (ainda que por contraste, enquanto imagem de “negativo”) as marcas notoriamente reconhecidas como alcoólicas exercem, é certo, um direito seu que é o de explorar para as novas marcas – cerveja sem álcool – a especial força de vendas da SUPER BOCK mas, tal benefício, pode importar restrições.

A cerveja sem álcool, SUPER BOCK, explora e beneficia da reputação da cerveja com álcool, produto que persiste presente nas mensagens pelo que, entende o Júri, é indirectamente publicitada na divulgação da cerveja sem álcool, a SUPER BOCK, cerveja com álcool.

O JE conhece a realidade das marcas Umbrella, marcas transversais a vários produtos reconhecidas pelos consumidores enquanto tal, autónomas, mas configura difícil que tal situação exista quando a marca apenas integre, como é o caso, um único produto: a cerveja, embora com e sem álcool, com variantes de sub-produtos e sabores.

E nem se diga que os ambientes de base utilizados na publicidade da cerveja com álcool e sem álcool são muito diferentes pois, na realidade, os ambientes de celebração desportiva não são tão distintos dos ambientes festivos como a denunciada pretende fazer parecer.

Entende, assim, o JEP que, embora o objecto directo da mensagem publicitária seja a SUPER BOCK, cerveja sem álcool, considerando a marca escolhida pela denunciante (SUPER BOCK), o conteúdo da mensagem publicitária, existe uma íntima ligação entre aquele objecto directo da mensagem e uma outra marca do anunciante e objecto publicitário que, indirectamente, beneficia da publicidade: a SUPER BOCK, cerveja com álcool.

Como referia esta mesma Secção do JE no Processo 12/2005: «Na verdade, a cerveja SUPER BOCK (…) (sem álcool), sendo embora o objecto directo da mensagem publicitário funciona, por causa da grande identidade das marcas, como um produto pretexto para a promoção indirecta (ou mesmo prioritária dada a diferença de quotas de mercado) da cerveja SUPER BOCK (com álcool).» chegando, no caso "sub judice" à mesmíssima conclusão de que, no seu entendimento, o anunciante, ao usar aquela marca – SUPER BOCK – na cerveja sem álcool, promove indirectamente a cerveja com álcool, que comercializa com a mesma marca (e recentes variantes, também com álcool) e que, aliás, tornou a marca SUPER BOCK conhecida e dominante no mercado nacional.

Refira-se, ainda, que apreciação do Júri em sede de publicidade indirecta supra referida não contende com o registo de marca nacional registada sob o nº 444186 (cf. art. 1º da Contestação), com a designação “SUPER BOCK SEM ALCOOL”, enquanto figura com autonomia própria, que pode ser objecto de publicidade enquanto tal, possuindo a referida marca todos os direitos legais decorrentes do seu registo em sede de propriedade industrial.

O JE rejeita, contudo, que da mera existência desse registo se possa extrair uma conclusão de autonomia para efeitos de apreciação em sede de publicidade e em especial de publicidade indirecta a outro produto que partilhe parcialmente a mesma designação.

Em síntese, o Júri avalia estar perante um caso de publicidade indirecta à cerveja com álcool da mesma marca SUPER BOCK e como tal é plenamente aplicável a proibição constante do nº 2 do art.º 17º do Código da Publicidade sendo, para esse efeito e no contexto da publicidade indirecta, indiferente que o consumidor médio percepcione que o produto directamente anunciado seja o produto sem álcool: sempre associará o produto àquele que é indirectamente anunciado e que tem as restrições horárias já referidas.”

Daí que haja de apostar em uma pugna sem tréguas contra os apresentadores de programas que ingénua ou deliberadamente galguem a onda do estímulo às bebidas alcoólicas, distraídos do papel que também lhes cabe representar, e os meios que, avessos às regras mais elementares, subvertem clamorosamente o ordenamento e concorrem para enfermidades sociais de pendor crónico e quiçá insuperáveis…

De par com os Alcoólicos Anónimos talvez se enseje a criação de uma instituição do estilo dos Publicitários Anónimos que curem a sociedade dos males que provocantemente causam pela forma criminosa como usam os poderosos meios que têm ao seu alcance!

Mário Frota

apDC - DIREITO DO CONSUMO - Coimbra


Engarrafadores vão ter de enviar rótulo ao IVV antes de o vinho chegar ao mercado

Os engarrafadores têm de enviar o rótulo das garrafas ao Instituto da Vinha e do Vinho (IVV) antes de estas chegarem ao mercado, segundo um...