A
DIRECTIVA ANTI-SLAPP
E
SEUS PRESSUPOSTOS
(Directiva
2014/1069/EU, de 11 de Abril de 2014)
CONTINUAÇÃO
PARTE
III
(29) Os pedidos
apresentados no âmbito de processos judiciais abusivos contra a participação
pública podem ser tanto totalmente infundadas como sê-lo apenas parcialmente, o
que significa que uma acção não tem necessariamente de ser totalmente infundada
para que o processo seja considerado abusivo. Por exemplo, a violação, mesmo de
importância menor, de direitos de personalidade que possa dar azo a um pedido
de indemnização por perdas e danos modesto nos termos da legislação aplicável,
pode ainda assim ser abusivo, caso se solicite uma indemnização ou uma medida
correctiva manifestamente excessivas. Por outro lado, se os demandantes em
processos judiciais intentarem acções que sejam fundamentadas, os processos não
deverão ser considerados abusivos para efeitos da presente directiva.
(30) Quando as SLAPP têm
uma dimensão transfronteiriça, a complexidade e os desafios para os demandados
aumenta, uma vez que estes têm de fazer face a processos noutras jurisdições,
por vezes em várias jurisdições ao mesmo tempo. Por sua vez, tal resulta em
custos e encargos adicionais, com consequências ainda mais negativas. Deverá
considerar-se que uma questão tem incidência transfronteiriça a menos que ambas
as partes estejam domiciliadas no mesmo Estado-Membro que o tribunal em que foi
intentada a acção e todos os outros elementos pertinentes para a situação em
causa estejam localizados nesse Estado-Membro. Cabe ao tribunal determinar os
elementos pertinentes para a situação em causa em função das circunstâncias
particulares de cada caso, tendo em conta, por exemplo, se for caso disso, o
ato específico de participação pública ou os elementos específicos que indicam
um possível abuso, em especial quando são instaurados vários processos em mais
do que uma jurisdição. Essa determinação pelo tribunal deverá ser levada a cabo
independentemente dos meios de comunicação utilizados.
(31) Os demandados
deverão poder requerer as seguintes garantias processuais: uma caução para
cobrir as custas do processo, e, se for caso disso, para cobrir eventuais
indemnizações, o indeferimento liminar de pedidos manifestamente infundados, e
medidas correctivas, a saber, a condenação em custas e sanções ou outras
medidas adequadas que se mostrem igualmente eficazes. Tais garantias
processuais deverão ser aplicadas em conformidade com o direito a um recurso efectivo
e a um tribunal imparcial, consagrado no artigo 47.º da Carta, dando-se ao
tribunal discricionariedade, em casos específicos, para analisar devidamente a
questão em apreço, permitindo assim o indeferimento célere de pedidos
manifestamente infundados sem restringir o acesso efectivo à justiça.
(32) Os Estados-Membros
deverão assegurar que todas as garantias processuais previstas na presente directiva
estejam à disposição das pessoas singulares ou colectivas contra as quais
tenham sido intentadas acções judiciais devido ao seu envolvimento na
participação pública e que o exercício dessas garantias não seja indevidamente
onerante. Cabe ao direito nacional estabelecer ou manter as regras específicas
de procedimento, a forma e os métodos como o órgão jurisdicional ao qual foi
submetida a questão deverá tratar os pedidos de garantias processuais. Por
exemplo, os Estados-Membros poderão aplicar as normas processuais civis em
vigor em matéria de tratamento de elementos de prova, a fim de avaliar se estão
reunidas as condições para a aplicação das garantias processuais, ou poderão
estabelecer normas específicas a esse respeito.
(33) A fim de assegurar
que os pedidos de prestação de caução e indeferimento liminar sejam tratados
com celeridade, os Estados-Membros podem fixar prazos para a realização das
audiências ou para que o tribunal tome uma decisão. Podem também adoptar
regimes semelhantes aos procedimentos relativos às medidas cautelares. A fim de
concluir o processo o mais rapidamente possível, os Estados-Membros deverão,
nos termos do seu direito processual nacional, empenhar-se para assegurar que,
caso o demandado tenha pedido medidas correctivas ao abrigo da presente
diretiva, a decisão sobre essa aplicação seja tomada com celeridade,
nomeadamente recorrendo aos procedimentos já existentes ao abrigo do direito
nacional para o tratamento acelerado.
(34) Em alguns processos
judiciais abusivos contra a participação pública, os demandantes retiram ou
alteram deliberadamente acções ou articulados a fim de evitar que a parte
vencedora seja ressarcida das custas. Essa táctica jurídica poderá, em alguns
Estados-Membros, deixar o demandado sem a possibilidade de ser reembolsado das
custas do processo. Por conseguinte, tais retiradas ou alterações, se estiverem
previstas no direito nacional, e sem prejuízo do poder das partes para dispor
sobre o processo, não deverão afectar a possibilidade de o demandado pedir
medidas correctivas contra processos judiciais abusivos contra participação
pública, em conformidade com o direito nacional. Tal não prejudica a
possibilidade de os Estados-Membros preverem que as garantias processuais possam
ser utilizadas oficiosamente.
(35) A fim de
proporcionar um nível de protecção mais eficaz, as associações, as
organizações, os sindicatos e outras entidades que, de acordo com os critérios
estabelecidos no respectivo direito nacional, tenham um interesse legítimo em
salvaguardar ou promover os direitos das pessoas envolvidas na participação
pública, deverão poder apoiar o demandado em processos judiciais intentados
relativamente à participação pública, com a aprovação do demandado. Esse apoio
deverá poder garantir que, nesses processos, se possam fazer valer os
conhecimentos especializados específicos dessas entidades, contribuindo, deste modo,
para que o tribunal possa avaliar se um processo é abusivo ou se um pedido é
manifestamente infundado. Poderá, por exemplo, assumir a forma de prestação de
informações relevantes para o processo, intervenção a favor do demandado no
processo judicial ou qualquer outra forma prevista no direito nacional. As
condições em que as ONG poderão apoiar o demandado e os requisitos processuais
para a prestação de tal apoio, designadamente, quando relevante, os prazos,
deverão ser regidos pelo direito nacional. Tal deverá aplicar-se sem prejuízo
dos direitos de representação e intervenção existentes garantidos por outras
normas da União ou nacionais. Os Estados-Membros que não disponham de critérios
relativamente a interesses legítimos, podem aceitar que as entidades em geral
possam apoiar o demandado em conformidade com a presente directiva.
(36) A fim de
proporcionar ao demandado uma garantia adicional, deverá ser possível exigir
uma caução para cobrir as custas estimadas do processo, que podem incluir as
despesas de representação legal incorridas pelo demandado e, se previsto no
direito nacional, a indemnização estimada. No entanto, é necessário encontrar
um equilíbrio entre essa medida e o direito de acesso à justiça do demandante.
O órgão jurisdicional chamado a pronunciar-se deverá poder considerar adequado
que o demandante preste caução se existirem elementos que indiciem que o
processo é abusivo ou se existir o risco de o demandado não ser reembolsado, ou
considerando a situação económica das partes ou outros critérios deste tipo
estabelecidos no direito nacional. Exigir uma caução não implica uma decisão
judicial quanto ao mérito do caso, mas serve de medida cautelar para garantir
os efeitos de uma decisão final que determine a existência de um abuso processual
e que cubra as custas e, se previsto no direito nacional, os potenciais danos
causados ao demandado, em especial se existir algum risco de danos
irreparáveis. Deverá caber aos Estados-Membros decidir se o tribunal deve
ordenar uma caução por iniciativa própria ou a pedido do demandado. Sempre que
o direito nacional assim o preveja, deverá ser possível exigir que seja
prestada caução em qualquer fase do processo judicial.
(37) A decisão que
concede um indeferimento liminar deverá ser uma decisão quanto ao mérito,
tomada após uma análise adequada. Os Estados-Membros deverão adoptar novas
normas ou aplicar as normas já previstas no direito nacional, de modo a que o
órgão jurisdicional possa decidir indeferir pedidos manifestamente infundados
logo que receba as informações necessárias para fundamentar a decisão. Esse
indeferimento deverá ter lugar na fase mais incipiente possível do processo,
mas pode ocorrer em qualquer fase deste, em função do momento em que o tribunal
tenha recebido as referidas informações, nos termos do direito nacional. A
possibilidade de conceder um indeferimento liminar não obsta à aplicação das
normas nacionais que permitam aos órgãos jurisdicionais nacionais apreciar a
admissibilidade de uma ação mesmo antes do início do processo.
(38) Se o demandado tiver
pedido o indeferimento do pedido por este ser manifestamente infundado, o órgão
jurisdicional deverá tratar o pedido com celeridade, nos termos do direito
nacional, para agilizar a avaliação do carácter manifestamente infundado do
pedido, tendo em conta as circunstâncias específicas do processo.
(39) Em consonância com
os princípios gerais do processo civil, incumbe ao demandante que intenta uma acção
contra uma pessoa singular ou colectiva envolvida na participação pública o
ónus da prova de que o pedido é fundado. Se o demandado tiver pedido um
indeferimento liminar, o demandante, a fim de evitar um indeferimento liminar,
deverá ter de fundamentar o pedido pelo menos de forma a permitir ao tribunal
concluir que este não é manifestamente infundado.
(40) As decisões de
provimento dos pedidos de indeferimento liminar deverão ser passíveis de
recurso. As decisões de não provimento dos pedidos de indeferimento liminar
poderão ser também passíveis de recurso, em conformidade com o direito
nacional.
(41) Caso o tribunal
considere que o processo é abusivo, as custas deverão incluir todos os tipos de
custas do processo relativamente às quais o direito nacional preveja a
possibilidade de condenação, inclusive as despesas totais da representação
legal incorridas pelo demandado a não ser que sejam excessivas. Caso o direito
nacional não preveja a condenação na totalidade das despesas de representação
legal que excedam o que está previsto nas tabelas legais de honorários, os
Estados-Membros deverão assegurar que o demandante suporte integralmente essas
despesas por outros meios previstos no direito nacional. No entanto, as
despesas totais de representação legal não deverão ser atribuídas se forem excessivas,
por exemplo, se tiverem sido acordados honorários desproporcionais. O tribunal
deverá tomar as decisões sobre custas em conformidade com o direito nacional.
(42) O principal objectivo
de dar aos órgãos jurisdicionais a possibilidade de aplicar sanções ou outras
medidas adequadas igualmente eficazes é dissuadir potenciais demandantes de
instaurarem processos judiciais abusivos contra a participação pública. Outras
medidas adequadas, incluindo o pagamento de uma indemnização por danos ou a
publicação da decisão judicial, quando previstas no direito nacional, deverão
ser tão eficazes como sanções. Se o tribunal tiver considerado que o processo é
abusivo, essas sanções ou outras medidas adequadas igualmente eficazes deverão
ser determinadas caso a caso, deverão ser proporcionais à natureza do abuso
identificado e aos elementos que o indicam e deverão ter em conta o potencial
efeito prejudicial ou dissuasor desse processo na participação pública ou na
situação económica do demandante que se aproveitou do desequilíbrio de poder.
Cabe aos Estados-Membros decidir como deverão ser pagos os montantes
monetários.
(continua)