Portugal não
transpôs, até 25 de Dezembro p.º p.º, a directiva que de novo regra a acção
colectiva europeia: as anteriores restringiam-se ao escopo inibitório (pela
acção,
fazer cessar ou proibir
prática lesiva dos direitos do consumidor); a actual estende o seu alcance à
indemnização dos prejuízos de que padece,
por regra, uma mole imensa de consumidores.
A Directiva concedera
um período de ‘digestão’ de 6 meses (da sua publicação ao começo de vigência: 23
de Junho de 23) para assimilação do seu conteúdo.
Portugal, uma vez
mais, borregou: não transpôs a directiva e, não tarda, estamos… em Junho!
As regras nela
plasmadas nem sempre se têm por mais progressivas que as que vigoram internamente.
Mas há aspectos,
como os do financiamento das acções
(o necessário suporte económico para o seu desencadeamento, indispensável,
quantas vezes!) que entre nós jamais se legislaram e parece haver que
considerar ante os denominados “fundos-abutre”, como o denuncia a ProPública – Direito e Cidadania,
fundada por Agostinho Miranda.
Eis o que regista em
comunicado recente:
“A PP manifesta a
sua estranheza e perplexidade perante a
continuação da situação criada por supostas associações de consumidores,
constituídas à pressa com o propósito de intentar acções milionárias, ditas
populares mas financiadas por fundos internacionais vulgarmente conhecidos por
“fundos- abutre”.
A fusão tóxica dos
mecanismos da acção popular com o financiamento por entidades do mundo
financeiro representa a instrumentalização daquela via de defesa dos direitos
colectivos, favorecendo antes interesses privados de natureza especulativa.
…
No entender da
ProPública, estamos a assistir a um abastardamento da acção popular, um
instituto previsto na Constituição da República para a protecção do bem público
e a participação dos cidadãos na realização da justiça.
O funcionamento dos
tribunais, nomeadamente do Tribunal da Concorrência, é suportado pelo dinheiro
dos contribuintes, sendo incompreensível a sua canibalização por parte de
fundos financeiros cujo funcionamento não está sequer regulado na lei
portuguesa. “
Ora, a Directiva de
25 de Novembro de 2020 estabelece como regras a adoptar nesse particular:
“Os Estados
asseguram que, caso uma acção colectiva [reparatória] seja financiada por um
terceiro, na medida em que o direito nacional o permita, se evitem conflitos de
interesses e que o financiamento por terceiros que tenham um interesse
económico na proposição ou no resultado da acção colectiva … não [a] desvie da
protecção dos interesses colectivos dos consumidores.
Os Estados
asseguram, em particular, que:
§ As
decisões tomadas pelas entidades [dotadas de legitimidade] no contexto de uma acção
colectiva, incluindo decisões relativas a acordos de indemnização, não sejam
indevidamente influenciadas por um terceiro, de uma forma que prejudique os
interesses colectivos dos consumidores…;
§ A
acção colectiva não seja intentada contra um demandado que seja concorrente do
financiador ou contra um demandado do qual o financiador dependa.
Os Estados asseguram
que os tribunais … tenham, no âmbito de uma acção colectiva [reparatória],
poderes para avaliar o cumprimento do [precedentemente] disposto caso surjam
dúvidas justificadas a esse respeito. Para o efeito, as entidades dotadas de legitimidade
apresentam ao tribunal… uma síntese financeira que enumere as fontes de
financiamento utilizadas para apoiar a acção colectiva.
Os Estados asseguram
ainda que, para [tal] efeito, os tribunais… tenham poderes para adoptar as
medidas adequadas, como exigir à entidade legitimada que recuse ou faça
alterações ao financiamento em causa e, se for caso disso, rejeitar a legitimidade
[de uma tal] entidade numa determinada acção colectiva. Se a legitimidade
[dessa] entidade for rejeitada …, tal rejeição não afecta os direitos dos
consumidores [nela] abrangidos.”
Pende ainda no
Parlamento Europeu um Documento de 17 de Junho de 2021 que tende a reforçar os
limites ao financiamento das acções, quando admitido.
Há que barrar todos
os desvios, há que reforçar a legalidade e o estatuto dos consumidores e suas
lídimas instituições.
Mário Frota
presidente
emérito da apDC –
DIREITO DO CONSUMO - Portugal