A Revista
Luso-Brasileira de Direito do Consumo renascerá!
A Revista
Luso-Brasileira como que terá hibernado na expectativa de que novos actores se
entusiasmassem pelo projecto e abrissem as suas portas à prossecução de um tal
traço de cooperação entre as duas ribas do Atlântico em singular domínio qual
seja o dos direitos das pessoas que se movem no mercado e que quotidianamente
são afrontadas pelos artifícios, sugestões e embustes de que são pródigos os
que se propõem mercadejar, em acepção o mais ampla possível, nesta que ora
tende a ser a sociedade digital.
Eis o
editorial do número que corresponde ao
termo da I série da publicação (Dezembro de 2017) cujo escopo foi e é o de estreitar as relações entre Portugal e o Brasil
no domínio dos Direitos da Cidadania, afinal.
“SETE ANOS
DE PASTOR JACOB SERVIA..."
Com a edição
que ora se vos oferece cumpre-se um septenato, na singularidade do gesto e no
magnânimo propósito que serviu de berço à cooperação luso-brasileira (tantas
vezes alargada a outras latitudes…), na ânsia de estreitar ordenamentos, de
revelar as diferenças e de influenciar decisões.
Com Camões
se pode fundadamente dizer:
“Sete anos
de pastor Jacob servia
Labão, pai
de Raquel, serrana bela;
mas não
servia o pai, servia a ela,
que a ela só
por prémio pretendia.
Os dias, na
esperança de um só dia,
passava,
contentando-se com vê-la;
porém o pai,
usando de cautela,
em lugar de
Raquel lhe dava Lia.
Vendo o
triste pastor que com enganos
lhe fora
assi negada a sua pastora,
como se não
a tivera merecida,
Começa de
servir outros sete anos,
dizendo:
Mais servira, se não fora
pera tão
longo amor tão curta a vida!”
Sete anos de
profundo amor pelos espaços por onde os portugueses se passearam, edificando,
moldando e moldando-se às circunstâncias das terras e das gentes. E dos
ordenamentos que lhes quadram e servem de referência no que tange ao “direito
do quotidiano”!
Sete anos de
profícua cooperação para que o mais relevante dos ramos de direito – o Direito
do Consumo ou, como se pretende no Brasil, o Direito do Consumidor -, na
economia dos mais segmentos do jurídico, pudesse ser entendido nas suas
assimetrias e disfunções… numa e noutra das ribas do Atlântico.
Sete anos de
fundas perturbações que os projectos, ainda que consolidados, não são imunes às
oscilações do quotidiano nem às flutuações das bases em que os interesses se plasmam
e postulam.
Sete anos de
convincente labor em prol de um estatuto talhado para o consumidor e moldado
nos mais elevados níveis de protecção, seja qual for a latitude em que se
radique.
E as
instigantes exortações de um Paulo Arthur Lencioni Góes, antigo
diretor-executivo da Fundação PROCON, de São Paulo, no Congresso Internacional
de Natal, a marcar o compasso:
“Lá na
Europa não tem Samsung? Não tem Nokia? Não tem Suzuki? Não tem Toyota? Não tem
Toshiba? Não tem …? Então porque é que na Europa a garantia dos bens de consumo
é de 2 anos e no Brasil só de 90 dias?”
[Sabemos que
a interpretação mais conforme não é patentemente essa, mas reflecte, em si, a
ânsia de afinar diapasões, de soerguer o ordenamento e conferir o melhor
direito a todos e a cada um, independentemente das distâncias e das
fragmentações intercontinentais, como o não ignoraria também o ilustre
jurisconsulto].
Sete anos a
pugnar por que o Código de Defesa do Consumidor, em que cooperámos nos idos de
oitenta do século passado, enquanto fundador e primeiro presidente da AIDC/IACL
– Associação Internacional de Direito do Consumo, pudesse afinar pelo diapasão
dos padrões europeus e por que a legislação portuguesa seguisse os avanços mais
significativos do ordenamento tupiniquim.
Sete anos de
uma notável cooperação do Desembargador Joatan Marcos de Carvalho,
vice-presidente do Conselho de Direção, e de Anita Zippin, ora presidente da
Academia de Letras José de Alencar e sua chefe de Gabinete no Tribunal de
Justiça do Estado do Paraná, no propósito de o projecto editorial não vir a
esgotar-se, fenecendo e abrindo-se destarte uma enorme brecha na cooperação
jurídica luso-brasileira.
[Sem ignorar
o esforço originário de Edson Ferreira Freitas, ao tempo, professor da UNIPE,
de São Paulo, que fora de análogo modo co-fundador do projecto, na forma como o
abraçou e nel despendeu energias muito para além do que a amizade consentiria.]
Sete anos de
permanente debate com o Editor e das frutíferas discussões com o Dr. Luiz
Fernando de Queiroz o acerto de tantas das decisões para a projecção e o
prestígio da publicação.
Sete anos em
que se não achou, afinal, um modelo de difusão de tão prestante periódico no
macrocosmos do país-continente que o Brasil indubitavelmente é e que ainda mais
a projectaria se a distribuição se incrementasse após a defecção da Livraria
J.C. Moreira que de tal se incumbira, para depois debandar, aquando da
edificação, da consecução do projecto e no seu decurso.
Sete anos de
expectativas, de temores, de incertezas, de porfiado labor para que o denodado
esforço que transluz das mais de 2 500 páginas até então vindas a lume se não
extinguisse e não viesse a constituir um capítulo mais de uma história que
tende a obnubilar-se… nesta austera, apagada e vil tristeza, como a qualificava
o príncipe dos Poetas – Luís Vaz de Camões!
Sete anos em
que cooperaram 169 autores com temas do mais diverso jaez imbricados na
temática-mãe da publicação.
Sete anos de
um inestimável contributo para a literatura jurídica centrada nos ordenamentos
jurídicos de consumo estabelecidos tanto em Portugal como no Brasil.
Sete anos
que chegam agora ao seu termo, esgotadas outras soluções que se buscavam em
ordem ao seu auto-financiamento.
Sete anos de
tocante generosidade de quantos emprestaram à revista o seu fulgor intelectual
e o brilho dos seus escritos.
E em que uma
renovada esperança se delineia já, lá na distante e sempre fidalga Paraíba,
onde o Direito do Consumidor permanece vivo e em cuja constelação nomes como os
de Glauberto Bezerra pontificam, a justo título.
A II série,
que principiará com a edição de Março de 2018, representará decerto uma
justificável “evolução na continuidade” após o marcante exemplo do Paraná e do
suporte inquebrantável do Instituto Bonijuris, de Curitiba, enquanto perdurou e
o inextinguível Ideal ali teve tradução mais que simbólica.
Que deplorável
seria condenar às galés uma iniciativa editorial tão prestante quão meritória
como esta de que vimos curando há sete anos e que artilhámos com tantos os que
no Brasil ocupam, afinal, a mesma trincheira, que é a da Cidadania.
“Sete anos
de pastor Jacob servia…
Começa de
servir outros sete anos
Dizendo:
mais servira se não fora…
pera tão
longo amor tão curta a vida!”
Que os
astros nos acompanhem nesta tão desmedida ânsia de servir!
E que quem
se quiser fazer ao caminho, se não renegue a fazê-lo…
Que raras
são as obras de Homem só!
Tenham dó…
Que este
projecto não subsistirá
Se muitas
mãos se não cerrarem
Que este
veículo se não moverá
Se mulheres
e homens se não concertarem
Sem suporte
visível, sem pujante acção
Da mais
funda cooperação!
Felizes
Festas! Felizes Festas no aconchegante seio, no regaço íntimo das Famílias!
Coimbra,
Villa Cortez, Natal de 2017”.
O projecto
acabou por não se concretizar, mercê naturalmente de dificuldades insuperáveis
com que se terá confrontado, na Paraíba, esse amigo singular que é o
infatigável Francisco Glauberto Bezerra, um Homem da Cooperação, de que não
temos notícias, aliás, há tempos, mergulhados que ainda nos achamos na onda
pandémica que persiste em submergir-nos.
Eis que de
há algum tempo a esta parte, o director da Escola Superior de Defesa do
Consumidor do Estado do Rio Grande do Sul, o Dr. Diego Ghringhelli Azevedo, de
Porto Alegre, se propôs restaurar o projecto nele se congraçando outros
intérpretes e partícipes, de molde a que este potencial esteio de novo se
reerga e ofereça às comunidades de povos do Brasil e Portugal um firme suporte
de reflexões em torno do evoluir do direito de todos os dias (“do quotidiano”,
o denominava o jusfilósofo Jean-Baudrillard) numa e noutra das ribas do Atlântico.
Como expressão de um direito que tende a ser universal, que nas suas afinidades
conceituais se redescobre a cada instante de molde a afeiçoar-se aos
desenvolvimentos de que padece a sociedade neste incessante cavalgar das
tecnologias e na transformação fisionómica “visceral” do ordenamento.
Com a
inestimável cooperação de Diego Azevedo, estamos em crer que o projecto não
fenecerá.
E sabemos
ainda do empenho de Rogério da Silva, antigo director da Faculdade de Direito
da Universidade de Passo Fundo e hoje seu Vice-Reitor para a Extensão, para
além do seu fidelíssimo amigo, o coordenador do PPG/FD/UPF, Liton Pilau
Sobrinho, Homem dos Sete Ofícios do Direito e artífice de iniciativas
singulares de que o Brasil tem sido privilegiado beneficiário (como o “relicário”
dos 30 anos do CDC, notável iniciativa que há que enaltecer autonomamente).
Como do
director da Escola Judicial de Goiás, o Desembargador Marcus da Costa Ferreira,
que também nos honra com a sua amizade e é um ardoroso defensor do projecto.
Como de
tantos outros que radicados se acham do Oiapoque ao Chuí.
O pecúlio
admirável que é a Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo, em momento em
que nos despedimos da presidência da
apDC – sociedade científica de intervenção que à promoção dos interesses e à
protecção dos direitos dos consumidores se vota –, não pode esgotar-se no
ingente esforço que transluz da primeira série.
Há que
associar à gesta a Prof.ª Doutora Susana Almeida, que nos sucedeu na presidência
da apDC e a sua vice-presidente, a Prof.ª Doutora Rute Couto, que terçam
ardorosamente armas pela consecução e pela renovação da Obra, nesta suma
preocupação de religar o Brasil a Portugal, no diálogo constante em torno das
problemáticas do direito do quotidiano.
Para nós,
nados e criados em Angola, com cinco gerações de conexão àquele sagrado espaço,
o triângulo Brasil - Portugal – Angola, sem menoscabo dos mais territórios por
onde os portugueses se “passearam” ao longo dos séculos (na acepção mais nobre
do termo), constitui, com efeito, domínio privilegiado em que há que investir
empenhadamente para que, em pareceria e em plena paridade, os povos beneficiem
do esforço que neste particular se puder desenvolver porque é de cada um e
todos que se trata no seu envolvimento nos diferentes segmentos do mercado de
consumo, ora em vertiginosa mutação com a transição ecológica e a transformação
digital.
Não
debandaremos sem lograr convergir no projecto o braço de uma Angola remoçada e
desperta para os candentes problemas da cidadania, com o é hoje patente
propósito de Anta Weba e de Wassamba Neto, ambos directores-nacionais adjuntos
do Instituto Nacional de Angola de Defesa do Consumidor, que à Causa se
consagram em plenitude, para além dos seus meros deveres funcionais.
Que a energia aditivada que ora vem do Sul do
País-Continente, que tão bem nos acolhe, se traduza, a breve trecho, num
remoçado projecto em que todos, sem excepção, se revejam.
Que não
tarde a II Série da Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo, traço de
união entre povos e, sobretudo, entre os jusconsumeristas empenhados nas
transformações consentâneas dos ordenamentos jurídicos de consumo numa e noutra
das bandas do Atlântico!
Que os Céus
abençoem este ansiado projecto!
Coimbra – e
Casa Dignidade, à Rua do Brasil, 4 -, aos 20 de Novembro de 2021
(no XXXII
aniversário da apDC, instituição-nicho do ILBDC - Instituto Luso-Brasileiro de
Direito do Consumo)
Mário Frota
Presidente
do ILBDC – Instituto Luso-Brasileiro de Direito do Consumo - Coimbra