De um alerta
de há dias:
“A LENOVO oferece,
no quadro actual, computadores em que a garantia legal do corpo do aparelho é,
na realidade, de 2 anos, conforme a directiva europeia de 25 de Maio de 1999,
mas diz ostensivamente que a garantia das baterias é de 1 ano.
O que, volvido
todo este tempo, após a consolidação das regras aplicáveis, é causa de profunda
estranheza.
E a pergunta surge
inevitavelmente: pode a empresa, neste caso de origem chinesa (mas o mesmo já
sucedeu com a Apple norte-americana), impor as regras que entende em território
nacional, despudoradamente, sem que ninguém lhe vá à palma?”
1.
De há muito (a lei que ainda
vigora em Portugal remonta a 8 de Abril de 2003 quando, em verdade, deveria ter
sido promulgada para entrar em vigor em 1 de Janeiro de 2002, conforme
Directiva 1999/44/CEE, de 25 de Maio, do Parlamento Europeu) que se assegurou,
entre nós, que a garantia é de toda a
coisa e da coisa toda.
2.
As baterias não são um mero
acessório destacável, para efeitos de garantia, do aparelho que alimenta e de
cuja energia depende.
3.
E os artifícios de que os
produtores se socorrem para se eximirem às responsabilidades que lhes tocam têm
de ser convenientemente enquadrados.
4.
A Lei das Garantias dos Bens de
Consumo , ainda em vigor (DL 67/2003, com as alterações introduzidas pelo DL
84/2008, de 21 de Maio), estabelece no n.º 2 do seu artigo 3.º que
“as
faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois … anos a contar da
data da entrega da coisa móvel corpórea… presumem-se existentes já nessa data…”
5.
Não há na lei exclusões de qualquer
natureza nem é lícito que as faça o intérprete, menos ainda o produtor para
colher vantagens ilícitas de materiais de menor qualidade que incorpore nos
equipamentos que ofereça no mercado.
6.
Razão por que é de se aplicar, na
circunstância, o artigo 10.º da lei respectiva, sob a epígrafe
“imperatividade”, a saber:
“1 - Sem
prejuízo do regime das cláusulas contratuais gerais, é nulo o acordo ou
cláusula contratual pelo qual antes da denúncia da falta de conformidade ao
vendedor se excluam ou limitem os direitos do consumidor previstos no presente
diploma.
2 - É aplicável à nulidade prevista no número
anterior o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 16.º da Lei n.º 24/96, de 31 de
Julho.”
7.
E, com efeito, a Lei 24/96, no seu
artigo 16 e nos números correspondentes, estabelece consequentemente o que
segue:
“2
- A nulidade referida no número anterior apenas pode ser invocada pelo
consumidor ou seus representantes.
3 - O consumidor
pode optar pela manutenção do contrato quando algumas das suas cláusulas forem
nulas nos termos do n.º 1.”
8.
Só ao consumidor caberia, em princípio, invocar uma tal nulidade:
mas há a ressalva do articulado da Lei das Condições Gerais dos Contratos, como
resulta do que antecede.
9.
E aí, nas alíneas a) e b) do seu
artigo 21 (DL 446/85, de 25 de Outubro), se estabelece, respectivamente:
“São em absoluto proibidas, designadamente, as cláusulas contratuais
gerais que:
a) Limitem ou de qualquer modo alterem
obrigações assumidas, na contratação, directamente por quem as predisponha… ;
b) Confiram, de modo directo ou
indirecto, a quem as predisponha, a faculdade exclusiva de verificar e
estabelecer a qualidade das coisas ou serviços fornecidos…
10. Tratando-se
de condições
gerais em absoluto proibidas e, singularmente, nulas de pleno direito, a imperatividade é absoluta, que não
relativa, podendo a nulidade ser conhecida não só oficiosamente pelos tribunais
como arguida por qualquer interessado; trata-se obviamente de uma excepção à
regra de que só poderia ser invocada pelo consumidor, que não pelo fornecedor e
menos ainda pelo julgador (pelo tribunal).
EM
CONCLUSÃO
1. A garantia das coisas móveis
duradouras é, ainda no quadro actual e em vigor até 31 de Dezembro do ano em
curso, de 2 anos
2. A garantia é de toda a coisa e da coisa toda; não pode destacar-se da
garantia a da bateria, que se reduziria a metade.
3. Uma tal cláusula contratual, sendo
como é de adesão, é nula e de nenhum efeito (de conhecimento oficioso pelo
tribunal e invocável por qualquer interessado)
4. Às autoridades, por se estar face a
práticas comerciais desleais, cabe agir de molde a que o agente económico
emende a mão, reprimindo uma tal prática porque ilícita.
Mário Frota
apDC – DIREITO DO
CONSUMO - Coimbra