Facturação
por estimativa
É,
pois, inconstitucional
Frustra
não só a expectativa
Como
“mete a mão” no bornal…
“Apresentaram-me
uma factura da luz anormalmente elevada. Fui verificar o contador e a
estimativa – porque é de facturação por estimativa que se trata – está muito
para além do consumo real. Telefonei, antes ainda de esgotado o prazo de
pagamento, a referir o facto, mas – ao cabo de inúmeros telefonemas falhos – lá
consegui que me atendessem, se bem que a resposta não me tivesse convencido nem
adiantado nada: que pague que na factura seguinte terei o estorno. Ora, como é
que eu vou pagar algo que não devo? Para, não sei quando, receber o que paguei
em excesso, não por vontade própria, mas por exigência alheia?”
Analisados
os factos, cumpre oferecer a solução que dos princípios e normas é possível
extrair:
1.
A Constituição da República inscreve, no título dos direitos
económicos, sociais e culturais, os direitos do consumidor como
fundamentais.
2.
E, no n.º 1 do seu artigo 60,
proclama:
“Os consumidores têm direito… à protecção dos seus interesses económicos, bem como à reparação de danos.”
3. A
Lei-Quadro de Defesa do Consumidor
de 31 de Julho de 1996 define, no n.º 1 do seu artigo 9.º, sob a epígrafe “direito à protecção dos interesses
económicos”:
“O consumidor tem direito à protecção
dos seus interesses económicos, impondo-se nas relações jurídicas de
consumo a igualdade material dos intervenientes, a lealdade e a boa fé, nos preliminares, na formação e ainda na
vigência dos contratos.”
4. Como corolário do princípio da protecção dos interesses
económicos dos consumidores emerge o de que “o consumidor pagará só o que consome na exacta medida do que e em que
consome”.
5.
Por
conseguinte, não é lícito que o consumidor pague o que excede o seu consumo
real: essa exigência esbarra em princípio com assento constitucional.
6.
Logo, a facturação por estimativa, conquanto haja eventualmente normativos
a suportá-la, é inconstitucional:
porque gera quer facturação por excesso
– a sobrefacturação
– quer facturação por defeito – a subfacturação;
em qualquer das hipóteses, há uma afronta aos orçamentos domésticos e aos seus
equilíbrios, quer por se pagar a mais, quer por se pagar a menos com os
encontros de contas com números excessivos que “queimam” as mãos às famílias e
aos consumidores.
7.
Daí que, de posse dos dados do consumo real, cumpra ao consumidor formular
a sua reclamação no Livro respectivo (em suporte físico como na versão digital),
tão logo se lhe apresente a factura, indicando, com rigor, o que o contador
regista e recusando-se a efectuar o pagamento no tempo e no lugar próprios.
8.
Não
tem,
ao contrário do que se propala e, quantas vezes, aparece de forma sorrateira no
clausulado dos contratos, de “pagar
primeiro e reclamar depois”: estamos perante serviços público essenciais, é
facto, mas é de contratos privados que se trata: e aí o consumidor pode recusar
a sua prestação se a contraparte, o fornecedor, não apresentar, com rigor, a
factura de que se trata.
9.
E só lhe compete pagar, no tempo a
tanto consignado, após resolução da
reclamação que tiver formalmente deduzido.
10. Ademais,
não tem de temer eventuais represálias, como as do “corte”, porque até 31 de Dezembro, de harmonia com o Decreto-Lei
n.º 56-B/21, de 07 de Julho (artigo 3.º) tal se achar vedado: “Garantia de acesso aos serviços essenciais”
“1 - Até 31 de Dezembro de 2021 não
pode ser suspenso o fornecimento dos seguintes serviços
essenciais…:
a)
Serviço de fornecimento de água; b) Serviço
de fornecimento de energia eléctrica; c) Serviço de fornecimento de gás natural; d) Serviço de
comunicações electrónicas.”
11. Se, ainda assim, se permitirem efectuar o
corte, assiste ao consumidor uma indemnização
por danos materiais e morais causados pelo fornecedor, algo que pode
reclamar nos tribunal arbitral de conflitos de consumo competente.
EM
CONCLUSÃO
a. O
consumidor não tem de pagar facturas
dos serviços essenciais que excedam
(ou contenham valores inferiores aos d)o
consumo real.
b.
Cabe-lhe protestar do montante no Livro de Reclamações, indicando o que
os instrumentos de medida apresentam de consumo tão logo a factura lhe seja
presente.
c.
Conquanto se trate de serviços
públicos essenciais, os contratos são
privados e, nessa medida, não tem de “pagar primeiro e reclamar depois”,
como por aí erroneamente se propala.
d. Está vedado aos serviços
efectuar o “corte” até 31 de Dezembro p.º f.º
Mário Frota
apDC – DIREITO
DO CONSUMO - Coimbra
DIÁRIO “As Beiras”
Sexta-feira, amanhã, 24 de Setembro
de 21