Ouvimos um dia
destes investigadores do Nova Consumer Lab dissertar sobre as diferenças entre
o direito do consumidor e o direito do consumo.
De forma algo
simples, ao que se nos afigura.
E sem se aterem,
com a profundidade que tende a reclamar-se, quer às razões históricas quer às
de ordem metodológica de que arrancam os conceitos ou o "nomen" sob
que se identifica a disciplina de que se cura.
Além disso, de
forma algo pretensiosa e ligeira, procurou-se estabelecer uma divisória ao
jeito de Tordesilhas entre a Escola de Coimbra e a de Lisboa (como se
hodiernamente fronteiras do estilo se admitissem de forma redutora quando há
escolas de direito um pouco por toda a parte e Escola nenhuma, afinal, que
corporize um fio condutor de doutrinas que se compendiem uniformemente...).
E além disso,
talvez o Direito do Consumo se cultive mais fora das Universidades que no seu
seio, pese embora a Nova se tecer de uma estrutura nascente de louvar, sem
paralelo, porém, no tocante às demais Universidades.
Não se olvide que a
apDC dispõe, nas unidades que a conformam, de um Centro de Estudos de Direito
do Consumo, que remonta à sua fundação em 1989.
Algo que parece
ignorar-se, como se nas Universidades tudo se esgotasse.
Nem o direito do
consumidor, no Brasil, se ocupa exclusivamente da tutela dos direitos
constitucionalmente consagrados, nem na Europa (em Portugal) o direito do
consumo se transcende ao abarcar, em paralelo, actividades próprias do mercado
do consumo e, a um tempo, da tutela da posição jurídica do consumidor...
Daí que se
recomende, com toda a modéstia, a leitura do texto que segue a quem possa
interessar.
(Texto
que veio a lume na 'Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo', ano III,
n.º 9, Março de 2013)
Com a Revista Luso-Brasileira de Direito do
Consumo que ora se dá à estampa principia o terceiro ano de edição.
Não tem sido isenta
de escolhos a trajectória até então cumprida.
Editor e Conselho
de Direcção, porém, em conjunção de esforços, vêm superando dificuldades
antepostas e imprimindo à Revista um cunho que a projecta já como uma das
publicações de referência no segmento de que se trata.
Não há, ao invés do
que possa supor-se, uma diferença de grau ou de substância no que tange ao
Direito do Consumo versus Direito do Consumidor.
Nem sempre se tem
dos institutos a concepção que curial seria se retivesse se se adentrasse a
história.
No Portal Direito
do Consumo, que se insere no plano editorial da Revista Luso-Brasileira de
Direito do Consumo, se contém um excerto que importaria trazer à colação, para
uma melhor percepção das eventuais “diferenças”, de resto, inexistentes.
Recorramos, porém,
a um texto publicado no NETCONSUMO,
jornal virtual da apDC – sociedade científica portuguesa que se vota à
promoção dos interesses e à protecção dos direitos do consumidor:
Os espíritos
perturbam-se quando ouvem, distinta ou indistintamente, falar tanto de Direito
do Consumidor como de Direito do Consumo.
E, com ou sem
critério, uns propendem a aceitar, acriticamente, um "nomen" e,
outros, outro, segundo as suas tendências ou sensibilidade, sem que lhes
presida um qualquer critério histórico-científico, que, em rigor, se terá de
ter em conta.
A “ciência” do
direito é, quantas vezes, o domínio por excelência de “argumentos de pretensa
autoridade” e de "ficções" de uma doutrina inconsequente, assente em
meras opiniões a que falece um qualquer suporte ou fundamento
técnico-científico.
Atente-se no texto
infra que põe, aliás, o “dedo na ferida”:
“Ao contrário do que
exprimem determinados autores, não há senão uma diferença que radica, aliás, no
ponto de que se arranca e ao nível de conformação das regras:
. no direito do
consumidor, um acervo de regras em torno do sujeito da relação – uma
perspectiva subjectivista – que não altera o tónus da relação jurídica de
consumo que se analisa nem o âmbito de intervenção que abarca;
. no direito do
consumo, a rotação para o objecto, que não centrada no sujeito, com o espraiar
das normas de protecção e a reproposição de equilíbrios no quadro da relação
jurídica de consumo e no seio do mercado que lhe é próprio, que é o do consumo.
Já Mário Frota, in
“Contrato de Trabalho I”, Coimbra
Editora, 1978, a propósito da pretensa dicotomia “direito do trabalhador" 'versus' "direito do trabalho”, obtemperava com justeza:
“… Aliás, o
fenómeno não se descortina singularmente em sede de direito do trabalho, alçado
o contrato a figura nuclear deste novel ramo de direito.
Como asseverava
impressivamente Pérez Leñero, “o ius civile" só nasce como direito quando
perde o seu carácter pontifical e secreto de índole privilegiada, e pelo
lendário Gneo Flávio se faz do domínio público o segredo das acções e dos dias
'fasti'.
Já ambas as partes
litigantes estavam em igualdade de condições, e o direito passa de uma fase
política à técnica (…).
O direito
comercial, já em tempos mais recentes, passa também por esta fase subjectiva e
personalista; nasce como direito dos comerciantes, protector dos seus
interesses, para passar depois à fase objectiva do direito do comércio (…).
Em última
instância, não é senão a delimitação da força e do direito, do poder material e
do poder jurídico, problema básico da génese do direito em geral, que o do
trabalho havia de recolher necessariamente.”
Mas o facto não
tira nem põe. Nem significa que na Europa, onde majoritariamente, a denominação
é de Direito do Consumo, se haja conseguido superar a perspectiva subjectivista
de forma antecipada…
Não há
metodologicamente, ao que se nos afigura, conquanto haja quem sufrague
entendimento diverso com enfoque no âmago da relação jurídica de que se trata,
diferenças nem de vias de tutela da posição jurídica do consumidor nem do campo
de intervenção.”
Daí que se afigure
de sufragar a denominação Direito do Consumo em vez de Direito do Consumidor,
como se vulgarizou no Brasil.
Mas não é esta
singular “diferença”, aparentemente formal, que não substancial, que retira a
autonomia científica ao Direito do Consumo e um lugar de destaque na galeria
dos “ramos” de direito, já que, como asseverava Jean Baudrillard, o direito do
consumo é o “direito do quotidiano”, dada a frequência com que é chamado a
intervir nas relações jurídicas que se entretecem dia-a-dia e que conformam o
seu conteúdo.
Mas este aspecto é
de somenos.
O mais relevante
neste particular é que se observa uma aproximação entre os ordenamentos
jurídicos do Brasil e de Portugal, a que as páginas da Revista Luso-Brasileira
de Direito do Consumo conferem expressão, pelos estudos que vêm contemplando
distintas realidades como as que emergem dos respectivos ordenamentos pátrios.
E a recente
iniciativa de se estruturar algo que congregue os jusconsumeristas brasileiros
e portugueses – o Instituto Luso-Brasileiro de Direito do Consumo - representa,
afinal, o supremo esforço para se edificar uma instituição alicerçada nos
melhores propósitos que conduzam a uma harmonização – pelos mais elevados
níveis de protecção – do direito do consumo nos dois dos mais relevantes
esteios da Comunidade de Povos de Língua Portuguesa.
Importa, na
sequência, integrar no mais breve lapso de tempo Angola e estender gradualmente
o Instituto e a publicação que lhe serve de suporte – a Revista Luso-Brasileira
de Direito do Consumo – aos demais países que têm como língua veicular a de
Camões.
Mário Frota
presidente do Conselho Editorial