SEGUROS:
‘SIMULAR’ É UMA COISA,
COMUNICAR
É OUTRA LOISA…
“Um contrato de seguro
com cláusulas que nunca mais acabam; algumas que por não as entender exigem uma
explicação.
No entanto, quando me
entregaram a apólice, disseram-me contraditoriamente: “assine, está aí tudo, o
resto procure no sítio da internet”…
Confusa porque, para além
da extensão do conteúdo, fico em branco quando se trata de saber das coberturas
e suas exclusões”.
Apreciada a questão, cumpre
dizer o que segue:
1. A
Lei das Condições Gerais dos Contratos obriga, neste particular, as seguradoras
a cumprir dois deveres essenciais: comunicar e informar.
2. A
comunicação tem de ser efectuada:
·
na íntegra
·
de modo adequado
·
com a antecedência necessária (atenta a sua
extensão e complexidade) para que se torne possível o seu conhecimento pleno e
efectivo (DL 446/85: art.º 5.º).
3. A
informação tem de ser séria, rigorosa, objectiva e adequada (Lei 24/96: n.º 1
do art.º 8.º; DL 446/85: art.º 6.º).
4. Se
se omitir quer a comunicação quer a informação, as cláusulas consideram-se
excluídas dos contratos singulares (DL 446/85: als. a) e b) do art.º 8.º).
5. A
lei, nestes casos, também estabelece os efeitos:
5.1.
Ou os contratos singulares se mantêm,
vigorando na parte afectada as normas supletivas aplicáveis (as que constam da
Lei dos Contratos de Seguro) (DL 446/85: n.º 1 do art.º 9.º);
5.2.
Ou serão nulos quando, não obstante o
recurso a tais elementos, ocorrer uma indeterminação insuprível de aspectos
essenciais ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa- fé
(DL 446/85: n.º 2 do art.º 9.º).
6. Interessante
e ilustrativo, um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 Março de 2022 (Tibério Nunes da Silva) que reza o seguinte:
“I
- Estando apenas provado que, “por proposta subscrita pelo autor este declarou
terem-lhe sido prestadas todas as informações relevantes para a subscrição do
contrato de seguro celebrado, nomeadamente, as suas principais características,
âmbito das garantias e exclusões”, que “o autor declarou terem-lhe sido
explicadas e colocadas à disposição no ato da celebração, as condições gerais
aplicáveis à apólice de seguro, as quais também lhe serão entregues, em
qualquer data, numa loja da tranquilidade”, “declarando, ainda, que tomou
conhecimento que, para sua maior comodidade, as condições gerais e especiais
aplicáveis se encontram, ainda, disponíveis, a todo o tempo, para consulta ou
impressão no sítio da internet www.tranquilidade.pt”, não se encontra preenchido
o dever de comunicação adequada de molde a que o autor/aderente ficasse em
condições de se inteirar do conteúdo das clausulas contratuais gerais com a
antecedência necessária.
II
- Dos factos provados não resulta demonstrado, de forma inequívoca, que ao
autor foi dado prévio conhecimento do teor das clausulas gerais a que aderiu,
ou colocado em condições de se inteirar do seu conteúdo para, de forma
esclarecida, subscrever o contrato de seguro.
III
- A mera declaração do aderente confessando terem-lhe sido prestadas, pelo
proponente, todas as informações relevantes para subscrever o contrato de
seguro celebrado, não tem o efeito de desvincular a seguradora do ónus de
demonstrar o cumprimento adequado do dever de comunicação integral das
clausulas contratuais gerais, imposto pelas normas do art.º 5.º do DL 446/85.
…”
CONCLUSÃO
1. Não
basta uma cláusula do estilo (“o autor declarou terem-lhe sido explicadas e
colocadas à disposição no ato da celebração, as condições gerais aplicáveis à
apólice de seguro, as quais também lhe serão entregues, em qualquer data, numa
loja da tranquilidade”) para se considerar regularmente celebrado um contrato
de adesão.
2. Tal
não preenche nem o dever de comunicação nem o da informação que incumbe, no
caso, à seguradora (DL 446/85: art.ºs
5.º e 6.º).
3. Donde,
a exclusão do clausulado (DL 446/85: als. a) e b) do art.º 8.º).
4. E,
eventualmente, a nulidade do contrato, se for o caso (DL 446/85: n.º 2 do art.º
9.º).
Tal é, salvo melhor
juízo, o nosso parecer.
Mário Frota
presidente emérito da
apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal