Em 02 de Maio de 2015, um acórdão
do Supremo Tribunal de Justiça, relatado pelo Conselheiro João Camilo,
definira:
“ Tratando-se de compra e venda
de um automóvel novo de gama média / alta que após várias substituições de
embraiagem, de software e de volante do motor, continuava a apresentar defeitos
na embraiagem, pode o consumidor recusar nova proposta de substituição de
embraiagem – a terceira – e requerer a resolução [extinção] do contrato, sem
incorrer em abuso de direito.”
Solução que nos parecia ajustada
à concreta situação em apreciação.
Porém, a 17 de Dezembro ainda de
2015, a Conselheira Maria da Graça Trigo, também do Supremo Tribunal de
Justiça, entenderia de modo diferente, em circunstâncias que se nos afiguravam
um tudo análogas, descontadas evidentemente as diferenças:
“III - Tendo a autora optado pelo
direito à reparação do veículo automóvel, não goza mais do direito a invocar
tais defeitos ou a falta de conformidade do bem como fundamento para exigir a
substituição do automóvel, qualquer que seja o momento que se considere.
IV - Efectuadas sucessivas
reparações no veículo e tendo o respectivo custo sido suportado pela ré
representante da marca, os direitos da autora encontram-se extintos não por
caducidade mas pelo cumprimento.
V - Pretendendo a autora
preservar a faculdade de exigir a substituição do veículo por outro
equivalente, não podia tê-lo entregue em oficina autorizada da rede da marca do
automóvel; ou, tendo-o feito, cabia-lhe ter feito prova de que a reparação fora
feita contra sua vontade e de que, aquando da recepção do automóvel, informara
as RR. de que não prescindia da faculdade de, em alternativa, à reparação do
bem, optar por um dos três direitos que o art.º 4.º, n.º 1, do DL n.º 67/2003,
prevê.”
Se esta última decisão houvesse
de ser tomada agora, à luz da Lei Nova da Compra e Venda dos Bens de Consumo,
diferente seria o seu teor, dado que as regras ora em vigor são inequívocas (ou
a redução adequada do preço ou, o que seria mais provável, a devolução do
veículo e a restituição do preço):
“O consumidor pode escolher entre
a redução proporcional do preço, nos termos do artigo 19.º, e a resolução do
contrato [o de pôr termo ao contrato com a devolução do veículo e a restituição
do preço], nos termos do artigo 20.º, caso:
a) O profissional:
i) Não tenha
efectuado a reparação ou a substituição do bem;
ii) Não tenha
efectuado a reparação ou a substituição do bem nos termos do disposto no artigo
18.º;
iii) Tenha
recusado repor a conformidade dos bens nos termos do número anterior; ou
iv) Tenha
declarado, ou resulte evidente das circunstâncias, que não vai repor os bens em
conformidade num prazo razoável ou sem grave inconveniente para o consumidor;
b) A falta de conformidade tenha
reaparecido apesar da tentativa do profissional de repor os bens em
conformidade;
c) Ocorra uma nova falta de
conformidade; ou
d) A gravidade da falta de
conformidade justifique a imediata redução do preço ou a resolução do contrato
de compra e venda (DL 84(2021: n.º 4 do art.º 15).
Com efeito, à luz da Lei Nova
dúvidas não subsistem acerca da solução que o caso teria, o que, aliás, ficara
já patente no julgado que saíra das mãos do Conselheiro João Camilo.
Nem sempre os leitores têm
contacto com estes casos apreciados nas instâncias e, por vezes, no Supremo
Tribunal de Justiça, mas é bom que os casos da vida, ali “sentenciados”, sejam
do conhecimento de cada um e de todos.
Para que se não ignora em qe lei
se vive. O que é crucial para quem se confronta, quantas vezes, com as
resistências dos vendedores em reconhecer o direito dos consumidores lesados.
Que nos não deixem de contactar
se dúvidas subsistirem.
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO
CONSUMO - Portugal