Afirma-se (e não é de
agora) que a Deco-Proteste, L.da considera um mero favor dos comerciantes a
troca de brindes, nas quadras festivas, já que não há na lei, diz, nada que
consigne qualquer direito, neste particular, ao consumidor.
Perante uma tal
“interpretação”, urge desmistificar tendenciosas “opiniões jurídicas”,
denunciar promiscuidades no seio do mercado, perniciosas conivências e
cumplicidades, oferecendo à comunidade as soluções que se atêm às directrizes
do sistema e se nos afiguram as adequadas, as fidedignas, como dizia Pereira
Coelho, insigne Mestre de Coimbra.
Cumpre recordar que na
ausência de regra expressa no ordenamento jurídico de consumidores, há que
recorrer supletivamente ao Código Civil: e, no que tange ao ponto, nele se
disciplina quer a venda a contento quer a venda sujeita a prova, no quadro dos
contratos de compra e venda.
A ‘venda a contento’ é feita sob reserva de a coisa agradar ao consumidor;
a ‘venda sujeita a prova’ é feita sob condição de a coisa ser idónea para o fim
a que se destina e ter as qualidades pelo vendedor asseguradas.
A venda a contento
[Código Civil: art.ºs 923 s] reveste duas
modalidades:
a primeira, como mera
proposta de venda: a proposta considera-se aceita se, entregue a coisa ao
consumidor, este se não pronunciar dentro do prazo da aceitação (8, 10, 15
dias, o que se fixar); neste caso, não haverá pagamento porque não há contrato,
mas mera entrega do valor da coisa, a título de caução.
a segunda, como contrato:
há já um contrato e não uma mera proposta contratual, a que se porá termo se a
coisa não servir ao consumidor ou a terceiro, se não for idónea para o fim a
que se destina; devolvida a coisa, restituir-se-á na íntegra o preço.
Em caso de dúvida,
presume-se que é a primeira a modalidade adoptada: a da proposta contratual.
A ‘venda sujeita a prova’ [Código Civil: art.º 925] depende, em princípio, de uma condição suspensiva: i., é, segundo a
qual as partes subordinam a um acontecimento futuro e incerto a produção dos
efeitos do negócio; se servir, se for idónea, o negócio produz os seus efeitos
normais, se, pelo contrário, o não não
for, o contrato extingue-se.
A prova deve ser feita
dentro do prazo e segundo a modalidade estabelecida pelo contrato ou pelos
usos.
Mas, na circunstância,
poderá haver ainda o recurso ao ‘princípio da autonomia da vontade’ [Código
Civil: art.º 406], em cujo n.º 2, sob a
epígrafe “liberdade contratual”, se diz:
“As partes podem ainda reunir
no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente
regulados na lei.”
E o facto é que os
contratos celebrados nestas circunstâncias (e é essa a vontade dos contraentes,
fundidas em negócio jurídico que – se assim não fora – nem os consumidores
comprariam nem os comerciantes venderiam) são-no com a faculdade de troca em um
dado período de tempo (que outrora fora de oito dias, pelo recurso paralelo ao
prazo do proémio do artigo 471 do Código Comercial, que, de resto, constava das
notas emitidas pelos estabelecimentos).
Contrato que é um híbrido
da venda a contento ou sujeita a prova com consequências menos gravosas para o
comerciante que os verdadeiros e próprios contratos típicos, nominados, como
supra se definem, com a faculdade de troca do bem, já que se pactua a
substituição da coisa que não a sua devolução pura e simples com a restituição
do preço.
Não se fale, pois, em
favor ou em mera cortesia nem se diga que os fornecedores não estão obrigados a
efectuar as trocas com as consequências daí emergentes: porque, em termos tais,
a isso se obrigam, sem quaisquer reticências.
Pior que a ignorância,
muito pior, é a cumplicidade, o conluio, o comprometimento com os que defraudam
o consumidor e atentam contra os seus mais elementares direitos.
E isso, perdoem-nos, não
é inocente!
Mário
Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO -
Portugal