Um
contrato, mil regimes,
Ó
suma extravagância!
E
são autênticos crimes
Contra
as regras da ‘concordância’…
“Menos leis, melhor Lei”!
– proclama-se incessantemente nos
areópagos europeus.
Como modelo, os
requisitos de forma dos contratos de comunicações electrónicas: uma mancheia de
requisitos, consoante as modalidades a que se recorra.
Extensa, a lista:
· Contratos presenciais in loco (nos
pontos de venda das empresas de comunicações electrónicas)
· Contratos celebrados electronicamente
· Contratos celebrados por telefone (por iniciativa da
empresa)
· Contratos celebrados por telefone (por iniciativa do
consumidor)
· Contratos celebrados por telefone (em aproveitamento de
contacto estabelecido pelo consumidor, que se reconduz, aliás, à primeira das
hipóteses e nem sempre disso se tem clara representação)
· Contratos fora de estabelecimento em
geral (nas distintas modalidades em que se revêem e se contam por um ror de hipóteses, em que até
do seu regime se prevalecem negócios no espaço de estabelecimentos…) e, em
particular,
· Contratos ao domicílio e
· Contratos celebrados no decurso de
excursão organizada pelo operador (em que há especificidades no que tange ao
período de reflexão ou ponderação, como na hipótese anterior, para o exercício
do denominado direito de retractação, em contraste com as demais modalidades de
contratos negociados e concluídos “fora
de estabelecimento”).
Para cada uma das
modalidades uma forma distinta, distintos requisitos…
Ter-se-á a comunidade
jurídica dado conta desta enormidade?
Quando se clama por
simplicidade, por transparência, por descodificação dos termos, o que ocorre,
em rigor, é que é tão complexo o regime que as próprias empresas mandam-no às
urtigas e “produzem” as suas próprias leis, ao arrepio do que os textos prescrevem.
Claro que se não trata de
as escusar. Pelo contrário!
Mas parece ser deliberado
o que acontece: para que ninguém cumpra a lei e as cautelas nela entrevistas se
descartem…
Aliás, aprecie-se o que
se passa com o antigo monopólio das telecomunicações (a MEO), ao tomar a
iniciativa dos contactos: nos preliminares negociais, como na celebração dos
contratos, subverte deliberadamente as leis.
Termos e condições são
ditados “ao correr de falas enleantes, sugestivas, de uma tocante
‘generosidade’ na oferta”…
O consumidor tem de os
aceitar oralmente: fica de imediato vinculado, irretractavelmente, e só mais tarde é que lhe é presente, por
“mala electrónica”, o clausulado do contrato.
O “modus operandi” é
francamente atentatório do regime legal em vigor.
O legislador parece
preferir o complexo ao simples, a obscuridade à transparência, a ligeireza à
reflexão, a incerteza ao rigor, a insegurança a uma fundada garantia… a
dispersão normativa a uma consolidação, a uma codificação dos textos, o caos à
ordem.
E, enquanto assim for,
não há forma mais canhestra de dispensar conveniente tutela à sua mais que
desfavorecida posição…
A Nova Lei das
Comunicações Electrónicas é um “hino de louvor” à forma mais bizarra de
legislar.
Atente-se no n.º 1 do
artigo 120 em que se desenham as formalidades dos contratos:
“1 — As empresas que
oferecem serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público […] devem,
previamente à celebração de um contrato, disponibilizar ao consumidor as
informações referidas no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de
Fevereiro, e no artigo 8.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, consoante estejam,
ou não, em causa contratos celebrados à distância ou fora do estabelecimento
comercial.”
E o arrazoado prossegue,
com fórmulas sujeitas a repetições, ao longo de 12 longos números…
É certo que “lex imperat, non docet” (“a lei manda,
não ensina”). Mas o arrazoado de que se tece, as espúrias repetições à exaustão
das fórmulas que adopta, as contrariedades que nela se lobrigam (dadas
circunstâncias de facto levam, v. g., à extinção do contrato, mas em norma uns
passos adiante, à sua suspensão, cujos efeitos são de todo distintos…),
constituem permanente desafio à agudeza do intérprete.
O português é, no mínimo,
deplorável!
Parece haver o propósito
de abastardar a língua, o último dos bastiões de um património imaterial
insuperável por que cumpre terçar heroicamente armas!
Mário Frota
presidente emérito da apDC
– DIREITO DO CONSUMO -, Portugal