“Levei um
equipamento, no período da garantia, à empresa em que o adquiri: funcionamento
sumamente deficiente, a não proporcionar temperaturas de conforto, contra o que
seria normal.
Surpreendeu-me
o facto de me dizerem com toda a convicção que não poderia pretender a troca do
aparelho, que teria de ir para a fábrica para reparação. Só se a reparação
fosse inviável é que se pensaria na troca.
Será assim?”
Em caso de
não conformidade da coisa com o contrato, os remédios que a lei prevê são os
da:
. reparação
.
substituição
. redução
adequada do preço
. extinção
do contrato (com a devolução da coisa e a restituição do preço).
A opção pelo
remédio é direito do consumidor Não do fornecedor.
Com um
limite, porém: “o consumidor pode exercer qualquer dos direitos, salvo se tal
for impossível ou constituir abuso de direito”.
E o que é o
abuso de direito?
Diz a lei
que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o
titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons
costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”
Se a o “defeito” for de pouca monta, susceptível de
reparação, excede o seu direito quem pretenda intolerantemente a troca ou o fim
do contrato.
Se o carro novo tiver uma escova do pára-brisas
deficiente, não será lícito ao consumidor exigir a substituição do veículo.
Menos ainda pôr termo ao contrato.
Se se tiver partido uma das rodas do aspirador, a
simples substituição poderá ser abusiva: basta que se substitua a peça
avariada. E, assim, sucessivamente.
E não há que obedecer a nenhuma graduação ou
hierarquização dos remédios. Ou seja, não se começa por uma tentativa de
reparação que, a não ser bem sucedida, obrigue à substituição e, só no limite,
vencida toda a escala, é que se porá termo ao contrato.
Ao contrário do que entendeu já o Supremo Tribunal de
Justiça pelo punho do Conselheiro
Fonseca Ramos (13 de Dezembro de 2007):
“O comprador de coisa
defeituosa pode, por esta ordem, exigir do fornecedor / vendedor:
1º - a
reparação da coisa;
2º
- a sua substituição;
3º
- a redução do preço ou a resolução do contrato, conquanto exerça esse direito,
respeitando o prazo de caducidade - art.º 12.º da LDC.”
Recentemente, da Relação de Guimarães, por acórdão de 20 de
Fevereiro de 2020, votado por unanimidade, pela pena do desembargador Jorge Teixeira decretou, à revelia de uma fidedigna
interpretação das regras e da doutrina, considerada, a todas as luzes,
consentânea com o sentido e alcance da lei, algo de estranho::
I – “Os direitos à
reparação ou à substituição previstos no artigo 914º do Código Civil – e também
no artigo 12, n.º 1 da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, que veio estabelecer «o
regime legal aplicável à defesa dos consumidores» – não constituem pura
alternativa ou opção oferecida ao comprador, antes se encontrando subordinados
a uma sequência lógica.
II – Assim, o
consumidor tem o poder-dever de seguir primeiramente e preferencialmente a via
da reposição da conformidade devida, pela reparação ou substituição da coisa,
sempre que possível e proporcionada, em nome da conservação do negócio
jurídico, tão importante numa economia de contratação em cadeia, e só
subsidiariamente o caminho da redução do preço ou resolução do contrato.
III – Isto porque,
embora a lei (art.º 5.º do DL n.º 67/2003 ) não hierarquize os direitos
conferidos ao consumidor, numa interpretação conforme a Directiva (Directiva nº
1999/44/CE, de 25/05 ), há prevalência da “reparação/substituição” sobre o par
“redução/resolução”, pois a concorrência electiva dos diversos direitos do
consumidor não é absoluta, por não prescindir de uma “aticização da escolha”
através do princípio da boa-fé, sendo que o art.º 4º nº 5 do diploma citado recorre
à cláusula do abuso de direito.”
[Esqueceu-se o ilustre Magistrado (mais os seus pares) que a
directiva é minimalista, consentindo uma tutela mais protectiva dos
consumidores e que os direitos anteriormente consignados na LDC o eram já,
nesse particular, mais vantajosos que os que a directiva europeia veio a
consagrar]* .
Ao invés, Gaito das Neves, da Relação de Évora,
pôs os pontos nos ii, ao dizer:
“Resulta do artigo 12 n.º 1 da Lei n.º 24/96,
de 31 de Julho, que perante a venda de uma coisa defeituosa, o consumidor pode
escolher o remédio que mais lhe convém, sem qualquer ordem sucessória: a
reparação da coisa, a sua substituição, a redução do preço, a resolução do
contrato.”
Aliás, o Conselheiro João Camilo, por acórdão do Supremo Tribunal
de Justiça de 05 de Maio de 2015, numa sucessão de reparações sem êxito,
admitiu – e bem - que o consumidor podia desde logo fazer cessar o contrato sem
roçar o “abuso do direito”:
“ Tratando-se de compra e venda de um
automóvel novo de gama média / alta que após várias substituições de
embraiagem, de software e de volante do motor, continuava a apresentar
defeitos na embraiagem, pode o consumidor recusar nova proposta de substituição
de embraiagem – a terceira – e requerer a resolução (extinção) do contrato, sem
incorrer em abuso de direito.”
Abusa do
direito, isso sim, o fornecedor que esgrime com o consumidor os remédios,
impondo uma reparação quando o consumidor pretende fundadamente a substituição
ou o fim do contrato com as consequências daí resultantes.
Quer-se crêr
que por ignorância dos gestores e deficiente preparação dos trabalhadores, vêm
sendo denegados direitos com consequências gravosas para os consumidores.
Seria
conveniente se preparassem adequadamente para bem poderem servir os clientes.
Fica a sugestão!
Mário Frota
apDC – DIREITO DO CONSUMO - Coimbra
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* Do preâmbulo do DL 67/2003, que transpôs a Directiva 1999/44/CE, consta,
designadamente, e tal parece escapar aos julgadores:
"Preocupação central que se
procurou ter sempre em vista foi a de evitar que a transposição da directiva
pudesse ter como consequência a diminuição do nível de protecção já hoje
reconhecido entre nós ao consumidor. Assim, as soluções actualmente previstas na
Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, mantêm-se, designadamente o conjunto de direitos
reconhecidos ao comprador em caso de existência de defeitos na coisa."