Artigo de Opinião
Dr. Mário Frota, Presidente emérito da apDC – Direito do Consumo, Coimbra
Erro sobre as qualidades da coisa? Ou garantia, que é outra loisa??
“Comprei um veículo híbrido que consumiria, ao que anunciava a marca,
3,8 litros/100 Km, a velocidade regular. O facto é que o consumo era
sempre da ordem dos 6 – 7 litros, a velocidade constante de 120 Km.
O que quero é exigir responsabilidades ao concessionário ou à própria marca e não sei como. Poderei anular o contrato?”
1. A situação em análise enquadra-se no âmbito das hipóteses de não
conformidade, de harmonia com o que prescreve a Lei da Compra e Venda de
Consumo:
“… os bens devem… corresponder à quantidade e possuir as qualidades e
outras características, inclusive no que respeita à durabilidade,
funcionalidade, compatibilidade e segurança, habituais e expectáveis nos
bens do mesmo tipo considerando, designadamente, a sua natureza e
qualquer declaração pública feita pelo profissional, ou em nome deste,
ou por outras pessoas em fases anteriores da cadeia de negócio,
incluindo o produtor, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem” (DL
84/2021: al. d) do n.º 1 do art.º 7.º).
2. A ser assim, com efeito, o consumidor tem 3 anos para denunciar a
não conformidade (e não dois meses como na lei anterior), após detectar
as diferenças:
“O profissional é responsável por qualquer falta de conformidade que
se manifeste no prazo de três anos a contar da entrega do bem ” (DL
84/2021: n.º 1 do art.º 12).
3. “Os direitos atribuídos ao consumidor … caducam decorridos dois
anos … da data da comunicação da falta de conformidade”, o que quer
significar que, após a denúncia da não conformidade, terá dois anos para
propor a acção, em tribunal, sob pena de caducidade ((DL 84/2021: n.º 1
do art.º 17).
4. “Nos casos em que a não conformidade se manifeste no prazo de 30
dias após a entrega do bem, o consumidor pode solicitar a imediata …
resolução do contrato (a sua extinção por incumprimento), com a
devolução do bem e a restituição do preço na íntegra (DL 84/2021: art.º
16).
5. Os demais remédios parece não se ajustarem na circunstância: a
reparação e a substituição, porque, após os 30 dias, ter-se-ia de
considerar a reparação ou a substituição (esta também presente no art.º
16) como soluções inadequadas, porque todos os modelos têm gastos da
ordem dos 6 / 7 litros, que não os anunciados 3,8 l / 100 Km. E não será
nem a reparação nem a substituição a conduzir à reposição da
conformidade.
6. Poderá o consumidor enveredar eventualmente pela redução adequada
do preço, se essa for a sua opção: mas o pôr-se termo ao contrato parece
ser a mais adequada.
7. Para além da extinção do contrato, pode o consumidor, na
circunstância, exigir do fornecedor a reparação dos prejuízos pelos
consumos excessivos entretanto efectuados por referência aos dados
publicitados (Lei 24/96: n.º 1 art.º 12)
CONCLUSÃO
1. Há não conformidade se se anunciar um consumo baixo de combustível
(3,8 l /100 Km.) e o real exceder tais valores (no caso para cerca do
dobro).
2. O consumidor pode, nestes casos, pôr termo ao contrato, tanto nos
primeiros 30 dias (direito de rejeição), como dentro do período da
garantia legal, porque nem a reparação nem a substituição constituirão
solução adequada.
3. A comunicação da não conformidade ao vendedor deve ser feita no lapso de 3 anos, que é o da garantia legal.
4. Após a comunicação, o consumidor tem dois anos para accionar o fornecedor sob pena de caducidade do direito de acção.