A Responsabilidade do
Produtor, ante a inestancável evolução operada nos produtos, conhece notável
desenvolvimento.
A Directiva de 25 de Julho de
1985 que o saudoso João Calvão da Silva tratara primorosamente na dissertação
de doutoramento, com que nos brindara em 1990, adaptar-se-á a um mundo tecido
de inexpugnáveis laços de elementos outros com distinta configuração no seio da
sociedade digital.
A Directiva pretendera
oferecer uma resposta a situações como as que deflagraram com a Thalidomida e o
Contergan e “produziram” milhares de vítimas na Europa e nos Estados Unidos.
À época, os quadros jurídicos
convencionais, fundavam a responsabilidade exclusivamente na culpa, a saber,
era subjectiva, assentando exclusivamente na conduta do agente.
O que a Directiva de 1984
trouxera fora uma distinta perspectiva: fundamental seria que se abrisse uma
porta à consagração de uma responsabilidade pelo risco, objectiva, para que se
cobrisse toda a gama de situações que escapavam à culpa, como no caso.
A evolução operada na
sociedade digital obriga a uma profunda revisão dos termos da Directiva da
Responsabilidade do Produtor.
O conceito de produto
alargou-se.
Os produtos na era digital
podem ser tangíveis ou intangíveis.
“O software
(…sistemas operativos, software permanente,
programas informáticos, aplicações ou sistemas de Inteligência Artificial) é cada
vez mais comum no mercado e desempenha um papel cada vez mais importante
na segurança dos produtos.
O software pode
ser colocado no mercado como um produto autónomo ou posteriormente integrado
noutros produtos como componente e, nessa medida, susceptível de causar danos
ao ser posto em funcionamento.
Por razões de segurança
jurídica, é importante clarificar … que o software é um
produto para efeitos de aplicação da responsabilidade objetiva,
independentemente do modo de fornecimento ou utilização e, portanto, do facto
de o software ser armazenado num
dispositivo, de a ele se aceder por meio de uma rede de comunicações ou
tecnologias de computação na núvem ou de ser facultado por meio de um modelo
de software como serviço.
Contudo, a informação não
deve ser considerada um produto e as regras em matéria de responsabilidade
decorrente dos produtos não deverão, portanto, aplicar-se ao conteúdo de
ficheiros digitais, como ficheiros multimédia ou livros electrónicos ou
o mero código-fonte do software.
Um programador ou produtor
de software, incluindo os prestadores
de sistemas de IA, deverá ser considerado fabricante.”
Pelo que antecede se
descortina um mundo prenhe de transformações neste domínio.
É cada vez mais comum que os
serviços digitais se integrem num produto ou se interliguem de maneira que
a ausência do serviço impeça o produto de desempenhar uma das suas
funções.
“… É necessário alargar
a responsabilidade objetiva aos serviços digitais integrados ou
interligados, uma vez que determinam a segurança do produto do mesmo modo
que os componentes físicos ou digitais.”
Tais serviços conexos hão-de
considerar-se componentes do produto em que se integram ou se interligam nas
hipóteses em que se acham sob o controlo do fabricante.
Simples exemplos de serviços
conexos: o fornecimento contínuo de dados de tráfego num sistema de
navegação, um serviço de monitorização da saúde assente em sensores de um
produto físico que acompanhe a actividade física ou as métricas de saúde
do utilizador, um serviço de controlo da temperatura que monitoriza
e regula a temperatura de um frigorífico inteligente, ou um serviço de
assistente de voz que permita controlar um ou mais produtos por meio de
comandos de voz.
Conquanto no seu rol se não
considerem, em princípio, os serviços, um produto que dependa de serviços de
acesso à Internet e que não garanta a segurança em caso de perda
de conectividade considerar-se-á, isso sim, defeituoso para efeitos de
responsabilidade.
As sensíveis modificações ora
introduzidas constituirão motivo de reflexão para os estudiosos.
As novas regras entrarão em
vigor a 09 de Dezembro de 2026.
Que Portugal não tarde a
transposição da Directiva, como em geral sucede!