RALPH NADER, ante a
precariedade da segurança dos veículos saídos das fábricas da General Motors,
lançou em 1965 o “Unsafe at Any Speed: The Designed-In Dangers of the American Automobile”,
que teve a maior retumbância.
O livro é como que um libelo acusatório aos fabricantes
de automóveis pela resistência à introdução de artefactos de segurança (como os
cintos e o mais) e sua geral relutância em abrir os cordões à bolsa para prover
à segurança dos veículos.
Foi pioneiro em tal trabalho com substanciais referências aos
materiais para o círculo da indústria.
O livro foi “best seller”
no domínio da não-ficção em 1966.
Com o seu activismo e a
introdução de estritas medidas de segurança por leis a que deu origem, salvou
comprovadamente 3.5 milhões de vidas desde 1965.
A circulação de veículos
usados nem sempre, a despeito da evolução das inspecções periódicas
obrigatórias, obedece a requisitos de segurança.
Há uma curiosa e bem
fundamentada decisão da Relação de Lisboa, de 02 de Maio de 2002, pelo punho da
então desembargadora Ana Maria Boularout, nestes termos:
“I- O comprador de
veículo usado tem sempre o direito, imperativamente, à garantia de um ano
quanto ao bom estado e bom funcionamento do veículo, sendo que aquele [… e ] o
vendedor poderão estabelecer um regime mais favorável, mas o que não podem é
restringir o limite imposto por lei nem afastá-lo.
II- Desta sorte, o
consumidor a quem tenha sido vendido um veículo automóvel usado defeituoso
poderá exigir a redução do preço ou até a [extinção] do contrato,
independentemente de culpa do vendedor, salvo se este o houver informado
previamente – antes da celebração do contrato -, sendo irrelevantes quaisquer
declarações do comprador a renunciar à mesma por nulidade de tal renúncia.
III- A idade do veículo
não poderá constituir, sem mais, qualquer óbice à operância das exigências
técnicas para a venda…
IV- Mesmo que a reparação
do veículo seja eventualmente superior ao seu custo, "sibi imputet"
[a si mesmo, ao vendedor, tal se imputa], pois é sobre o vendedor que impende
uma especial atenção, atenta a actividade comercial desenvolvida, de verificar
a qualidade dos bens vendidos de forma a não lograr as expectativas de quem os
adquire nem ficar prejudicado, pois tal dever de verificação tem um duplo
objectivo”
Ao tempo, a garantia era
de um ano imperativamente.
A partir de 2003, passou
a ser, no mínimo, de um ano, por negociação, que a garantia legal passou aos 2
anos.
A solução do acórdão
visava, como prevenção geral, retirar de circulação os ataúdes rolantes que,
com o maior desaforo, circulavam pelas nossas estradas.
Dizer ataúde rolante é
dizer “caixão com rodas”…
A solução da lei hoje é
distinta:
“O profissional [vendedor
ou fabricante] pode recusar repor a conformidade dos bens se a reparação ou a
substituição for impossível ou impuser custos desproporcionados, tendo em conta
as circunstâncias como o valor que os bens teriam se não se verificasse a falta
de conformidade e a relevância da falta de conformidade.”
A reposição de
conformidade pode ficar, pois, comprometida se o montante da reparação for
superior ao valor por que o veículo fora vendido.
Admite-se o recurso ao
meio alternativo de reposição de conformidade sem inconvenientes significativos
para o adquirente.
O consumidor não fica,
porém, “descalço”. Confere-se-lhe a opção entre a redução proporcional do preço
e a extinção do contrato quando o vendedor ou o fabricante:
·
Não tiver efectuado a reparação ou a substituição;
·
Tiver recusado expressamente repor a
conformidade da coisa:
·
Tiver declarado ou resultar com evidência
das circunstâncias que não reporá a
coisa em conformidade em prazo razoável (os 30 dias) ou sem graves
inconvenientes para o consumidor;
·
Se a desconformidade tiver reaparecido
apesar da tentativa do vendedor ou da marca de repor a coisa em conformidade;
·
Se ocorrer nova desconformidade;
·
Sempre que a gravidade da desconformidade justificar a imediata
redução do preço ou a extinção do contrato.
Será importante ter, na
complexidade das coisas, a noção dos
direitos que nos cabem para se agir consequentemente.
Mário Frota
presidente
emérito da apDC – DIREITO
DO CONSUMO - Portugal