EDITORIAL
Deus quer, o homem
sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,
E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.
Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!
Fernando Pessoa
“… o homem sonha, a obra nasce.”
E, na sua esteira,
“projecto o melhor, espero o pior e… seja o que Deus quiser!”
A que projectos aspiraria
um Homem do Direito, desapossado do seu chão natal por quantos escreveram a
página mais negra da História de Portugal, no insuspeito dizer de António José
Saraiva, príncipe das letras, mercê do ignominioso abandono colonial com
epicentro na majestática Angola, em pleno ano de 1975?
A que projectos se
consagraria na sua ânsia da edificação de uma Cidadania sem excluídos que a um
deserdado da fortuna se poderia cometer?
A que aspirações poderia
almejar no desassossego de um peregrinar errante por entre as paragens onde a
língua de Camões estagiou, quando do Direito se tem a essência de salutares
regras de convivência num reaproximar dos povos, num Código Universal que não
sofreie nem estigmatize nem segregue nem retalhe em categorias nesta aspiração
global de que a Dignidade enforme o estatuto de todos e cada um pelas sete
partilhas do Globo?
Na génese, a preocupação
de um Direito acessível ao leigo ou profano, na esteira de um Jean
Calais-Auloy, que a duras penas erigiu um segmento distinto na geografia do
Direito com o aparar de agrestes arestas que estabelecem patamares de supra –
infra ordenação e exercem implacavelmente uma sorte de poder soberano, no
mercado, contra os súbditos que a tudo se sujeitam e tudo consentem nas
desigualdades actuais que se cultivam e
exacerbam…
Depois, sem excessos nem
exageros, “um pequeno passo para o homem…”, na descodificação do Direito do
quotidiano para o vulgo no Semanário ”Tempo” editado em Lisboa, em 1981, com os
azedumes dos retrógrados dirigentes da Ordem dos Advogados que concebiam o
direito como monopólio seu insusceptível de dessacralização por um herege que o
pretendia acessível à generalidade.
De permeio, um sem número
de iniciativas com o envolvimento dos estudantes de Direito e de Farmácia, em
Coimbra, a fim de se desvendarem as rotas da vida e os embates com as
realidades do mundo exterior à Velha Torre, símbolo dos Gerais desde 1577.
Em 1988, o Grande
Congresso Mundial das Condições Geral dos Contratos e das Cláusulas Abusivas
(Coimbra, Maio), sob a égide Jacques Delors, figura incontornável da construção
europeia, com a animadversão de retrógrados e pretensos progressistas que
aspiravam a um direito das cavernas com a imutabilidade da força bruta a
execrar as mais lídimas aspirações à libertação dos que se acham a ferros por
toda a parte.
Na sequência, para que
dependências se não forjassem, o grito na edificação da AIDC – a Associação
Internacional de Direito do Consumo, em redor da qual se congregaram os mais
egrégios privatistas das sete partidas, arvorados em “jusconsumeristas” na
nascente realidade para que Esther Petterson advertira Jonh Kennedy em 1962: os
consumidores são o suporte do mercado, não há mercado sem c9nsumidores, mas os
consumidores estão a ferros por toda a parte, não são os senhores do mercado,
antes seus dóceis escravos…
E os trabalhos
preambulares do Código de Defesa do Consumidor do Brasil, com o buliço do
Herman Benjamin, hoje grada figura da Magistratura Tupiniquim.
E a ideia de uma
cooperação mais intensa com o Brasil, depois de, em sucessivas jornadas, se
haver calcorreado as mais longínquas paragens do País-Continente, forjado no
génio de uma lusitanidade empolada, levando a boa nova do Monumento de
Cidadania que, não tardaria, surgiria em Setembro de 1990, como suprema
exigência da Lei Suprema.
E as continuadas
peregrinações ou em eventos sob a égide da AIDC/IACL ou em relevantes
iniciativas dos Estados, das Universidades, das Escolas Superiores da
Magistratura e do Ministério Público que se protraíram anos a fio.
E a ideia de um veículo
susceptível de constituir o traço de união entre o nascente direito do
consumidor e o titubeante direito do consumo, em afirmação crescente sob a
égide de Montpellier com o pater Jean
Calais-Auloy, e a que se associaram de
seguida Bremen, com Norbert Reich, e Louvain-la-Neuve com uma jovem promessa, o
Bourgoignie.
Para além do Instituto
Luso-Brasileiro de Direito do Consumo, agregador de entusiasmos, com a plétora
de iniciativas em Coimbra, na esteira da Associação Internacional. ou os
eventos em catadupa que se desenvolveram multitudinariamente pelas exigências
de um Código revolucionário que se ofertou ao Brasil e às suas gentes, os
estímulos à cooperação transbordaram.
E, após porfiados
esforços, em casa de Edson Ferreira Freitas, professor da UNIP, de São Paulo, à
Alameda Campinas, ter-se-ão delineado as linhas mestras de uma publicação do
estilo, que mister seria se achasse um prestigiado editor que se dispusesse a
assumir tão oneroso encargo.
Ante as dificuldades
experimentadas em um mercado com a dimensão do da Capital Económica do Brasil,
partilhámos com o Des. Joatan Marcos de Carvalho, comum amigo, domiciliado em
Curitiba, tais agruras.
De pronto se mostrou
disponível para encetar diligências
nesse sentido: e, a breve trecho, descortinou uma respeitada editora
paranaense, a BONIJURIS, de Luiz Fernando de Queiroz, que sem tergiversações se
predispôs a assumir os pesados encargos de edição, associando uma livraria da
terra, a JM Livraria e Editora, Ltd.,
para a necessária difusão pelo País. Com o patrocínio e o apoio
institucional de conceituadas entidades da terra.
A JM Livraria e Editora,
volvidos anos, dissociou-se, por ausência manifesta de dimensão, do propósito
de prosseguir o indefectível esforço de difusão, o que sobrecarregou deveras a
BONIJURIS, que detinha outros títulos, aliás, bem sucedidos, e neles
concentrara as suas energias.
O Dr. Luiz Fernando de
Queiroz, jurista distinto, acolhera o projecto da Revista Luso-Brasileira, como
o fizera, de resto, de análogo modo com outras publicações, e nele se empenhou
de modo denodado nos sete anos em que perdurou o esforço editorial.
Uma palavra de louvor e reconhecimento
por uma tal gesta, a despeito das acrescidas responsabilidades de difusão para
que em termos factuais escasseava dimensão à sua conceituada empresa.
O Dr. Luiz Fernando de
Queiroz, hoje retirado das lides, continua a ser, para nós, o obreiro-mor,
o homem do leme da nau-capitânia que
soube intuir da relevância de uma publicação do estilo como incremento de uma
cooperação inorgânica entre o Brasil e Portugal, intervindo nas actividades
pedagógicas que a apDC – Direito de Consumo, desenvolvera em Cursos de
Pós-Graduação professados em Coimbra, em que esteve sempre presente com um
escol dos seus mais dilectos colaboradores.
A Revista Luso-Brasileira
de Direito do Consumo, em que tanto investiu, sem quaisquer resultados de
índole comercial, e como denodado apego a uma ideia que à cultura jurídica de
ambos os países cumpre reconhecer, a figura tutelar de Luiz Fernando Queiroz
impor-se-á indelevelmente.
O Desembargador Joatan
Marcos de Carvalho foi sempre a presença marcante “in loco” e tanto lhe deve
também a Revista nos seus primeiros sete longos e laboriosos anos de vida…
Como poeta que é,
destacado membro da Academia de Letras José de Alencar, de Curitiba,
recordar-se-á decerto do Editorial em que se louvou esse glorioso tempo de
edição e de fecunda cooperação nos versos que o Vate consagrara a” Jacob, pai
de Raquel, serrana bela, que a ela só por prémio pretendia…”
A BONIJURIS, cumprida a
missão, findara a notável cooperação em que empenhadamente se envolvera.
Outros rumos se abririam.
E foi pela mão do Prof. Dr.
Gregório Assagra de Almeida, que conhecêramos há um ror de anos, em Minas
Gerais, em relevantes funções ministeriais, que se excogitou, em parceria com a
Universidade de Ribeirão Preto, a possibilidade de se dar continuidade a tão
relevante quão entusiasmante projecto.
O Coordenador da Escola
de Direito, Prof. Dr. Sebastião Sérgio da Silveira, hoje Magnífico Reitor da
Universidade de Ribeirão Preto, abraçou a mãos ambas o projecto e tudo se
concertou para que nas celebrações do Centenário da Vetusta Instituição se proceda ao lançamento da II série da Revista Luso-Brasileira de Direito do
Consumo.
Nomes sonantes da
jusconsumerística brasileira e portuguesa se perfilaram para preencher de forma
notável esta edição de afirmação e continuidade. Outros, em razão de quefazeres
inopinados e vicissitudes outras, não puderam marcar presença, o que muito se
lamenta. Fá-lo-ão decerto em edições posteriores.
O Centro de Estudos de
Direito do Consumo adstrito à sociedade científica apDC – Direito do Consumo,
sediado em Coimbra, e o Curso de Pós-Graduação da Universidade de Ribeirão
Preto dão-se as mãos para trazer a lume este veículo de cultura jurídica, dos
novos direitos, e de aproximação de povos que partilham princípios e valores
universais, na excelência dos seus trajectos e de uma História comum que há-de
servir de alento a novos cometimentos.
A Revista Luso-Brasileira
de Direito do Consumo servirá de suporte a tais aspirações.
Praza a Deus que tão
radiosa cooperação floresça em múltiplos domínios. Disso colherão os povos
inegáveis vantagens!
Deus guarde o Brasil!
Deus abençoe os seus
amados filhos, do Óiapoque ao Chuí, e os que na diáspora honram as suas
tradições centenárias.
Mário Frota
Centro de Estudos de
Direito do Consumo, Coimbra, Outubro de 2024