Relatora: Conselheira Maria Clara Sottomayor
SUMÁRIO
RESPONSABILIDADE MÉDICA
I - Não cabe na competência do Supremo Tribunal de Justiça controlar a decisão sobre a matéria de facto, enquanto fundada em provas sujeitas ao princípio da livre apreciação, ou seja, sem valor legalmente tabelado.
II - Os meios de prova em que a Relação baseou a sua argumentação, de facto e de direito, consistiram em testemunhos de médicos e relatórios periciais, sujeitos a uma livre apreciação, que não coincidiu com a interpretação que deles fez o tribunal de 1.ª instância, nem com aquela que defende a recorrente.
III - Uma vez que não decorre da fundamentação de facto e de direito qualquer contradição insanável ou violação manifesta de regras de lógica, não resta a este Supremo senão confirmar o acórdão recorrido, na análise que fez acerca dos pressupostos fácticos e jurídicos da responsabilidade civil médica.
IV - A qualificação de uma intervenção cirúrgica como obrigação de resultado ou obrigação de meios não cabe aos médicos ou aos relatórios periciais, pois trata-se de conceitos jurídicos, que dependem não só dos conhecimentos médicos adquiridos nos autos, mas também de juízos e ponderações de natureza social e moral, que só um tribunal está em condições de fazer.
V - Para efeitos dessa qualificação, não devem ser adotados critérios apriorísticos em função da mera categorização do tipo de atividade médica, mas uma análise casuística centrada no contexto e contornos de cada situação.
VI - Casos há em que, tratando-se de ato médico com margem de risco ínfima, a obrigação pode assumir, mesmo tratando-se de cirurgia curativa ou necessária, a natureza de obrigação de resultado.
VII - Se o paciente em face de uma luxação recidivante do ombro direito foi submetido a uma cirurgia Bristow-Latarget (cirurgia aberta que atua através da formação de um batente ósseo, com um parafuso com anilha, que impede a cabeça umeral de migrar para fora da articulação), recomendada pela praxis médica para debelar a referida luxação, e se esse objetivo não foi alcançado por ter ocorrido desmontagem da osteossíntese, a obrigação é de resultado.
VIII - No quadro de uma típica obrigação de resultado, incumbe ao credor lesado provar a não ocorrência do mesmo como facto constitutivo da obrigação de indemnizar (arts. 342.º, n.º 1, e 798.º, ambos do CC), presumindo-se, por efeito da lei (art. 799.º do CC), a culpa do devedor lesante, sobre quem recai o ónus de ilidir tal presunção legal, demonstrando que usou de toda a diligência e cuidado, no respeito pelas leges artis, no exercício da sua atividade.
IX - Tendo o tribunal da Relação determinado o montante da indemnização a pagar pelo hospital ao paciente, ponderando todos os elementos disponíveis (as circunstâncias relevantes do caso, o disposto na lei e as orientações da jurisprudência), sem fazer juízos discricionários ou arbitrários, conclui-se que o valor encontrado para a indemnização por danos não patrimoniais - € 40 000,00 - não é desadequado - nem por excesso, nem por defeito - sendo desejável que os tribunais sigam uma tendência humanista para a subida gradual das indemnizações, fruto da crescente valorização dos bens jurídicos pessoais.
29-03-2022
Revista n.º 640/13.8TVPRT.P2.S1 - 1.ª Secção
Maria Clara Sottomayor (Relatora)
Pedro de Lima Gonçalves
Maria João Vaz Tomé
(Acórdão e sumário redigidos ao abrigo do novo Acordo Ortográfico)