“Ouvi-o
em tempos, com um excelente humor, dizer que “um
corta-unhas rombo com quatro reparações” passaria a ter, segundo a Lei Nova das
Garantias dos Bens de Consumo, cinco (5) anos de garantia.
Será
que estaria simplesmente a brincar com estas situações do real ou a afirmação
tem algum fundamento?
Uma
coisa móvel de “longa duração” poderá vir a ter uma garantia de cinco anos se
acaso não estiver em condições? Tantos anos de garantia como um imóvel?”
A
pergunta é interessante e carece, na realidade, se esclareça a questão
suscitada.
1.
A
garantia dos bens móveis de consumo
passa a ser, segundo a Lei Nova, de
três anos (3) em lugar dos dois (2) que vigoram actualmente (a Lei Nova entra
em vigor no 1.º de Janeiro de 2022).
2.
A
garantia dos bens imóveis, no quadro
das relações jurídicas de consumo, sofre uma ligeira inflexão (menos favorável
porém, ao que se nos afigura, aos consumidores), pois a Lei Nova mantém os
cinco (5) anos de garantia em geral (para os vícios aparentes) e garante os
vícios estruturais por 10 anos (os vícios ocultos nas estruturas) reduzindo-os,
pois, tal como o concebemos.
3.
De harmonia com o que estabelece o
n.º 4 do artigo 18 da Lei Nova,
“em
caso de reparação, o bem reparado beneficia de um prazo de garantia adicional de
seis meses por cada reparação até ao limite de quatro reparações,
devendo o fornecedor, aquando da entrega do bem reparado, transmitir ao
consumidor essa informação.”
4.
Daí que “um corta-unhas rombo” com quatro reparações beneficie, com efeito
(“…é só fazer as contas!”, como diria Guterres), de uma garantia de cinco (5)
anos…
5.
Porém, há que acautelar as
situações porque, no Supremo Tribunal de
Justiça, já vimos uma coisa e o seu contrário:
5.1.
O acórdão de 17 de Dezembro de 2015
(conselheira Maria da Graça Trigo) define:
“II - A colocação de um veículo na
oficina ou oficinas autorizadas da rede da marca do automóvel constitui um facto
concludente que permite deduzir a vontade de exigir a reparação dos
defeitos “sem encargos”, faculdade que é atribuída pelo art.º 4.º, n.º 1, do DL
n.º 67/2003, em alternativa à possibilidade de exigir a substituição do bem, ou
a redução do preço, ou a resolução do contrato.
III
- Tendo a autora optado pelo direito à reparação do veículo automóvel,
não goza mais do direito a invocar tais defeitos ou a falta de conformidade
do bem como fundamento para exigir a substituição do automóvel, qualquer
que seja o momento que se considere.
IV
- Efectuadas sucessivas reparações no veículo e tendo o respectivo custo
sido suportado pela ré representante da marca, os direitos da autora
encontram-se extintos não por caducidade mas pelo cumprimento.
V
- Pretendendo a autora preservar a faculdade de exigir a substituição do
veículo por outro equivalente, não podia tê-lo entregue em oficina autorizada
da rede da marca do automóvel; ou, tendo-o feito, cabia-lhe ter feito prova de
que a reparação fora feita contra sua vontade e de que, aquando da recepção do
automóvel, informara as rés de que não prescindia da faculdade de, em
alternativa, à reparação do bem, optar por um dos três direitos que o art.º
4.º, n.º 1, do DL n.º 67/2003, prevê.”
5.2.
O Conselheiro
João Camilo, por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05 de Maio de
2015, porém, numa sucessão de reparações sem êxito, admitiu – e bem - que o
consumidor podia desde logo fazer cessar o contrato sem roçar o “abuso do
direito”:
“
Tratando-se de compra e venda de um automóvel novo de gama média / alta que
após várias substituições de embraiagem, de software e de volante do
motor, continuava a apresentar defeitos na embraiagem, pode o consumidor
recusar nova proposta de substituição de embraiagem – a terceira – e requerer a
resolução (extinção) do contrato, sem incorrer em abuso de direito.”
6.
Por conseguinte, para além das
reparações e da subsistência da não conformidade, quer parecer que ao
consumidor seja lícito pôr termo ao contrato, devolvendo a coisa para que a
restituição do preço ocorra.
EM CONCLUSÃO:
a.
Um
“corta-unhas” rombo, com quatro reparações, passa a ter, com efeito, uma
garantia de cinco (5) anos, de acordo com a Lei Nova.
b.
Ponto
é saber se, mesmo após uma tal sucessão de eventos, ainda é possível devolvê-lo
e ver restituído o preço.
c.
Se
a situação subsistir, parece que sim, a colher-se o entendimento do Conselheiro
João Camilo, como no caso dos automóveis.
Mário Frota
Presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal