(Diário
‘As Beiras’, Coimbra, de 20 Dezembro de
24)
Troca
de brindes: direito ou favor?
Seja
o que for, não o “deslindes”… ao consumidor!
CONSULTA:
“A
Deco-Proteste, L.da, braço de uma empresa multinacional
que se faz passar fraudulentamente, entre nós, por associação de consumidores,
considera, estranha e erroneamente, mero
favor dos comerciantes a troca de brindes,
já que – garante – não há na lei nada que consigne qualquer direito,
neste particular, ao consumidor.
Pergunta-se
se concorda com esta opinião, que favorece, com efeito, o comércio em
detrimento do consumidor.”
Apreciada a questão, urge
desmistificar tendenciosas ‘interpretações jurídicas’, denunciar promiscuidades, repor as coisas no são, segundo
o nosso entendimento:
1.
Na ausência de regra expressa no
ordenamento jurídico de consumo, há que recorrer supletivamente ao Código
Civil: nele se disciplina quer a venda a contento quer a venda
sujeita a prova.
2.
A ‘venda
a contento’ é feita sob reserva de a coisa agradar ao consumidor; a ‘venda sujeita a prova’ sob condição de
a coisa ser idónea para o fim a que se destina e ter as qualidades pelo
vendedor asseguradas.
3.
A venda a contento [Cód. Civil: art.º 923 s] reveste duas
modalidades:
3.1.
a primeira, mera proposta de venda: a proposta
considera-se aceita se, entregue a coisa ao consumidor, este se não pronunciar
dentro do prazo da aceitação (8, 10 dias, o que se fixar); neste caso, não
haverá pagamento porque não há contrato, mas uma mera entrega de um valor, a
título de caução.
3.2.
a segunda, como contrato: há já um contrato a que se
porá termo se a coisa não agradar ao consumidor; devolvida a coisa,
restituir-se-á, na íntegra, o preço.
4.
Em caso de dúvida,
presume-se que se trata de mera proposta
contratual.
5.
A ‘venda sujeita a prova’ [Cód. Civil: art.º
925] depende, em princípio, de uma condição suspensiva: i., é, aquela segundo a qual as partes subordinam a um
acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio; se a coisa
servir ao consumidor, se for idónea ao fim a que se destina, o negócio produz
os seus efeitos normais; se, pelo contrário, o não for, o contrato extingue-se.
6.
Prova feita dentro do
prazo e segundo a modalidade estabelecida pelo contrato ou pelos usos.
7. Mas poderá haver ainda o recurso ao ‘princípio da autonomia da vontade’ [Cód.
Civil: art.º 406], em cujo n.º 2, sob a
epígrafe “liberdade contratual”, se diz:
“As partes podem ainda reunir no mesmo
contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei.”
8.
E o facto é que os
contratos celebrados nestas circunstâncias (e é essa tanto a vontade de uns e
de outros, fundidas em negócio jurídico que - se assim não fora - nem os
consumidores comprariam nem os comerciantes venderiam) são-no com a faculdade de
troca em um dado período de tempo (que outrora fora de oito dias, pelo recurso
paralelo ao prazo do proémio do artigo 471 do Código Comercial, que, de resto,
constava das notas emitidas pelos estabelecimentos).
9.
Contrato que é um
híbrido de venda a contento ou sujeita a prova com consequências
menos gravosas para o comerciante que os verdadeiros e próprios contratos
típicos, nominados, como aliás se definem, com a faculdade de troca do
bem, já que se pactua a substituição da coisa que não a sua devolução pura e
simples com a restituição do preço.
10. Não se fale, pois, em favor ou em mera cortesia
nem se diga que os fornecedores não estão obrigados a efectuar as trocas com as
consequências daí emergentes: porque, em tais termos, a isso se obrigam, sem quaisquer
reservas.
EM CONCLUSÃO
a.
As trocas de brindes,
de prendas, não são meros favores, antes algo regrado no Código Civil ou em
resultado do acordo das partes: ou vendas a contento ou sujeitas a prova [Cód.
Civil: artigos 923 e ss].
b.
No limite, tratar-se-á
de um contrato híbrido de venda a contento ou sujeita a prova com a faculdade
não de devolução, mas de substituição do bem [Cód. Civil: artigo 406].
c.
Estão no cerne das
negociações comerciais, estão previstas na lei, são por tal disciplinadas,
decorrem da livre negociação entre as partes, resultam de usos comerciais
consolidados: não se deturpe, pois, a coisa com gravame para o consumidor.
Eis, salvo melhor juízo, o nosso parecer.
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO -
Portugal