quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Publicidade a jogos e apostas − Rien ne va plus, les jeux sont faits

De acordo com o relatório divulgado pelo Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos (SRIJ), entre o primeiro trimestre de 2020 e o de 2021, verificaram-se 329,4 mil novos registos em jogos online, o que representa um aumento de 109%, sendo que 63,6% destes novos registos correspondem a jogadores com idade inferior a 35 anos.

Se o jogo online atrai, sobretudo, os mais jovens e qualificados, em matéria de jogos sociais, a preferência dos portugueses com habilitações e rendimentos mais baixos recai sobre outro jogo aparentemente inócuo − a raspadinha[1].

De resto, o estudo “Scratching the surface of a neglected threat: huge growth of Instant Lottery in Portugal”[2], lançado em 2020, revela que em Portugal se gastam mais de quatro milhões de euros por dia neste jogo, o que corresponde a um gasto médio por pessoa de 160 euros por ano, representando mais do dobro da média europeia.

Os autores do estudo em referência defendem que a raspadinha apresenta um conjunto de características que favorecem o estabelecimento de comportamento de jogo problemático ou patológico, como o preço baixo, a elevada acessibilidade e a rápida sensação de gratificação, praticamente instantânea. De resto, consideram que a publicidade, ao veicular a ideia de que neste jogo se pode ganhar muito com pouco, e a iliteracia sobre os riscos associados podem contribuir para potenciar o fenómeno.

Os dados são, por isso, preocupantes. O aumento generalizado do consumo de jogos, tendência acentuada durante a pandemia, fez disparar os riscos de prevalência de comportamentos aditivos. Neste contexto, a publicidade de jogos e apostas constitui apenas uma das frentes através das quais é possível atacar o problema, ainda que, na nossa perspetiva, deva ser acompanhada de outras medidas.

Em Espanha, no ano passado, foi publicado o Real Decreto 958/2020, de 3 de noviembre, de comunicaciones comerciales de las actividades de juego que fixa as condições para a publicidade, patrocínio, promoção ou qualquer outra forma de comunicação comercial por parte das entidades titulares de licenças para a realização de atividades de jogo incluídas no âmbito de aplicação da Ley 13/2011, de 27 de mayo, de regulación del juego, consagrando restrições bastante severas.

Com este regime, o horário permitido para divulgar anúncios de jogos na televisão, rádio e plataformas de vídeo passou a ser entre a 1h e as 5h da manhã.


De acordo com o diploma adotado na vizinha Espanha, no que concerne à publicidade nas redes sociais, os anunciantes devem segmentar o público-alvo das comunicações, de modo a que só possam ser enviadas a (i) pessoas que sigam as contas ou canais oficiais dos operadores de jogo em tais redes sociais, (ii) pessoas que tenham manifestado interesse ativo em atividades de jogo, desde que essas pessoas possam remover as preferências através de mecanismos permitidos pela rede social, e (iii) pessoas que se tenham registado num operador e façam parte da base de clientes existente.

Outras das medidas consagradas no regime que merece destaque consiste na proibição de atividades promocionais destinadas a atrair novos jogadores. Assim, as comunicações comerciais só podem ser dirigidas a clientes previamente registados nos sistemas dos operadores de jogo, isto é, que tenham uma conta aberta no operador de jogo relevante durante, pelo menos, 30 dias.

Já entre nós, a matéria da publicidade de jogos e apostas encontra-se regulada pelo art. 21.º do Código da Publicidade (CP), cuja redação é fruto da alteração operada pelo art. 3.º do Decreto-Lei n.º 66/2015, de 24 de abril, que aprova o Regime Jurídico dos Jogos e Apostas Online.

Ora, o art. 21.º-1 do CP determina que a publicidade de jogos e apostas deve ser efetuada de forma socialmente responsável, respeitando, nomeadamente, a proteção dos menores, bem como de outros grupos vulneráveis e de risco, privilegiando o aspeto lúdico da atividade dos jogos e apostas e não menosprezando os não jogadores, não apelando a aspetos que se prendam com a obtenção fácil de um ganho, não sugerindo sucesso, êxito social ou especiais aptidões por efeito do jogo, nem encorajando práticas excessivas de jogo ou aposta.

Para além desta norma genérica, o regime do art. 21.ºdo CP contempla regras vocacionadas essencialmente para a proteção dos menores, não estabelecendo, contudo, restrições quanto ao horário de emissão da publicidade a jogos e apostas.

Neste quadro, ainda em 2020, o Partido Comunista Português (PCP) apresentou o Projeto de Lei n.º 343/XIV/1.ª, com vista à introdução de restrições à publicidade nos jogos e apostas. Em concreto, propõe-se uma alteração ao art. 21.º do CP, proibindo a publicidade a jogos e apostas, em sítios e páginas na internet da responsabilidade de empresas e entidades com sede em Portugal, na televisão e na rádio e na imprensa escrita, entre as 7 horas e as 22 horas e 30 minutos.

Recentemente, já em 2021, foram apresentadas mais três iniciativas legislativas neste domínio.

Por via do Projeto de Lei n.º 919/XIV/2.ª, de 29 de julho de 2021, o Bloco de Esquerda (BE) também procura alterar o art. 21.º do CP, no sentido de proibir tout court a publicidade a lotarias instantâneas (raspadinhas) e, bem assim, proibir a publicidade a jogos e apostas, entre as 7 horas e as 22 horas e 30 minutos, independentemente do suporte utilizado para a sua difusão.

Nessa sede, propõe-se, ainda, que as comunicações comerciais e a publicidade de quaisquer eventos em que participem menores, designadamente atividades desportivas, culturais, recreativas ou outras, não possam exibir ou fazer qualquer menção, implícita ou explícita, a marca ou marcas de raspadinhas.

O Projeto de Lei n.º 951/XIV/3.ª, da autoria da Deputada não inscrita Cristina Rodrigues, apresentado a 24 de setembro de 2021, visa incluir uma advertência nos boletins dos jogos sociais quanto ao facto de serem passíveis de criar dependência, à semelhança do que já acontece com as embalagens de tabaco.

Em termos próximos aos da iniciativa do BE, também aqui se propõe que apenas seja possível publicitar este tipo de jogos depois das 22h30 minutos e até às 7 horas, assim como a revogação da norma do art. 21.º-7 do CP que exclui os jogos sociais do Estado da proibição de se fazer publicidade de jogos e apostas a menos de 250 metros em linha reta de escolas ou outras infraestruturas destinadas à frequência de menores.

Na mesma senda, através do Projeto de Lei  n.º 952/XIV/3.ª, de 24 de setembro de 2021, o Partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) também propõe, tal como hoje já sucede com as bebidas alcoólicas, a restrição de publicidade a jogos e apostas, na televisão e na rádio, entre as 7 horas e as 22 horas e 30 minutos.

Conforme resulta deste último projeto, as entidades promotoras de jogos e apostas devem passar a ter de disponibilizar um mecanismo que permita a autoexclusão dos respetivos destinatários ou potenciais destinatários, medida atinente a reforçar os direitos e a proteção das pessoas mais vulneráveis a comportamentos aditivos.

O PAN pretende, ainda, que a publicidade passe a ser obrigatoriamente acompanhada de uma advertência para os riscos do uso excessivo do jogo e das apostas, sob a forma de mensagem informativa, e que se clarifique que as limitações legais de publicidade aos jogos e apostas, que atualmente estão consagradas no CP, se aplicam também às raspadinhas.

Ainda que com algumas diferenças entre si, as quatro iniciativas legislativas apresentadas assentam na restrição do horário de emissão de publicidade de jogos, com o fito de contrariar o incremento da sua procura e mitigar os seus efeitos sociais adversos.

A este propósito, cumpre ressalvar que a solução já consta do Manual de Boas Práticas à Publicidade de Jogos e Apostas, aprovado pela Comissão de Jogos, na reunião de 24 de abril de 2020, pese embora seja um instrumento de soft law[3].

Durante a discussão conjunta na generalidade, a 2 de outubro de 2021, o Partido Socialista (PS) defendeu que são necessários “mais estudos sérios e aprofundados, que permitam fazer um diagnóstico exaustivo dos padrões de jogo e de apostas”, sendo que podem “fazer sentido outras alterações ao código da publicidade de âmbito muito mais alargado”. Nessa ocasião, também o Partido Social Democrata (PSD) apelou a que se faça “uma intervenção mais vasta na prevenção e uma aposta de reforço de meios na saúde mental”, considerando que os problemas relativos à adição a jogos e apostas “vão muito além da alteração do código da publicidade”.

Entretanto, as quatro iniciativas legislativas baixaram à Comissão de Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação, para discussão sem votação, por 60 dias, na sequência dos requerimentos apresentados pelos seus autores.

Em face da decisão do Senhor Presidente da República de dissolução da Assembleia da República e de marcação de eleições legislativas antecipadas para 30 de janeiro de 2022, parece que teremos de aguardar eventuais avanços, neste plano, porventura, na próxima legislatura. Por ora, em linguagem de croupier: rien ne va plus, les jeux sont faits.


[1] A raspadinha corresponde à lotaria instantânea, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 314/94, de 23 de dezembro, que autorizou a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) a organizar e explorar, de modo exclusivo, este jogo, cujo Regulamento consta da Portaria n.º 552/2001, de 31 de maio.

[2] Daniela Vilaverde e Pedro Morgado, “Scratching the surface of a neglected threat: huge growth of Instant Lottery in Portugal”, in The Lancet, Volume 7, n.º 3, 2020.

[3] Cfr. Ponto 9 das Recomendações: “Na televisão e na rádio as comunicações comerciais e a publicidade a que se refere o presente artigo não deve ter lugar entre as 7 horas e as 22 horas e 30 minutos (…)”

PROGRAMA DIRETO AO CONSUMO COM O PROFESSOR MÁRIO FROTA

 


PROGRAMA DIRETO AO CONSUMO COM O 

PROFESSOR MÁRIO FROTA (...)

Guimarães avança com a campanha de separação e valorização de resíduos orgânicos

O Município de Guimarães vai avançar, já a partir de dia 21 de dezembro, com ações de sensibilização porta-a-porta para dar início à recolha de resíduos orgânicos, no Centro Histórico de Guimarães, alargando a 34% do território até julho de 2022 – antecipando as metas definidas nas normas da União Europeia.

Através de uma campanha inicial de sensibilização, estima-se que nos próximos três meses já seja possível capturar cerca de 80% dos resíduos orgânicos produzidos no Centro Histórico. Nos primeiros meses de 2022, esta campanha será alargada a todas as escolas do concelho e estabelecimentos de restauração da cidade, bem como em algumas freguesias limítrofes. O objetivo desta ação, assente na campanha designada por RRREVOLUÇÃO (Reduzir, Reutilizar e Reintegrar), visa incentivar os vimaranenses a identificar, reduzir e separar o lixo produzido no dia-a-dia, através de um conjunto de ações com benefícios ambientais e também na redução da Taxa de Gestão de Resíduos. Ler mais

Uma viagem ao espaço de Jeff Bezos polui mais que a maioria das pessoas numa vida inteira

 Um dos temas do momento é a nova corrida espacial que está a acontecer nos EUA. Finalmente começa a parecer (relativamente) simples fazer uma viagem ao espaço, com uma das várias empresas que já oferecem esse serviço, ainda que não estejam ao alcance de todos em termos monetários.

O que muitos não contam é o impacto negativo que este turismo espacial terá. Um novo relatório vem colocar o dedo na ferida e mostrar de forma clara o que não é óbvio. Uma viagem ao espaço de Jeff Bezos polui mais que a maioria das pessoas numa vida inteira. Ler mais

Governo pode impor máscara na rua sem “luz verde” do Parlamento a partir de quinta-feira


 A partir desta quinta-feira, o Governo vai poder tornar obrigatório, por resolução do Conselho de Ministros, o uso de máscara na rua quando não seja possível o distanciamento social. 

 Caso haja necessidade, o Governo vai poder tornar obrigatório, a partir de quinta-feira, o uso de máscara de proteção na rua, nas situações em que o distanciamento social não seja possível. A medida tinha sido proposta pelo PS e aprovada pelo Parlamento antes da dissolução, tendo sido publicada no Diário da República esta quarta-feira.

Nos termos da lei da Assembleia da República, através de resolução do Conselho de Ministros, o Executivo pode “determinar a obrigatoriedade do uso de máscara por pessoas com idade a partir dos 10 anos para o acesso, circulação ou permanência nos espaços e vias públicas sempre que o distanciamento físico recomendado pelas autoridades de saúde se mostre impraticável”, lê-se no diploma. Ler mais

CHO cria Laboratório de Biologia Molecular

 O Hospital das Caldas da Rainha tem a funcionar um Laboratório de Biologia Molecular, num investimento de 180 mil euros, para permitir a mais rápida identificação de surtos de covid-19.

O Laboratório de Biologia Molecular (LBM) vem aumentar a capacidade de resposta do Centro Hospitalar do Oeste (CHO), que “não possuía infraestruturas adequadas nem direcionadas ao diagnóstico do SARS-CoV-2”, encontrando-se, desde o início de pandemia de covid-19, “muito dependente da capacidade de resposta de prestadores externos para fornecer resultados dos testes”, divulgou o CHO em comunicado.

O laboratório foi criado no Serviço de Patologia Clínica, que passou assim a ter “uma capacidade laboratorial que garanta um tempo de resposta mais consentâneo com as necessidades de organização interna hospitalar e, em particular, dos fluxos dos doentes covid e não-covid”, lê-se no comunicado divulgado.

O investimento resulta de uma candidatura ao Programa de Financiamento Centralizado do Plano de Expansão da Capacidade Laboratorial do Serviço Nacional de Saúde para diagnóstico de SARS-CoV-2, coordenado pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge.

A criação do laboratório no Hospital das Caldas da Rainha implicou a realização de obras de expansão da capacidade laboratorial, bem como a aquisição de equipamentos laboratoriais específicos.

A equipa do LBM é coordenada por uma especialista (médica), e incluirá cinco especialistas (médicos e farmacêuticos) e quatro técnicos de Diagnóstico e Terapêutica.

De acordo com a administração do CHO, “a criação desta estrutura irá permitir a identificação mais rápida de casos e de surtos da doença covid-19, o que irá agilizar a prestação de cuidados de saúde aos doentes”.

A nova valência, vocacionada para o estudo de doenças infecciosas, irá também “possibilitar resposta a outras necessidades sentidas nesta área”, considerando o CHO que se trata de “um investimento muito relevante em fase pandémica, mas que manterá a utilidade após cessação deste período”, pode ler-se no comunicado.

O CHO sublinhou ainda que o novo laboratório constitui para os profissionais da instituição “uma oportunidade de expansão do conhecimento dentro da especialidade de Patologia Clínica, nomeadamente da metodologia de PCR e da investigação de outras doenças infecciosas com impacto, por exemplo, no controlo da infeção hospitalar”.

Ventilador desenvolvido pela Marinha entra em fase de comercialização

 O ventilador mecânico Nortada X-95 desenvolvido pela Marinha vai ser entregue a 10 de dezembro a uma empresa, dando início à última fase do projeto, dedicada à industrialização e comercialização, anunciou a Autoridade Marítima Nacional (AMN).

A Autoridade adiantou, numa informação disponível no seu ‘site’, que o ventilador vai ser certificado e posteriormente comercializado, após ter sido testado em exames realizados em laboratório acreditado na Alemanha.

O ventilador, que foi pensado na Célula de Experimentação Operacional de Veículos não tripulados (CEOV) da Marinha e desenvolvido em parceria com a empresa Ricardo & Barbosa, Lda. (R&B) durante 18 meses, materializa a resposta à pandemia de Covid-19.

“De referir que este projeto conduzido pelo CEOV foi sempre multidisciplinar e procurou envolver as mais diferentes áreas, desde a área médica, à área operacional, com destaque para os mergulhadores, à área da engenharia, Escola Naval e até pela Banda da Armada, que colaborou nos sons do ventilador, entre muitas outras”, explicou a AMN.

De acordo com a AMN, este projeto visa responder a uma necessidade da sociedade “consubstanciado numa parceria entre a Marinha e a Indústria Nacional”.

Os trabalhos associados ao desenvolvimento do ventilador assentaram num regime de consórcio de colaboração entre o Ministério da Defesa Nacional – Marinha e a empresa Ricardo & Barbosa, Lda., no qual a Marinha assume o papel de liderança do consórcio.

O projeto Nortada contou ainda com o apoio do programa COMPETE 2020 no âmbito do Sistema de Apoio à I&D.

Perspetiva sobre as tecnologias e processos no setor farmacêutico

 
No nosso pequeno mundo, temos notado, em particular nos dois últimos anos, uma presença estratégica dos medicamentos e produtos farmacêuticos. Será importante abordarmos algumas das questões que impulsionam, regulam e permitem a chegada aos cidadãos europeus destes produtos, com a necessária certificação e acreditação.

Procuraremos, nesta revista, perceber as novidades que se apresentam nesta área da saúde, na busca de novas soluções tecnológicas para a produção de novos fármacos. A tecnologia farmacêutica, tal como todas as outras, tem sofrido um desenvolvimento exponencial, sendo um dos passos mais marcantes a sequenciação do genoma humano.

O SNS e as farmácias comunitárias fizeram importantes parcerias na última década, tendo sido criada uma rede de proximidade ao cidadão, que se exige possa ser melhorada e tornada mais eficaz.

No que respeita à investigação, estão a ser desenvolvidas ferramentas de manutenção de condição e de manutenção preditiva, recorrendo a ferramentas de Inteligência Artificial para classificação e predição, de curto e longo prazo.

Nesta área, e em ligação umbilical à indústria farmacêutica, procuramos novas abordagens para o tratamento e prevenção de doenças infecciosas causadas por bactérias multirresistentes.

Mas dizem os entendidos que a nossa era é digital e, assim, poderemos perguntar que papel podem a saúde digital e a inteligência artificial desempenhar na prestação dos cuidados farmacêuticos.

Todas estas questões serão tratadas nesta revista, sob a forma de respostas, propostas ou descrições sustentadas no conhecimento de cada um dos autores convidados.

Com uma primeira abordagem sobre o desenvolvimento humano poderemos questionar como será possível conciliar diferentes abordagens para este desenvolvimento, sustentando o binómio que permite expandir as liberdades humanas e diminuir as pressões sobre o planeta.

José Batista e Nelson Baltazar

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Vice Presidente da apDC - associação portugues de Direito do Consumo


 

"Mens sana in corpore sano", proclamava juvenal, mal antevendo o romano, o "quadro" em Portugal


 

Rute Couto, eleita vice-presidente do Conselho diretivo da apDC - associação portuguesa de Direito do Consumo


Rute Couto, Professora Doutora, Diretora de Curso do CTeSP em Serviços Jurídicos e Membro da Comissão de Curso da Licenciatura em Solicitadoria da EsACT-IPB, foi eleita vice-presidente do Conselho diretivo da apDC - associação portuguesa de Direito do Consumo, para o triénio 2021-2024. A EsACT acolhe desde 2009 a sede da Delegação de Trás-os-Montes da apDC, que organiza anualmente as Jornadas Transmontanas de Direito do Consumo.


COMUNICAÇÕES ELECTRÓNICAS O ACESSO A CANAIS LIVRES DE PUBLICIDADE

 

Quem contrata, nas comunicações electrónicas, um pacote em que se incluam canais com filmes e séries parte do pressuposto que os verá sequencialmente, sem cortes nem injunções inopinados.

Quem contrata televisão por cabo, em meio a outros serviços, paga, nessa exacta medida, por algo livre de escolhos.

De forma manifestamente abusiva, as empresas, nada concorrenciais perante as suas congéneres europeias, ainda carregam as famílias com pesados blocos de publicidade, de que auferem somas caladas.

A carga de tais blocos com que se “brinda” os espectadores é algo de excessivo, ferindo equilíbrios e razoabilidade…

Mal principia o filme e há logo um espaço de publicidade, de duração variável e em proporção inimaginável (dos 59 segundos aos cinco minutos): e o fenómeno arrasta-se até ao termo da película.

A impotência dos consumidores esbarra na sobranceria, apanágio de empresas que repartem entre si o mercado.

Se os canais são já financiados pela publicidade o seu acesso pelos consumidores terá de ser gratuito.

Não é lícito que se ofereça um sem-número canais cuja vocação é a da apresentação de películas e, por tabela, os consumidores suportem publicidade a rodos, num desmedido desrespeito a que há que pôr cobro,

Os consumidores estão, afinal, a pagar duplamente o serviço: com o preço da assinatura  e com a publicidade cujos custos indirectamente suportam no mercado. E as empresas a receber a “dois carrinhos”…

Há um enriquecimento injusto das empresas através da mensalidade que se exige do consumidor [ou, ao menos, da parte que lhe cabe pela adjunção dos canais, de par com a telefonia fixa, a móvel, a internet, outras formas de transmissão de dados…]. E da publicidade que vendem em tais espaços.

Mas há também uma desprogramação incrível, o que leva as operadoras a repetir, quase sucessivamente, os mesmo filmes, fazendo com que a oferta seja limitada, muito reduzida, numa angustiante  situação de frustração de expectativas e direitos, sem que se inscrevam pontual e expressamente no contrato de adesão que os consumidores subscrevem sem hipótese de influenciarem o seu conteúdo.

Até quando abusarão da nossa paciência?

 

Mário Frota

Presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

As CLÁUSULAS ABUSIVAS nos Contratos Pré-elaborados

 


PORTUGAL


Novidades em Perspectiva

As CLÁUSULAS ABUSIVAS nos Contratos Pré-elaborados

(Artigo a publicar hoje, 14 de Dezembro de 2021, no Portal do PROCONS RS por amável deferência do director da Escola Superior de Defesa do Consumidor, Dr. Diego Ghiringhelli de Azevedo)

O ordenamento jurídico pátrio terá sido valorizado com a criação de uma Comissão das Cláusulas Abusivas por Lei de 27 de Maio.

O Parlamento conferiu ao Governo mandato para a a regulamentação da lei em sessenta dias, naturalmente após a publicação da lei (26 de Julho de 2021), sendo certo que predefinira o seu começo de vigência para 25 de Agosto.

Ora, o Governo mostrou-se relapso, deixando passar as datas e, no momento em que o autor alinhava estas linhas, ainda não há um qualquer regulamento. E já transcorreu um enorme lapso de tempo: cerca de 140 dias…

O governo - tarde e a más horas – regulamentará, decerto, a lei.

Sabe-se que terá sido aprovado em Conselho de Ministros um texto, cujo teor integral se ignora.

De um projecto a que houvemos acesso, ter-se-ão introduzido modificações na lei que remonta a 1985 e, ao que parece, nela se abre novo capítulo – o VII –, como aditamento à sua versão original.

Pelo projecto a que houve acesso, poder-se-á esboçar, ainda que sem firmeza, e após correcções, o desenho que segue:

Sistema Administrativo de Controlo de Cláusulas Contratuais Abusivas

1. Escopo

O sistema administrativo de controlo e prevenção de cláusulas abusivas visa prevenir a adopção de condições gerais dos contratos proibidas em quaisquer suportes de pré-adesão.

À Comissão incumbe proceder à análise de contratos que adoptem condições gerais dos contratos em circulação no mercado, com vista a prevenir e fazer cessar as que por lei se consideram proibidas, tanto absoluta quanto relativamente.

Compete à Comissão operacionalizar o sistema administrativo de controlo e prevenção de cláusulas abusivas.

2. Comissão das Cláusulas Contratuais Gerais: composição

A Comissão criada no seio do Ministério da Justiça e do da Política de Consumidores, de natureza independente, é composta pelos seguintes membros:

§ O Director-Geral do Consumidor ou seu representante;

§ O Director-Geral da Política de Justiça ou seu representante;

§ Um representante da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica;

§ Um magistrado judicial indicado pelo Conselho Superior da Magistratura;

§ Um magistrado judicial indicado pela indicado pelo Conselho Superior do Ministério Público;

§ Duas personalidades de reconhecido mérito da academia na área do Direito;

§ Três representantes das associações de consumidores de âmbito nacional e interesse genérico;

§ Três representantes das associações empresariais dos sectores de actividade económica;

Com excepção do membro representante da autoridade de segurança alimentar e económica, indigitado pela cúpula do Regulador, os demais membros da Comissão, em representação da Academia e das associações de consumidores e de interesse económico, designados pelas respectivas entidades, são nomeados por despacho dos membros do Governo titulares das pastas da Justiça e da Defesa do Consumidor.

3. Suporte administrativo da Comissão

À Direcção-Geral do Consumidor compete assegurar os trabalhos de secretariado da Comissão, através, designadamente, de competente apoio técnico-administrativo. De forma permanente e competente.

4. Remunerações dos membros da Comissão

O modo de funcionamento da Comissão das Cláusulas Contratuais Gerais, tal como a designou o legislador, e a remuneração dos seus membros são aprovados por portaria dos membros do Governo titulares das pastas da defesa do consumidor e da justiça.

À Comissão compete, a despeito, a elaboração do seu próprio regulamento interno.

5. Poderes da Comissão das Cláusulas Contratuais Gerais

No âmbito do sistema administrativo de controlo e prevenção de cláusulas abusivas, a Comissão:

§ Procede à análise de contratos com uso de cláusulas

contratuais gerais que se encontrem no mercado, com vista a prevenir e fazer cessar a utilização de cláusulas consideradas proibidas por decisão judicial ou administrativa, nos termos do diploma de referência;

§ Solicita contratos com uso de cláusulas contratuais gerais aos seus proponentes, para os efeitos de apreciação e apuramento da existência de cláusulas abusivas;

§ Emite parecer sobre o carácter abusivo das cláusulas contratuais gerais constantes de contratos, mediante solicitação dos respectivos proponentes ou de autoridades reguladoras e fiscalizadoras sectorialmente competentes;

§ Dirige recomendações aos proponentes de contratos assentes em condições gerais, visando prevenir a utilização de condições gerais consideradas abusivas, nos termos dos artigos respectivos da Lei das Condições Gerais dos Contratos;

§ Emite determinações que ordenem a remoção de condições gerais dos contratos consideradas abusivas, nos termos de tais dispositivos.

6. "Audiatur altera pars": o contraditório

A Comissão deve ouvir os proponentes de contratos com base em condições gerais previamente à emissão de pareceres, recomendações ou determinações a tal respeito, bem como a entidade reguladora sectorial, caso o proponente actue em sector económico regulado.

Os pareceres, as recomendações e as determinações da Comissão são obrigatoriamente publicados no Portal das Cláusulas.

A Comissão das Cláusulas deve comunicar os pareceres e recomendações emitidos às autoridades competentes, sem prejuízo da publicidade constante do suporte que é o do Portal das Cláusulas.

7. Cooperação entre a Comissão e as Entidades Regulatórias e Fiscalizatórias

A Comissão e as autoridades reguladoras e fiscalizadoras sectorialmente competentes cooperam entre si, designadamente através de resposta a pedidos de informações ou de emissão de pareceres.

No caso de condições gerais adoptadas em sectores de actividade regulados, o exercício de tais competências depende de parecer prévio vinculativo da respectiva autoridade regulatória sectorialmente competente.

A Comissão pode promover a adopção de contratos-tipo nos diferentes sectores de actividade económica em colaboração com as autoridades sectorialmente competentes e com as associações representativas dos interesses dos consumidores e das actividades económicas, sem prejuízo do dever de observância das decisões judiciais que hajam decretado a invalidade de determinadas cláusulas.

8. Portal das Cláusulas Contratuais Gerais

É criado o Portal das Cláusulas Contratuais Gerais, da responsabilidade da Direcção-Geral do Consumidor, no qual são registados e publicitados:

§ Os pareceres, as recomendações e as determinações da Comissão;

§ Os modelos de contratos elaborados com recurso a condições gerais dos contratos e dispensados por prestadores de serviços públicos essenciais;

§ As decisões judiciais transitadas em julgado ou as decisões administrativas que constituam caso decidido que hajam proibido o uso de condições gerais dos contratos e respectivas recomendações, bem como as decisões judiciais transitadas em julgado que tenham declarado a nulidade de cláusulas inseridas em contratos singulares.

A Direcção-Geral do Consumidor é responsável pela informação carreada para o Portal, devendo assegurar a sua fácil compreensibilidade e actualidade.

No Portal se dará publicidade à lista de proponentes condenados pelo uso de condições gerais dos contratos proibidas.

O Portal assegura ainda a possibilidade de os predisponentes de contratos com o recurso a condições gerais dos contratos submeterem pedidos de parecer prévio à Comissão das Cláusulas Contratuais Gerais.

O funcionamento do Portal é regulamentado por portaria do membro do Governo com a pasta da Política de Consumidores.

9. Formulários de adesão dos Serviços Públicos Essenciais

Sem prejuízo do cumprimento de outros deveres de submissão ou depósito de formulários de que constem condições gerais dos contratos, sectorialmente aplicáveis, os prestadores de serviços públicos essenciais devem depositar, na Comissão, e antes da sua circulação no mercado, modelos dos contratos oferecidos aos consumidores pelo recurso a tais condições gerais.

Mediante portaria, a emitir pelo membro do Governo com a pasta Política de Consumidores, podem ser enumeradas outras áreas de actividade sujeitas ao dever de depósito dos modelos contratuais elaborados com recurso a condições gerais dos contratos, tal como se prevê no passo precedente.

10. Registo Nacional das Cláusulas Abusivas

Os dados constantes do Registo Nacional de Cláusulas Abusivas, nas bases de dados do Ministério da Justiça, transferir-se-ão para o Portal.

Incumbe à Comissão organizar e manter actualizado, no Portal, gerido pela Direcção-Geral do Consumidor, o registo das cláusulas abusivas comunicadas por quem de direito, nos termos anteriormente revelados.

Os registos constantes do Portal podem, mediante hiperligação, ser acedidos através da base de dados www.dgsi.pt.

11. Apreciação administrativa do carácter abusivo

As autoridades reguladoras e fiscalizadoras sectorialmente competentes verificam o carácter abusivo de cláusulas contratuais gerais utilizadas pelos operadores económicos que se encontrem no seu perímetro de supervisão, quando contrariem o disposto nos pertinentes lugares da Lei das Condições Gerais dos Contratos, proibindo consequentemente o seu uso.

As decisões destarte adoptadas são publicitadas no sítio electrónico da competente autoridade reguladora, comunicadas e remetidas em cópia, no prazo de 30 dias, à Comissão das Cláusulas Contratuais Gerais.

 Mário Frota

 Presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

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