Indenização determinada por júri do Estado da Flórida é a mais alta já concedida no país
Fumantes ganham ação de US$ 145 bi
MARCIO AITH
DE WASHINGTON
Na mais alta indenização judicial da história dos EUA, cinco
das maiores fabricantes de cigarros norte-americanas foram condenadas por um júri a pagar US$
145 bilhões como punição a danos
causados a fumantes numa ação
coletiva no Estado da Flórida.
A decisão não é definitiva e as
indústrias, lideradas pela Philip
Morris, maior fabricante de cigarros do mundo, informaram que
irão recorrer. "Nenhuma empresa no mundo, muito menos um
país, pode pagar uma indenização
como essa sem quebrar", disse,
depois da decisão, o advogado da
Philip Morris, Dan Webb. O valor
da indenização definida ontem
equivale a duas vezes tudo o que a
economia de um país como o Chile produz num ano.
O júri, composto por seis pessoas (apenas um fumante), ordenou a Philip Morris, fabricante do
"Marlboro", a pagar US$ 73,9 bilhões. A R.J. Reynolds foi condenada a pagar US$ 36,28 bilhões, a
Brown & Williamson, US$ 17,59
bilhões, a Lorillard Tobacco, US$
16,25 bilhões e a Liggett Group,
US$ 790 milhões. O júri condenou
ainda duas associações de pesquisa ligadas às indústrias a pagar indenizações menores.
Embora tenha provocado uma
ligeira queda no valor das ações
das fabricantes de cigarro em
Wall Street, a decisão não as afetou significativamente. "Os investidores acham que as indústrias
vão acabar ganhando esse processo nas instâncias superiores ou
postergando seu pagamento por
décadas", explicou à Folha David
Edelman, analista do setor tabagista do banco de investimentos
Morgan Stanley Dean Witter.
A ação coletiva foi movida inicialmente por dois fumantes com
câncer e pelo marido de uma terceira pessoa que morreu por danos causados pelo fumo. A novidade do caso é que, apesar dos
protestos da indústria do fumo, a
Justiça decidiu, em 1996, julgá-lo
como um processo coletivo, o que
abriu caminho para a indenização
anunciada ontem.
Por ser coletiva, a ação representa também os cerca de 700 mil
fumantes no Estado, ainda não
identificados. Se quiserem, esses
fumantes poderão ingressar no
processo como beneficiários e pedir indenizações adicionais específicas,
de caráter pessoal, chamadas de "indenizações compensatórias". No ano
passado, o mesmo
júri concedeu aos três autores iniciais da ação uma indenização de
US$ 12,7 milhões.
Caso a decisão de ontem não seja derrubada pelo tribunais superiores, os fumantes da Flórida não
precisarão provar que foram enganados pela indústria de cigarros para obter indenizações pessoais. Bastará mostrar que sofrem
ou sofreram algum tipo de doença relacionada com o fumo.
"Como os fumantes não foram
identificados, trata-se de uma decisão em favor de ninguém e não
terá impacto algum sobre a indústria", disse o advogado Webb.
"Mesmo se o julgamento prevalecer, seriam necessários 75 anos
para que todos os pedidos individuais fossem julgados. Só depois
disso é que a indústria começaria
a pagar alguma coisa." O advogado dos fumantes, Stanley Rosenblatt, discorda. "Isso ainda não foi
decidido pelo juiz", afirmou.
Mais novo perigo
As ações coletivas representam
a mais nova e perigosa frente judicial contra a indústria do fumo.
Em 1998, as principais indústrias
de cigarro nos EUA concordaram
em pagar US$ 246 bilhões, até o
ano de 2020, a 46 Estados norte-americanos que pediam indenizações pelos gastos que tiveram
com tratamento de saúde de
doenças causadas pelo fumo.
As indústrias chegaram a propor que o acerto incluísse também ações coletivas. As indústrias
pagariam um pouco mais, mas
evitariam sofrer ações coletivas
como a que foi julgada ontem. A
proposta foi descartada porque,
por limitar o direito de cidadãos
entrarem na Justiça, ela precisaria
ser aprovada pelo Congresso.
Desde 1998, já foram apresentadas 28 ações coletivas contra a indústria
do fumo. Ao menos 26 delas foram derrubadas sob o argumento de que não
se pode colocar
numa ação coletiva fumantes
com problemas de saúde diferentes e que começaram a fumar em
condições distintas.
Apenas a ação da Flórida foi julgada. Até hoje, as indústrias de cigarro não pagaram nada em
ações movidas por pessoas. Todas
as ações que resultaram em condenações foram derrubadas em
instâncias superiores.
A indenização fixada ontem é a
mais alta já determinada por um
júri norte-americano. A condenação anterior mais elevada, de US$
22 bilhões, havia sido concedida
em 1996 por um júri do Havaí em
favor de um caçador de tesouros
que dizia ter sido roubado pelo
ex-presidente filipino Ferdinand
Marcos. A decisão acabou reformada pelos tribunais superiores.