(22 de Dezembro de
2023)
Não troquem as voltas à
lei…
mas troquem os brindes
de Natal
“Andava para aí uma
empresa, travestida de associação de consumidores (a deco-proteste, lda.), a
convencer toda a gente de que a troca de brindes, pelo Natal ou em outras
épocas festivas, era um mero favor dos comerciantes, que bem podiam recusar-se
a fazê-lo porque nada na lei os obrigaria”.
Formulada a questão, eis o que se nos afigura a
propósito:
1. Na
ausência de regra expressa no ordenamento jurídico de consumo, há que recorrer
supletivamente ao Código Civil.
2. Nele
se disciplina quer a venda a contento
quer a venda sujeita a prova.
3. A
‘venda a contento’ é feita sob
reserva de a coisa agradar ao consumidor; a ‘venda sujeita a prova’ sob condição de a coisa ser idónea para o
fim a que se destina e ter as qualidades pelo vendedor asseguradas.
3.1.
A ‘venda
a contento’ [Código Civil: art.ºs 923 s] reveste duas modalidades:
3.1.1.
a primeira, como mera proposta de venda: a
proposta considera-se aceita se, entregue a coisa ao consumidor, este se não
pronunciar dentro do prazo da aceitação (8, 10, 15 dias, o que se fixar); neste
caso, não haverá pagamento porque não há contrato, mas mera entrega do valor da
coisa, a título de caução.
3.1.2.
a segunda, como contrato: há já um
contrato e não uma mera proposta contratual, a que se porá termo se a coisa não
servir ao consumidor ou a terceiro, se não for idónea para o fim a que se
destina; devolvida a coisa, restituir-se-á na íntegra o preço.
3.1.3.
Em caso de dúvida, presume-se que é a
primeira a modalidade adoptada: a da proposta contratual.
3.2.
A ‘venda
sujeita a prova’ [Código Civil:
art.º 925] depende, em princípio, de
uma condição suspensiva: i., é, aquela segundo a qual as partes
subordinam a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do
negócio; se servir, se for idónea, o negócio produz os seus efeitos normais,
se, pelo contrário, o não for, o contrato extingue-se.
3.2.1.
A prova deve ser feita dentro do prazo e
segundo a modalidade estabelecida pelo contrato ou pelos usos que têm valor
legal.
3.3.
Mas, na circunstância, poderá haver ainda
o recurso ao ‘princípio da autonomia da vontade’ [Código Civil: art.º 406], em
cujo n.º 2, sob a epígrafe “liberdade
contratual”, se diz:
“As partes podem ainda reunir no mesmo
contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na
lei.”
3.4.
E o facto é que os contratos celebrados
nestas circunstâncias (e é essa a vontade dos contraentes, fundidas em negócio
jurídico que – se assim não fora – nem os consumidores comprariam nem os
comerciantes venderiam) são-no com a faculdade de troca em um dado período de
tempo (que outrora fora de oito dias, pelo recurso paralelo ao prazo do proémio
do artigo 471 do Código Comercial, que, de resto, constava das notas emitidas
pelos estabelecimentos).
3.5.
Contrato que é um híbrido da venda a contento ou da venda sujeita a prova com consequências menos
gravosas para o comerciante que os verdadeiros e próprios contratos típicos,
nominados, como supra se definem, com a faculdade de troca do bem, já que se
pactua a substituição da coisa que não a sua devolução pura e simples com a
restituição do preço ao consumidor.
4. Não
se fale, pois, em favor ou em mera cortesia nem se diga que os fornecedores não
estão obrigados a efectuar as trocas com as consequências daí emergentes:
porque, em termos tais, a isso se obrigam, sem quaisquer reticências.
EM
CONCLUSÃO
a. A
“troca” de brindes, quiçá, a sua devolução, não constituem meros favores dos
comerciantes, das empresas, antes é algo que emerge dos contratos firmados ou
com a marca da lei ou no quadro da autonomia dos contraentes.
b. Ou
se trata de um contrato de venda a
contento (“ad gustum”) feito sob
reserva de a coisa agradar ao consumidor (Código Civil: art.ºs 923 e ss).
c. Ou
de um contrato de venda sujeita a prova
que depende, em princípio, de uma
condição segundo a qual o negócio se torna perfeito se a coisa servir, se for
idónea para o fim a que se destina
(Código Civil: art.º 925).
d. O
efeito será sempre o da devolução da coisa e o da restituição do preço.
e. Se
se tratar de um contrato celebrado em vista, não da devolução da coisa e da
restituição do preço, antes da sua substituição, segundo os usos (com valor de
lei), é-o no âmbito da autonomia da vontade das partes que podem modelar os
contratos a seu bel talante (Código Civil: art.º 406).
Tal
é, salvo melhor juízo, o meu parecer.
Mário
Frota
presidente
da apDC – DIREITO DO CONSUMO -,
Portugal.