CONSULTÓRIO
DO
CONSUMIDOR
(Diário
‘As Beiras’, Coimbra, edição de 13 de Outubro de 2023)
Fidelização
como sujeição, sujeição como escravidão?
“Surpreendentemente, o
contrato associado ao meu telefone móvel aparece-me com uma duração de três
anos.
Explicando: fui há cerca
de ano e meio contactado pela Vodafone para celebrar um contrato de serviço
telefónico. A iniciativa partiu da operadora. Nada assinei. E, ao pretender
agora mudar, confronto-me com uma contrato de duração anormal, cuja ruptura, dizem-me,
me vai acarretar o pagamento das mensalidades que se vencerem até final.”
Apreciando, cumpre responder:
1. O
contrato foi celebrado ainda na vigência da Lei antiga (Lei 5/2004, de 10 de
Fevereiro).
2. Se
o contacto telefónico em vista da celebração do contrato tiver sido da
iniciativa da empresa, o que a lei
estabelece [e é válido ainda para os contratos celebrados também na vigência da
Lei Nova (Lei 16/22, de 16 de Agosto)] é que
“
… o prestador do serviço […] deve facultar ao consumidor, antes da celebração
do contrato, sob pena de nulidade deste, todas as informações [o clausulado
da lei constante], ficando o consumidor vinculado apenas depois de assinar proposta contratual ou enviar o seu consentimento
escrito ao … prestador de serviços” [Lei 5/2004: n.º 3 do art.º 48].
3. Logo,
se tal se não observou, o contrato é
nulo (e de nenhum efeito).
4. A
nulidade é invocável a todo o tempo e por qualquer interessado e pode ser
apreciada oficiosamente pelo tribunal [Cód. Civil: art.º 286].
5. Se
a iniciativa do contacto coubesse ao consumidor (e não coube), o contrato
considerar-se-ia celebrado, mas a operadora deveria confirmá-lo no lapso de
cinco dias mediante a apresentação do inteiro clausulado [“O … prestador de
serviços deve confirmar a celebração do contrato à distância, em suporte
duradouro, no prazo de cinco dias contados dessa celebração e, o mais tardar,
no momento … do início da prestação do serviço.
A
confirmação do contrato… realiza-se com a entrega ao consumidor das informações
pré-contratuais…” [DL 24/2014: art.º 6.º], sob pena de ineficácia. Num caso ou
noutro, o consumidor beneficiaria sempre de um período de 14 dias para se
retractar (para dar o dito por não dito), sem prejuízo de outras considerações.
6. No
que tange, porém, à duração do contrato, estabelecia a Lei Antiga, no n.º 5 do
seu artigo 48, que “o período de fidelização… não pode ser superior a 24 meses,
sem prejuízo do disposto no número seguinte.
7. E,
no número seguinte se estatuía que “excepcionalmente, podem estabelecer-se
períodos adicionais de fidelização, até ao limite de 24 meses, desde que,
cumulativamente:
a)
As alterações contratuais impliquem a actualização de equipamentos ou da infra-estrutura
tecnológica;
b)
Haja uma expressa aceitação por parte do consumidor.”
7. Ainda que o contrato
fosse válido, só se poderia, ao tempo, alongar a ‘fidelização’ se se cumprissem
os requisitos ali enunciados: e tal também se não observou, ao que parece.
8. Logo, pode o
consumidor invocar a nulidade do contrato e mudar, a seu bel talante, de
empresa que encargos nenhuns terá de satisfazer.
EM
CONCLUSÃO
a. Tanto
na Lei Antiga como na Lei Nova das Comunicações Electrónicas,
os contratos com os consumidores celebrados por telefone regem-se pela Lei dos
Contratos à Distância [DL 24/2014; Lei 5/2004: art.º 48; Lei 16/2022: n.º 1 do
art.º 120].
b. Se
o contacto inicial com vista à celebração do contrato tiver sido da iniciativa
da empresa de comunicações, o contrato só se considera válido se o consumidor
der o seu consentimento expressamente por escrito ou assinar a proposta
contratual, antecipadamente apresentada para o efeito [Lei 5/2004: n.º 3 do
art.º 48].
c. Se
tal se não observar, o contrato é nulo, não produzindo quaisquer efeitos [Lei
5/2004: n.º 3 do art.º 48].
d. A
nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser
declarada oficiosamente pelo tribunal [Cód. Civil: art.º 286].
e. A
nulidade tem eficácia retroactiva [Cód. Civil: n.º 1 do art.º 289].
f. Logo,
é irrelevante a pretensa fidelização por 3 anos, que estaria também sujeita, à
luz da Lei Antiga, a requisitos que se não observaram [Lei 5/2004: n.º 6 do
art.º 48].
Tal é, salvo melhor
juízo, o nosso parecer.
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal