“Fui à Worten à cata de
um tinteiro para a impressora e, sem o saber, vim de lá com um outro contrato,
por um ano, renovável. Nada me foi explicado. Só me disseram: temos uma
modalidade em que ao comprar os tinteiros pode recarregá-los gratuitamente três
vezes por ano.
Pediram-me os documentos
e eu, inocentemente, dei-lhos. Julgava que era para a garantia, mas não, foram
usados para uma assinatura digital, nem sei o que isso é.
Fiquei danado, quando vim
ao e-mail
e vi que tinha assinado contrato e tudo, sem disso dar conta. Desagradável, a
surpresa. Nada há que possa fazer?”
Cumpre elucidar:
1. A Lei-Quadro de Defesa do Consumidor - LDC, no n.º 1 do seu art.º 9.º,
estabelece:
“O consumidor tem direito
à protecção dos seus interesses económicos, impondo-se nas relações jurídicas
de consumo… a lealdade e a boa-fé, nos preliminares, na formação e [no decurso
d]o contrato.”
2. E
o n.º 1 do art.º 8.º [“direito à
informação em particular”] dispõe:
“1 - O fornecedor… deve,
tanto nas negociações como na fase de celebração do contrato, informar o
consumidor de forma clara, objectiva e adequada,… , nomeadamente sobre:
a) As características principais dos bens
ou serviços, tendo em conta o suporte utilizado para o efeito e considerando os
bens ou serviços em causa;
c) Preço total dos bens ou serviços,
incluindo os montantes das taxas e impostos, os encargos suplementares de
transporte e as despesas de entrega e postais, quando for o caso;
f) As modalidades de pagamento, de
entrega ou de execução e o prazo de entrega do bem ou da prestação do serviço,
…;
g) Sistema de tratamento de reclamações
dos consumidores…;
h) Período de vigência do contrato … ou,
se o contrato for…de renovação automática, as condições para a sua denúncia ou
não renovação, bem como as respectivas consequências…;
i) A existência de garantia de
conformidade dos bens, …, com a indicação do respectivo prazo, e, quando for o
caso, a existência de serviços pós-venda e de garantias comerciais, com
descrição das suas condições;
l) As consequências do não pagamento do
preço do bem ou serviço.”
3. Um contrato do estilo (imposto, forçado, com
‘mãozinhas delicadas’…), é susceptível de impugnação (LDC: n.º 4 do art.º 8.º ):
“Quando se verifique
falta de informação, informação insuficiente, ilegível ou ambígua…, o
consumidor goza do direito de retractação do contrato…, no prazo de sete dias úteis a contar da data de
recepção do bem ou da data de celebração do contrato de prestação de serviços.”
4. No entanto, o DL 24/2014, de 14 de Fevereiro,
vai mais longe e diz no seu art.º 28:
“1 - É proibida a
cobrança de qualquer tipo de pagamento relativo a fornecimento não solicitado
de bens ou serviços…
2 - Para efeitos do
disposto no número anterior, a ausência de resposta do consumidor na sequência
do fornecimento ou da prestação não solicitados não vale como consentimento.”
5. Os efeitos de tais fornecimentos são os da
extinção do pretenso contrato por meio da figura da resolução, com efeitos
retroactivos.
EM
CONCLUSÃO
a. O consentimento, nos contratos de
consumo, tem de ser livre, esclarecido e ponderado.
b. Tanto nos preliminares como na fase da
conclusão do contrato, há que prestar um sem número de informes sem os quais o
contrato não será regularmente celebrado (LDC: n.º 1 do art.º 8.º).
c. Em geral, em tais hipóteses, é lícito ao consumidor pôr
termo a tal acto nos sete dias subsequentes (LDC: n.º 4 do art.º 8.º)
d. No entanto, no caso em apreço, estaremos perante um pretenso
contrato celebrado à revelia do consumidor; que a ninguém é lícito aceitar o
que dissimuladamente se faz com vantagens para a contraparte e a exploração da
ignorância de quem se vê perante termos que não aceitara, pelo que não há
sequer lugar à cobrança do preço: não há contrato, não há preço, o silêncio não
vale consentimento (DL 24/2014: art.º 28).
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal