quinta-feira, 11 de agosto de 2022

Posso Comer? — Se pensava que os grelhados são mais saudáveis... é melhor ler isto

 


A partir de hoje o Observador tem mais uma newsletter. É assinada pela nutricionista Mariana Chaves, autora do podcast “Aprender a Comer”, um dos maiores sucessos da Radio Observador, e, como já terá adivinhado, será sobre… comida saudável. Ou melhor: sobre comida saudável que podemos preparar, comida menos saudável que devemos evitar e muitas dicas sobre algumas compras do dia a dia que nos podem ajudar a ter uma alimentação melhor.

Tal como acontece às terças-feiras, quando a Mariana conversa com o painel das Tardes em Directo no podcast, não vai encontrar aqui grandes tratados sobre hidratos de carbono, pareceres científicos sobre gorduras ou estudos académicos sobre proteínas e vitaminas. Encontrará, isso sim, uma série de sugestões para planear uma refeição, escolher uns snacks para petiscar enquanto vê um filme ou preparar os lanches das crianças. Tudo numa linguagem acessível, mas fundamentada do ponto de vista científico. E porque queremos justamente assumir o lado prático nesta newsletter sobre comida, o nome não poderia ser outro: “Posso Comer?” Todas as semanas a Mariana Chaves vai responder a esta questão.

Esta newsletter faz parte de um conjunto de novas iniciativas que estamos a preparar para os nossos assinantes e que já arrancou com a newsletter “Coisas de Família”, lançada no mês passado, da autoria de Sónia Morais Santos. Subscreva a newsletter para continuar a receber este conteúdo semanalmente.

 

 

Tudo o que sempre quis saber sobre grelhados e nunca teve coragem de perguntar: eis a verdade nua e crua (ou bem passada)

Sendo Portugal um país mediterrânico, temos na nossa cultura culinária muitos pratos saudáveis que são presença regular na mesa das férias de verão. É o caso da salada algarvia, com tomate, pimento, pepino e azeite. Ou a salada de polvo, rica em vegetais e gordura saudável. Ou as cenouras avinagradas, que contribuem para um melhor controlo da glicémia da refeição. Mas podemos acrescentar também as amêijoas ou conquilhas à Bulhão Pato, ricas em cálcio, proteína magra e zinco, com um bom aporte de vitamina A e vitaminas do complexo B.

Enquanto esperamos pela refeição, as cenouras em palitos são uma ótima fonte de fibra e betacaroteno – e é fácil tê-las preparadas no frigorífico, conservadas em água. As azeitonas são outra boa solução, graças ao baixo índice glicémico, que será o factor mais relevante quando pensamos em entradas. São também ricas em ácido oleico e polifenóis que nos enriquecem a refeição com antioxidantes. Mas, sendo um alimento calórico e também com alguma controvérsia face à presença de um composto potencialmente cancerígeno – a acrilamida –, deve restringir-se a quantidade consumida diariamente.

Já os famosos tremoços podem-se comer em muito maior quantidade, devido à sua riqueza nutricional e por terem um baixo valor calórico. Tratando-se de uma leguminosa, fornecem proteína e fibra que nos permite ficar saciados e entretidos, ajudando a combater a fome de fim de dia. Assim como as azeitonas, os tremoços permitem que a glicemia fique estável – o açúcar no nosso sangue não se altera significativamente – e por isso fazem parte das entradas saudáveis para o verão.

Mas quando se pensa no prato principal, muitos portugueses adoram a grelha nas suas férias. No entanto, para os que pensam que esta técnica culinária é a mais saudável… tenho más notícias. As carnes gordas, quando submetidas a altas temperaturas, libertam uma gordura que cai sobre a fonte de calor e origina, frequentemente, uma chama que carboniza o alimento. Ora, sempre que isto ocorre com uma proteína animal (e quando esta é exposta a temperatura elevada), produzem-se compostos considerados cancerígenos e mutagénicos, ou seja, que têm a capacidade de mudar os nossos genes e por isso com risco para a nossa saúde – são as chamadas aminas heterocíclicas.

Porém, os grelhados podem ser adaptados para serem mais saudáveis. A produção destes compostos, por exemplo, pode ser combatida se marinarmos a carne antes de a colocar na grelha. Essa marinada implica uma substância ácida, que poderá ser sumo de limão, vinho branco, cerveja (de preferência preta) ou até um iogurte.

O melhor é ter sempre um limão à mão se for amante da grelha. Desta forma estará a utilizar uma ferramenta fácil e rica em antioxidantes para prevenir a formação destes compostos. Alguns estudos revelam que bastariam quarenta minutos de uma marinada de carne de porco para que se reduza a produção de aminas heterocíclicas de 330ng/g para 44ng/g.

E nestas marinadas conseguimos um maior efeito protetor se juntarmos ainda condimentos como ervas aromáticas e especiarias (manjericão, alecrim, pimenta, alho ou gengibre, por exemplo). Além de azeite, claro, graças às propriedades antioxidantes.

Bem ou mal passado? Outro dos fatores identificados para diminuir a produção das aminas heterocíclicas é a duração da confeção: quanto mais tempo expostos ao calor, maior será a concentração. Assim, a carne bem passada terá mais quantidade destes compostos quando comparada com a carne mal passada. Também se verificou que, a temperaturas abaixo de 160ºC, não se formam aminas heterocíclicas, mas aí já falamos de um tipo de confeção diferente.

A quantidade produzida destes compostos varia proporcionalmente com a quantidade de gordura, sendo por isso maior a concentração numa febra por oposição a um peito de frango. Ou num salmão em vez de uma dourada. Exato, leu bem: falo de peixe. É que a produção de aminas heterocíclicas não é exclusiva da carne. A diferença é que o peixe grelhado acaba por ter menor quantidade destes compostos. Alguns investigadores acreditam que isto se deve a várias razões, como o facto de os peixes terem uma maior concentração de água do que a carne, mas também por serem ricos em gordura polinsaturada, que tem uma ação antioxidantes.

Bons grelhados e bom verão.

Verdadeiro ou falso? Quando como uma maçã fico com fome

Verdadeiro. Quando ouvir alguém dizer isso, não duvide. Não é comum a todas as pessoas mas diria que é frequente e tem uma justificação científica. Após consumirmos uma peça de fruta, temos um curva de glicémia correspondente à quantidade de frutose da maçã (açúcar da fruta) e ao conteúdo em fibra presente nessa refeição. Sempre que temos uma curva de glicemia que cresce muito rapidamente, teremos uma descida de glicémia mais acentuada e, portanto, mais fome. O ideal será juntar alguma fibra para que a absorção da frutose seja mais lenta – como cenoura crua, frutos secos, rodelas de pepino ou tostas integrais. E assim conseguimos não ter fome depois de comer uma maçã.

Uma pergunta frequente nas consultas: quantas bolas de Berlim posso comer nas férias?

Apesar de não ser um doce tradicional português, é um doce adorado em muitas praias portuguesas. Sendo a bola de Berlim um frito rico em gordura de má qualidade, rico em açúcar e rico em farinhas brancas, esta é das perguntas mais difíceis de responder. Costumo dizer que a nossa saúde não é reflexo das exceções mas sim das rotinas. Assim sendo, prefiro aconselhar a que levem fruta, frutos secos e cenoura para a praia e acho que um bom consenso seria consumir uma bola de Berlim por semana – com a “condição” de consumir antes alguma boa fonte de fibra como um pedaço de cenoura ou os frutos secos.

Uma sugestão de leitura: Comer para Vencer o Cancro, de Paula Fonseca e Belén Álvarez, ed. Lua de Papel

Um livro simples e prático escrito por uma oncologista e por uma química especialista em nutrição. Traz-nos conselhos de alimentação na prevenção da doença oncológica mas o destaque vai para os conselhos nutricionais ao paciente que está ou esteve em tratamentos, sempre tendo em vista a boa tolerância a estes. Os familiares que por vezes se sentem perdidos podem encontrar aqui algumas linhas orientadoras – sem prejuízo de pedirem sempre uma opinião clínica para validar as escolhas.

 Gostou desta newsletter? Tem dúvidas sobre alimentação que gostaria de esclarecer? Escreva-me para marianachaves@observador.pt.
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Mariana Chaves é nutricionista clínica, autora do podcast Aprender a Comer, na Rádio Observador, e do livro Dieta Única (ed. Guerra e Paz, 2016) [ver o perfil completo].

   
  
 
 


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