WORTEN:
mas que “despautério”!
E
que coisa inclemente…
Na ‘Capital
do Império”
O “Tribunal Competente”!
Das Condições Gerais dos Contratos oferecidas em geral à massa de consumidores
pela WORTEN, S.A., consta do § 2.º -
cláusula 13 -, sob a epígrafe “Lei e Foro”, dos “Termos de Uso”, que:
“Todos os litígios emergentes da
interpretação ou execução do presente acordo serão dirimidos pelo Tribunal da
Comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro.”
Nos termos de uma tal “condição geral”, estabelece-se, como
foro competente para todos os litígios emergentes do clausulado, o Tribunal da
Comarca de Lisboa.
Sem eventual
justificação para o efeito, como o asseveram as instâncias!
O Ministério Público,
no articulado da acção inibitória instaurada perante o Juízo Cível de
Matosinhos, da Comarca do Porto, entendera como proibida uma tal condição geral
“por
contender com valores fundamentais do direito”, salvaguardados pelo princípio geral
(Generalklauseln) da boa-fé (art.ºs 15
e 16 da Lei das Condições Gerais dos Contratos - LCGC), em concreto.
Ademais, uma tal
“condição geral”, convertida em cláusula nos contratos singulares, contende
ainda com lei imperativa, nos caso, com o n.º 1 do actual art.º 71 do Código de
Processo Civil, na redacção introduzida pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho, que nos seus dizeres é significante:
“1
- A acção destinada a exigir o
cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo
cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento é proposta no tribunal do domicílio do [demandado], podendo o credor optar pelo
tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o [demandado]
seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio do credor na área
metropolitana de Lisboa ou do Porto, o [demandado] tenha domicílio na mesma
área metropolitana.
2 - Se a acção
se destinar a efectivar a responsabilidade civil baseada em facto ilícito ou
fundada no risco, o tribunal competente é o correspondente ao lugar onde o
facto ocorreu.”
A condição geral de que
se trata, tal como se mostra redigida, não designa as questões concretas para
as quais o Tribunal de Comarca de Lisboa, o “escolhido”, tem competência, nem
especifica os factos susceptíveis de a originar, limitando-se a uma fórmula
vaga e abstracta.
“A sua redacção confere-lhe,
assim, tal amplitude, ao ponto de permitir à WORTEN, nos casos de acções
destinadas a obter indemnização pelo não cumprimento ou cumprimento defeituoso
e a resolução do contrato por falta de cumprimento, que o foro competente seja
determinado por via convencional, através da fixação do foro da comarca de Lisboa, com renúncia a qualquer outro.”
No que a tais acções se refere, o n.º 1 do art.º 71 do Código de Processo Civil “vedou a eleição de foro convencional, que
- enfermando, por isso, uma tal condição geral de efectiva proibição” -, ferida
se acha, em concreto, de nulidade “por violação de disposições legais de
natureza imperativa – n.º 1 do art.º 95 e alínea a) do n.º 1 do artigo 104 do Código
de Processo Civil, e artigos 280 e 294 do Código Civil”.
E obtempera-se:
“É certo que, com a
redacção – introduzida pela Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril - dos actuais art.ºs
71 [seu n.º 1] e 104 [alínea a) do n.º 1] do Código de Processo Civil, em
conjugação com o disposto no n.º 1 do art.º 95, II parte, daquele Código, e com
a publicação do Acórdão Uniformizador de
Jurisprudência n.º 12/2007 [Diário da República, I Série, de 06 de Dezembro
de 2007), o alcance prático deste tipo de cláusulas atinentes ao foro fica algo
reduzido e na grande maioria das acções – as previstas no n.º 1 do art.º 71,
primeira parte, do Código de Processo Civil, em que o demandado seja pessoa
singular, há agora o regime imperativo da competência do tribunal do domicílio
do demandado, sendo nulos os pactos relativos ao foro que violem uma tal regra
– n.º 1 do art.º 95 -, nulidade que é deveras de conhecimento oficioso (ex
officio) – alínea a) do n.º 1 do art.º 104 -, pelo que a condição geral
ora em destaque jamais poderia ser aplicada, não deixando,
contudo de ser, nestes casos, contrária a lei imperativa, até porque da
redacção da condição geral em causa nem
sequer consta a comum “fórmula de
salvaguarda”, nos termos da qual o foro é estabelecido salvo disposição em
contrário, sendo que, de resto, tal formulação sempre seria desnecessária e
poderia ainda ser susceptível de gerar maior confusão no consumidor.
Confira-se, neste
passo, a súmula do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência invocado:
“As normas dos artigos 74.º,
n.º 1, e 110.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código de Processo Civil,
resultantes da alteração decorrente do artigo 1.º da Lei n.º 14/2006, de 26 de
Abril, aplicam -se às acções instauradas após a sua entrada em vigor, ainda que
reportadas a litígios derivados de contratos celebrados antes desse início de
vigência com cláusula de convenção de foro de sentido diverso.»
Destarte, quanto às
situações enquadradas pelo n.º 1 art.º 71 do Código de Processo Civil, tal
condição geral é proibida e, nos contratos singulares, nula, por contender com
valores fundamentais do direito suportados no princípio geral da boa-fé, de
harmonia com o que dispõem os art.ºs
12, 15 e 16 da LCGC, em concreto por afrontar lei imperativa, pretendendo-se com a
declaração incidental de nulidade que os contratantes não sejam sequer
confrontados com uma cláusula aparentemente válida.
Porém, a imposição de condições gerais sobre o foro não se reconduz apenas aos casos abrangidos
pelo n.º 1 do art.º 71, primeira parte,
do Código de Processo Civil, já que fora do seu alcance subsistem as acções
de resolução do contrato com fundamento noutros factos que não o
incumprimento que a WORTEN haja de intentar, como por exemplo, as fundadas na resolução
por alteração das circunstâncias e as de anulação ou declaração de
nulidade do contrato, sujeitas ao regime legal previsto no art.º 80 do
referenciado Código.
Em tais casos, os
aderentes seriam demandados, por força da cláusula do foro tipificada no
clausulado em apreço, no Tribunal da
Comarca de Lisboa e não nos tribunais sediados nos lugares de domicílio,
como resultaria do regime geral do art.º 80 do Código de Processo Civil.
Porém, sob esta perspectiva,
a condição
geral sob apreciação é proibida, por força do disposto na alínea g) do
art.º 19 ex vi do art.º 20 da
LCGC, sob a epígrafe “[condições gerais] relativamente proibidas”, passe a
aparente redundância:
“
São proibidas, consoante o quadro negocial
padronizado, designadamente, as [condições gerais] que:
…
g)
Estabeleçam um foro competente que
envolva graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da
outra o justifiquem.”
Com efeito, o
estabelecimento de tal foro ‘convencional’ é susceptível de envolver graves
inconvenientes para os consumidores, mormente quando se achem domiciliados em
localidades a apreciável distância de Lisboa, considerando que acedem ao site da
Ré WORTEN consumidores de todo o país – Continente e Ilhas - , não só na sua
deslocação ao tribunal escolhido pela sentenciada WORTEN, mas também de
eventuais testemunhas e do mandatário (ou procura e escolha de quem assegure o
patrocínio judiciário na área do foro de todo imposto), e na apresentação de outros
meios de prova, favorecendo a condição geral em apreço a WORTEN, a
predisponente, que desfruta, à partida, de melhores condições de litigância,
pois apresenta uma estrutura de implantação nacional e com maior desenvoltura e
recursos na propositura e na prossecução das acções em causa.
“De qualquer modo,
mesmo não tendo sido apresentada qualquer justificação para a escolha do foro
pela WORTEN, certo é que uma
eventual salvaguarda dos seus interesses económicos não justifica o estabelecimento do foro convencional.”
E no aresto se aduz
ainda que:
“Na verdade, a WORTEN,
como empresa com uma carteira de clientes de todo o país, dispõe, por
um lado, de capacidade económica e financeira, sem dificuldade para
angariar os serviços de mandatários judiciais com escritório em qualquer das comarcas
do país. E, por outro, o fácil recurso às tecnologias de informação e comunicação,
a que se alia a possibilidade de
produção de prova através de videoconferência, permite-lhe propor e fazer
prosseguir acções em qualquer dos órgãos de judicatura esparsos pelo País, sem
que haja de se deslocar fisicamente a tais lugares qualquer representante ou
trabalhador seu.”
Donde haver-se
concluído, com sucesso, ser a condição geral sindicada proibida e, em concreto, a dos contratos
singulares incidentalmente nula.
E os fundamentos são
consabidos, os artigos:
§ 12,
§ 15,
§ 16
e
§ alínea
g)
do artigo 19
ex
vi do art.º
§ 20
da Lei das Condições Gerais dos Contratos de 25 de Outubro de 1985.
Como tais situações
atravessam transversalmente Condições Gerais, em geral oferecidas nos distintos
segmentos de mercado por diversíssimos predisponentes, que fique o alerta para
quantos de forma despudorada violam a lei, o equilíbrio das relações
contratuais e expõem desmesuradamente os consumidores a consequências bem
nefastas neste seu cirandar pelo mercado.
Mal se percebe que
empresas com a dimensão de uma WORTEN,
aureoladas de uma imagem sem par, tecida de doses maciças de adjectivos
superlativos pelos “fazedores de imagem” mercê de insinuantes estratégias
mercadológicas que perduram horas a fio no pequeno ecrã, se permitam “tratar”
de forma tão soez os consumidores, afrontando-os desmesuradamente e
impondo-lhes condições atentatórias dos seus mais elementares direitos.
Que de heresias basta!
Sejamos sérios! A mais
se não almeja…
Mário Frota
Presidente emérito
da apDC – DIREITO DO CONSUMO
- Portugal