“Perante
uma avaria grossa no veículo que adquiri há já três anos, denunciei-a, em
devido tempo, com ano e cinco meses de uso, à marca (a um dos seus
concessionários no Porto).
A
avaria subsiste, volvidos todos estes meses: já lá voltou por três vezes e dizem-me agora que o “aparente”
defeito é uma característica do modelo em causa.
O
facto é que me dizem que tendo sido já esgotado o prazo legal de garantia, já
caducou o meu direito de exigir seja o que for.
O
certo é que a viatura não me oferece qualquer segurança e o que pretendo é
devolvê-la contra a restituição do valor pago.”
Apreciados
os factos, cumpre pronunciar-nos acerca da possibilidade de o consumidor estar
em tempo para pôr termo ao contrato, devolvendo o veículo e recebendo de volta
o preço.
1.
Se
nos socorrermos da jurisprudência (conjunto de decisões) do Supremo Tribunal de
Justiça, depara-se-nos o acórdão de 05 de Maio de 2015, da lavra do Conselheiro
João Camilo, segundo o qual
“I - Nos termos do DL n.º
67/2003, de 08 de Abril, os meios que o consumidor tem ao seu dispor para
reagir contra a venda de um objecto defeituoso, não têm qualquer hierarquização
ou precedência na sua escolha. Segundo o n.º 5 do art.º 4.º do referido diploma
legal, essa escolha apenas está limitada pela impossibilidade do meio ou pela
natureza abusiva da escolha nos termos gerais.
II - Tratando- se de compra
e venda de um automóvel novo de gama média/alta que após várias substituições
de embraiagem, de software e de volante do motor, continuava a apresentar
defeitos na embraiagem, pode o consumidor recusar nova proposta de substituição
de embraiagem – a terceira – e requerer a resolução do contrato, sem incorrer
em abuso de direito.”
2.
A
garantia legal é de 2 anos: e a não conformidade da coisa foi
denunciada, em tempo, pelo consumidor (LGBC – Lei das Garantias dos Bens de
Consumo: n.º 1 do art.º 5.º ).
3.
Como
a não conformidade subsiste, a
despeito de haver passado ano e meio sobre a denúncia primeira, importa dizer que
não se acha esgotado o prazo para o exercício do direito e, consequentemente,
eventual acção que o consumidor haja de propor não terá sido tocada pela
caducidade do direito de acção, consoante o que dispõe a LGBC (n.º 3 do art.º 5.º - A).
4.
Com
efeito, o mencionado artigo estabelece que:
“Caso o consumidor tenha
efectuado a denúncia da desconformidade, tratando-se de bem móvel, os direitos
atribuídos ao consumidor nos termos do artigo 4.º caducam decorridos dois anos
a contar da data da denúncia…”: a que acrescem os períodos de tempo em que o
consumidor esteve privado do uso da coisa por virtude das reparações.
5.
Logo,
a acção é oportuna, já que a denúncia da não conformidade remonta, como se
refere na consulta, há ano e meio, não estando, pois, esgotados os dois anos (+) para a instauração da correspondente acção.
6.
Situação
diferente é a que se prende com a restituição do montante pago. O enunciado
acórdão diz no n.º III do seu sumário:
“Apurando-se que o veículo vendido, apesar dos defeitos não eliminados,
continuou a circular sem limitações na respectiva capacidade de circulação e
sem afectar a segurança dos passageiros, percorrendo, em três anos e meio, 59
mil quilómetros, a devolução do valor do veículo a efectuar pelo devedor, em
consequência da resolução e como correspectivo da devolução do carro, deve
limitar-se ao valor deste, na data do trânsito em julgado.”
7.
Há,
com efeito, decisões num sentido e noutro, conquanto – na esteira da jurisprudência
do Tribunal de Justiça da União Europeia – a Lei Nova das Garantias (que entra
em vigor no 1.º de Janeiro de 2022) defina que “no prazo de 14 dias a contar da
data em que for informado da decisão de resolução do contrato, o profissional
deve reembolsar o consumidor de todos os
pagamentos recebidos, incluindo os custos de entrega do bem.” (DL 84/2021:
n.º 6 do art.º 20).
EM CONCLUSÃO:
a.
Efectuada
a denúncia
de não conformidade de uma coisa móvel, no lapso dos dois anos da
garantia legal, a despeito das tentativas de reparação, a subsistir a aludida
desconformidade, é lícito ao consumidor pôr termo ao contrato, devolvendo a
coisa a fim de lhe ser restituído o preço, nos dois anos subsequentes à
denúncia.
b.
O
preço, ao que parece, deve ser restituído na íntegra, sem deduções de qualquer
natureza.
Mário
Frota
Fundador da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Coimbra