EXPRESSO
Proibir o ensino online é
inconstitucional
Proibir aulas online não tem qualquer efeito no
abrandamento da transmissão do vírus. Pelo contrário, se os alunos estiverem em
aulas online, serão menos incitados a ter comportamentos que possam facilitar a
transmissão. Se assim é, pergunta-se: qual foi o objetivo desta bizarra
proibição?
23 Janeiro
12:24
Como medida
de combate à pandemia, e em execução do decreto de emergência constitucional, o
Governo decretou a “suspensão das atividades educativas e letivas dos
estabelecimentos de ensino públicos, particulares e cooperativos e do setor
social e solidário, de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário,
a partir do dia 22 de janeiro e, pelo menos, até ao dia 5 de fevereiro de 2021,
caso se verifique a renovação do estado de emergência” (Decreto-Lei n.º
3-C/2021, de 22 de janeiro).
À cabeça, o
decreto governamental levanta logo uma suspeita de inconstitucionalidade
orgânica. Não estando a liberdade de aprender e ensinar (artigo 43.º da
Constituição) suspensa pelo decreto presidencial de emergência, não poderia
haver aqui uma suspensão deste direito fundamental. Se configurarmos esta
afetação como uma restrição de direitos, esbarramos com a mesma
inconstitucionalidade: tal restrição apenas poderia ser efetuada mediante lei
da Assembleia da República ou decreto-lei autorizado do Governo (alínea b) do
n.º 1 do artigo 165.º da Constituição). Não foi o que sucedeu.
Do ponto de
vista material, a opção de proibir a lecionação online, suscita-me as mais
profundas reservas. Há quem argumente que não se trataria aqui de uma restrição
de direitos, mas uma mera recalendarização. No fundo, os estudantes ficariam de
“férias” durante 15 dias. Todavia, se esta medida foi tomada no âmbito da
execução do estado de emergência, tem de ser justificada por razões de saúde
pública. Proibir aulas online não tem qualquer efeito no abrandamento da
transmissão do vírus. Pelo contrário, se os alunos estiverem em aulas online,
serão menos incitados a ter comportamentos que possam facilitar a transmissão.
Se assim é, pergunta-se: qual foi o objetivo desta bizarra proibição? A razão
salta à vista: tratou-se tão-somente de uma opção ideológica para mascarar a
inexistência de medidas equitativas que assegurem que todos os estudantes
tenham igual acesso à Internet e a computadores.
De um ponto
de vista de filosofia do direito, é muito importante sublinhar que igualdade
não é o mesmo que igualitarismo, nem implica um forçado nivelar por baixo. Um
exemplo claríssimo: se os professores do ensino público aderirem em massa a uma
greve por x números de dias, os professores do privado também estarão impedidos
de dar aulas nesses dias?
A igualdade
não deverá nunca ser imposta, sem mais, a situações diferentes, pelo que um dos
maiores desafios de uma correta aplicação do princípio da igualdade passará
sempre por detetar e respeitar as diferenças, agindo corretivamente sobre estas
na hipótese de estarmos perante diferenças discriminatórias.
Em
acréscimo, tudo indica que esta medida necessitará de ser prorrogada por várias
semanas e não os meros quinze dias. Veja-se, aliás, que o decreto refere
expressamente “pelo menos” quinze dias, deixando adivinhar o que aí vem... Esta
opção normativa está, assim, ferida de inconstitucionalidade material por
violação do princípio da proporcionalidade. Existem, pois, medidas menos
gravosas do que pura suspensão de aulas que poderiam ser implementadas para
responder à pandemia. O ensino online é um cristalino exemplo.
Ora, se é
verdade que o ensino online exacerba as desigualdades sociais entre os
estudantes, também é verdade que é ao Governo que compete, através das suas
políticas públicas, mitigar estas mesmas desigualdades, por exemplo, através da
aquisição de computadores, garantia de acesso à Internet, etc.
Decretar, a
talhe de foice, que “as aulas online são proibidas” é prestar um mau serviço à
liberdade de aprender e ensinar e, paradoxalmente, viola aquilo que
ideologicamente se pugna defender – um ensino verdadeiramente democrático e ao
alcance de todos. Com efeito, o dever de o Estado promover “a democratização da
educação e as demais condições para que a educação, realizada através da escola
e de outros meios formativos, contribua para a igualdade de oportunidades, a
superação das desigualdades económicas, sociais e culturais (…)” (artigo 73.º,
n.º 2 da Constituição).