BLOQUEIO GEOGRÁFICO E DE DISCRIMINAÇÃO NA COMPRA E VENDA POR VIA ELECTRÓNICA
I
PRELIMINARES
1. FONTES
§ Lei n.º 7/2022, de 10 de Janeiro
§ Regulamento (EU) 2018/302, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de Fevereiro de 2018, vigente em todo o Espaço da União Europeia desde 03 de Dezembro de 2018.
§ Diploma regulamentar: Decreto-Lei 80/2019, de 17 de Junho, que, de harmonia com o sumário, assegura a execução, na ordem jurídica nacional, do Regulamento (UE) 2018/302, que visa prevenir o bloqueio geográfico injustificado e outras formas de discriminação baseadas na nacionalidade, no local de residência ou no local de estabelecimento dos clientes ...
2. OBJECTO DO REGULAMENTO EUROPEU
Contribuir para o correcto funcionamento do mercado interno, evitando o bloqueio geográfico injustificado e outras formas de discriminação baseadas, directa ou indirectamente, na nacionalidade, no local de residência ou no local de estabelecimento dos clientes, nomeadamente tornando mais claras certas situações em que uma diferença de tratamento não pode ser justificada ao abrigo da Directiva 2006/123/CE, de 12 de Dezembro de 2006 (relativa aos serviços no mercado interno).
3. OBJECTO DA LEI
Visa proibir o bloqueio geográfico e a discriminação injustificados, assim como outras formas de discriminação nas vendas em linha baseadas, directa ou indirectamente, no local de residência ou de estabelecimento do consumidor nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
4. ÂMBITO DE APLICAÇÃO DO REGULAMENTO EUROPEU
Não se aplica a situações meramente internas, em que todos os elementos pertinentes de uma transacção estão circunscritos num único Estado-Membro (mal se percebendo porquê; para além de todas as pretensas justificações que se avancem no preâmbulo…).
Daí a lei que ora surge (e tão estranha se nos afigura quando há um Regulamento Europeu…, que não se aplica a casos estritamente nacionais).
5. ÂMBITO SUBJECTIVO DA LEI NACIONAL
(cujos termos se circunscrevem aos Açores e à Madeira)
A Lei que a lume veio a 10 de Janeiro em curso (Lei n.º 7/2022) aplica-se aos comerciantes que disponibilizem bens ou prestem serviços em território nacional aos consumidores das Regiões Autónomas (insulares).
II
GLOSSÁRIO
(“lista dos termos técnicos de uma arte ou ciência”)
CONCEITOS
1. «Serviços prestados por via electrónica» - os serviços prestados pela Internet ou por meio de uma rede electrónica cuja natureza torna a sua prestação essencialmente automatizada, envolvendo um nível muito reduzido de intervenção humana e impossível de assegurar sem recorrer às tecnologias da informação.
2. «Consumidor» - uma pessoa singular ou colectiva, residente ou com sede em território nacional, a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios (noção distinta da de consumidor que, de ordinário, se privilegia na União Europeia, a saber, “pessoa singular que, no que respeita aos contratos abrangidos pela presente directiva, actue com fins que não se incluam no âmbito da sua actividade comercial, industrial, artesanal ou profissional”, por todas, Directiva 2019/771/EU, de 20 de Maio)
3. «Condições gerais de acesso» - os termos, condições e outras informações, incluindo os preços líquidos de venda, que regulam o acesso dos consumidores aos produtos ou serviços oferecidos para venda por um comerciante, estabelecidos, aplicados e postos à disposição do público em geral pelo comerciante ou em seu nome e que se aplicam independentemente da existência de um acordo negociado individualmente entre o comerciante e o consumidor;
4. «Interface online» - qualquer forma de software, incluindo um sítio web ou uma parte dele e as aplicações, nomeadamente móveis, explorada por um comerciante ou em seu nome, que proporciona aos consumidores acesso aos bens ou serviços do comerciante para efeitos da realização de uma transacção que tem por objecto esses bens ou serviços;
5. «Comerciante» - pessoa singular ou colectiva, pública ou privada, com representação social ou não em território nacional, que actua, ainda que por intermédio de outra pessoa, com fins que se incluam no âmbito da sua actividade comercial, industrial, artesanal ou profissional;
6. «Operação de pagamento» - o acto, iniciado pelo ordenante ou em seu nome, ou pelo beneficiário, de depositar, transferir ou levantar fundos, independentemente de quaisquer obrigações subjacentes entre o ordenante e o beneficiário.
III
DISCIPLINA A QUE SE ADSCREVE
UM TAL TIPO DE RELAÇÕES
1. ACESSO ÀS INTERFACES EM LINHA (ONLINE)
§ O comerciante não pode bloquear nem restringir, por meio de medidas de carácter tecnológico ou qualquer outro, o acesso do consumidor às suas interfaces online por razões relacionadas com o seu local de residência ou com o local de estabelecimento em território nacional.
§ O comerciante não pode redireccionar o consumidor, por razões relacionadas com o seu local de residência ou com o local de estabelecimento em território nacional, para uma versão diferente da interface online a que o consumidor tentou aceder inicialmente.
§ A proibição prevista passo precedente pode ser ultrapassada se o consumidor der consentimento expresso a um tal redireccionamento.
§ As proibições ínsitas nos passos precedentes não são aplicáveis se o bloqueio, restrição de acesso ou o redireccionamento forem necessários para assegurar o cumprimento de exigências legais às quais as actividades do comerciante se sujeitam.
2. ACESSO A BENS E SERVIÇOS
§ O comerciante não pode aplicar condições gerais de acesso aos bens ou serviços diferentes em função do local de residência ou do local de estabelecimento do consumidor em território nacional.
§ O comerciante tem a obrigação de tornar disponíveis condições de entrega dos seus bens ou serviços para a totalidade do território nacional.
§ A obrigação que emerge do passo precedente não impede que o comerciante proponha condições de entrega distintas em função do local de residência ou do local de estabelecimento do consumidor, nomeadamente quanto ao custo da entrega.
3. ACESSO A MEIOS DE PAGAMENTO
(NÃO DISCRIMINAÇÃO POR RAZÕES IMBRICADAS
NOS MEIOS DE PAGAMENTO)
§ O comerciante não pode aplicar diferentes condições a operações de pagamento, no âmbito dos instrumentos de pagamento por si aceites, por razões relacionadas com o local de residência, com o local de estabelecimento do consumidor em território nacional, com a localização da conta de pagamento, ou com o local de estabelecimento do prestador de serviços de pagamento.
§ Quando tal se justifique por razões objectivas, a proibição que antecede não impede que o comerciante suspenda a entrega dos bens ou a prestação do serviço até receber uma confirmação de que a operação de pagamento foi devidamente iniciada.
§ A aludida proibição não impede que o comerciante cobre encargos pela utilização de um dado instrumento de pagamento, nos termos do Regulamento Europeu em epígrafe, encargos que não podem exceder os custos directos por si suportados pela utilização do instrumento de que se trata.
IV
MOLDURA SANCIONATÓRIA
1. ILÍCITOS DE MERA ORDENAÇÃO SOCIAL
1.1. Constituem contra-ordenação leve as violações que se enquadrem no bloqueio ao acesso ou restrição do consumidor, por meio de medidas de carácter tecnológico ou qualquer outro, às interfaces em linha da responsabilidade do comerciante.
1.2. Constituem contra-ordenação grave as violações que se enquadrem na aplicação de condições gerais de acesso aos bens ou serviços diferentes em função do local de residência ou do de estabelecimento do em território nacional ou na discriminação injustificável por razões atinentes aos meios de pagamento
2. MEDIDAS & SEU CUMPRIMENTO
2.1. As coimas decorrentes da contra-ordenação leve cifram-se em:
· de 50 e 1 500€ - para as pessoas singulares (pessoas físicas)
· de 100 e 5 000€ - para as pessoas colectivas (pessoas jurídicas)
2.2. As coimas decorrentes das contra-ordenações graves cifram-se em:
· de 250 a 3000 € - para as pessoas singulares (pessoas físicas)
· de 500 a 25 000 € - para as pessoas colectivas (pessoas jurídicas).
2.3. Em caso de negligência, os montantes mínimos e máximos das coimas reduzir-se-ão a metade.
2.4. O pagamento voluntário da coima far-se-á pelo seu valor mínimo.
2.5. Sempre que o ilícito de mera ordenação social resulte da omissão de um dever, a aplicação da sanção e o pagamento da coima não dispensam o relapso do seu cumprimento, se ainda for possível.
V
ACTIVIDADE INSPECTIVA E FISCALIZATÓRIA
1. VERIFICAÇÃO DO CUMPRIMENTO
A fiscalização do cumprimento do que prescreve a lei compete à
§ ASAE - Autoridade de Segurança
Alimentar e Económica (Autoridade Nacional do Mercado, sediada em Lisboa)
§ ARAE –
Autoridade Regional das Actividades Económicas da Madeira. Sediada no Funchal
§ IRAE – Inspecção Regional das Actividades Económicas dos Açores, sediada em Ponta Delgada (São Miguel)
2. COMPETÊNCIAS
A detecção da infracção, o levantamento do auto, a instrução do processo e a aplicação das sanções cabem às entidades enunciadas no passo precedente.
3. PRODUTO DAS COIMAS E SUA PARTILHA
O produto das coimas reverte:
3.1. 70 % para o Estado ou para as regiões autónomas, consoante o local de ocorrência da acção que consubstancia a infracção;
3.2. 30 % para a entidade que procedeu à instrução do processo.
Eis o que, em síntese, importa revelar para que se tenha a percepção da disciplina que passará a vigorar neste particular, nas Regiões Autónomas portuguesas (Açores e Madeira), a partir de 11 de Março próximo futuro.
Que os jusconsumeristas brasileiros se inteirem das iniciativas legislativas que se vão assumindo nestoutra riba do Atlântico em prol da tutela do consumidor.
Mário Frota
Presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal
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