(15 de Novembro de
2024)
SE DEVOLVER POR NÃO
CONFORME,
RESTITUI-SE O PREÇO SEM
QUE NADA O TRANSFORME
“Se o meu carro avariar
dentro da garantia e eu estiver em condições de o devolver com sucesso, em vez
de me restituírem, por inteiro, o dinheiro que por ele paguei, vou ter de
descontar uma dada importância pelo tempo em que dele beneficiei?
É que me dizem que quando
as coisas vão a tribunal é assim que vem sendo decidido!”
Apreciados os factos,
cumpre oferecer a solução que ora resulta da lei:
1. Há,
com efeito, uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça (Cons,º João Camilo: 15
de Maio de 2015) que manda deduzir do valor que pagara pelo veículo novo o gozo
que o consumidor tivera durante o período em que, apesar dos defeitos,
circulou:
“III
- Apurando-se que o veículo vendido, apesar dos defeitos não eliminados,
continuou a circular sem limitações na respectiva capacidade de circulação e
sem afectar a segurança dos passageiros, percorrendo, em três anos e meio, 59
mil quilómetros, a devolução do valor do veículo a efectuar pelo devedor, em
consequência da resolução e como correspectivo da devolução do carro, deve
limitar-se ao valor deste, na data do trânsito em julgado.”
2. Há,
no entanto, uma outra decisão do Supremo Tribunal de Justiça (Cons.º Abrantes
Geraldes: 14 de Outubro de 2021) que, com
as suas especificidades, vai em sentido contrário:
“V.
Deve ser recusada uma solução que reduza o valor da quantia a entregar ao
comprador que exerceu o direito de resolução do contrato num caso em que a
utilização do veículo automóvel foi marcada, desde o início, por sucessivas
avarias que obrigaram a, pelo menos, 24 deslocações à oficina da vendedora que
nunca permitiram nem permitem uma utilização normal do veículo e em que, além
disso, o vendedor negou na acção qualquer responsabilidade e opôs-se ao pedido
de resolução do contrato por fundamentos que não foram atendidos pelo tribunal.”
3. A
solução que ora decorre da Lei da Compra e Venda de Consumo é a da restituição
integral do preço (DL 84/2021: art.º 20):
“4
— O exercício do direito de resolução do contrato… determina:
a)
A obrigação de o consumidor devolver os
bens ao profissional, a expensas deste;
b)
A obrigação de o profissional reembolsar o consumidor do preço pago pelos bens após
a sua recepção ou de prova do seu envio, apresentada pelo consumidor.
5
— O profissional deve efectuar o reembolso dos pagamentos através do mesmo meio
de pagamento que tiver sido utilizado pelo consumidor na transacção inicial,
salvo havendo acordo expresso em contrário e desde que o consumidor não incorra
em quaisquer custos como consequência do reembolso.
6
— No prazo de 14 dias a contar da data em que for informado da decisão de
resolução do contrato, o profissional deve reembolsar o consumidor de
todos os pagamentos recebidos, incluindo os custos de entrega do bem.
….”
4. Reforça
a ideia o facto de, a haver substituição da coisa, se não poder imputar ao
consumidor qualquer valor correspondente ao gozo do bem substituído durante o período em que
dele beneficiou (DL 84/2021: n.º 7 do art.º 18):
“Em
caso de substituição do bem, não pode ser cobrado ao consumidor qualquer custo inerente
à normal utilização do bem substituído.”
EM
CONCLUSÃO:
Se em resultado da
garantia, o consumidor puser termo ao contrato, devolvendo o veículo e
recebendo de volta o preço, não é hoje, pela Lei da Compra e Venda de Consumo, admissível se
desconte do preço o equivalente às utilidades fruídas durante o tempo em que o
veículo circulou (DL 84/2021: art.ºs
20
e
18,
n.º 7).
Tal é, salvo melhor
juízo, o nosso parecer.
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal