Da reclamação de um
consumidor de Lisboa, surpreendido pela recusa da moeda com curso legal em
composições da Carris, na capital:
“De acordo com o regulador,
Banco de Portugal, todos os operadores económicos são obrigados aceitar as
formas de pagamento admitidas por lei,
nas quais se incluem obrigatoriamente os
pagamentos em numerário.
No passado dia
04/10/2024, utilizei um dos eléctricos novos da Carris, desde o Centro Cultural
de Belém até Alcântara. Ao tentar pagar a minha viagem individual de 3,10€ fui
confrontado com equipamentos que não aceitam pagamentos em numerário. Dirigi-me
ao motorista do eléctrico, que me confirmou que nem ele podia aceitar
pagamentos em numerário.
A Carris, parece-me
estar a incumprir deliberadamente uma disposição geral do ordenamento de Portugal e da Zona Euro, excluindo desse modo
os cidadãos que não possuem meios
electrónicos de pagamento de viajarem nos seus eléctricos.”
A inconsequente e
hilariante resposta da Carris, que pelos vistos não encarou nem a reclamação
como tal e está a anos-luz, nos seus procedimentos, da concepção da natureza forçada do dinheiro
com curso legal, que apaga simplesmente e, ao que parece, sem consequências, vedando
aos consumidores tais meios de transporte por circunscrever os meios de
pagamento aos cartões e recusando a moeda com curso legal:
“Agradecemos o seu
contacto e lamentamos qualquer transtorno que esta situação possa ter causado.
Informamos que, nos
novos eléctricos, a Carris implementou exclusivamente meios de pagamento
digitais, como cartões bancários com tecnologia contactless. Esta decisão
foi tomada para modernizar o serviço e promover uma experiência de viagem mais
rápida e eficiente.
Entendemos
a sua preocupação quanto à aceitação de numerário, e agradecemos o seu
feedback. No
entanto, a Carris assegura que esta prática está em conformidade com as normas
e orientações estabelecidas para operadores de transporte público.
Estamos ao dispor
para qualquer esclarecimento adicional e agradecemos a sua compreensão.”
Com efeito, a Carris
não é uma autarquia no seio da autarquia nem um Estado dentro do Estado.
A Carris recusa pura
e simplesmente a moeda com curso legal.
A Carris veda aos
passageiros não portadores de meios electrónicos o acesso aos seus veículos.
A Carris não
fundamenta as razões por que assim procede.
A Carris exclui
deliberadamente do uso do transporte públicos os consumidores que não têm
acesso aos meios de pagamento digitais.
A Carris segrega.
A Carris discrimina
os consumidores.
A Carris criou um
“apartheid”: os que tem e os que não tem cartões de pagamento.
Quem tem cartão
viaja. Quem não tem cartão está proibido de viajar: e se viajar, sem ter
satisfeito as obrigações de pagamento, está sujeito a uma coima.
A Carris não cumpre
ostensivamente a lei e “pede desculpas pelos transtornos causados”… com um
enorme desplante.
A Carris afronta com
absoluta impunidade o signo da soberania que é a moeda com curso legal.
A Carris viola
flagrantemente as coordenadas de um serviço de interesse geral que é o que
suporta a moeda com curso legal.
A Carris violenta os
consumidores num direito que é fundamental, recoberto pela Constituição, no seu
artigo 60, que é o da protecção dos seus interesses económicos com a liberdade
de escolha que lhe é inerente.
Ao dar-se
publicidade ao facto, é mister que o Ministério Público, garante da legalidade,
actue de modo consequente.
É imprescindível que
o Banco de Portugal não faça ouvidos de mercador nem se mostre cego e mudo
perante a realidade.
É fundamental que a Provedora de Justiça, que
faremos ciente do facto, aja por forma a que o Estado de Direito e os seus
ditames se cumpram.
A Carris, sob tutela
da Câmara de Moedas, não pode recusar as moedas com curso legal, as moedas com
curso forçado, passe o trocadilho e a pretensa linha de humor, que o caso não
tem piada nenhuma!
A Carris, se quer
dar uma de “modernaça”, que cumpra a lei: ponha uma máquina de pagamento
automático que aceite notas e moedas e dê troco, se for caso disso, algo que
está ao seu alcance e evita que o motorista se confronte com recebimentos e
trocos.
É legal. É factível,
É imperativo indeclinável!
A Carris que se
acautele! Porque anda deveras forra dos carris…
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal